terça-feira, 31 de julho de 2012



O drama do alcoolismo cresce entre as mulheres.
Folha de Notícias
 A síndrome da dependência do álcool é uma doença caracterizada por compulsão, perda de controle e dependência física.
 O número de mulheres dependentes do álcool aumentou nas últimas décadas, conforme indica o “Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira”. A pesquisa investigou em detalhes como o brasileiro bebe e mostrou que, em duas décadas, a proporção de mulheres entre a população alcoólatra passou de 10% para 30%.

De acordo com a pesquisa, 23% dos brasileiros (homens e mulheres) bebem frequentemente e pesado.

Entre as mulheres, 17% bebem mais de quatro doses - considerado abusivo - e 63%, menos de duas. A pesquisa, feita pelo Conselho Nacional Antidrogas, em parceria com a Secretaria Nacional Antidrogas e a Universidade Federal de São Paulo, revelou também que 12% da população têm algum problema com o álcool.

A independência feminina seria a maior razão desse aumento no número de mulheres alcoólatras. Foi um processo similar com o cigarro. Com o decorrer dos anos, as mulheres buscaram várias formas de se autoafirmar perante a sociedade. Antes era o cigarro, agora é o álcool.

Não é possível estabelecer um padrão, de quando e porque a mulher começa a beber.

Estudos dizem que a maior parte das mulheres bebe como forma de se livrar dos sintomas da depressão inicial. Por outro lado, existe a tese que algumas fazem isso como forma melhorar o relacionamento com amigos. Mas, sem dúvida, a influência dos pais é fundamental neste processo. Cerca de 50% dos pais de jovens dependentes também bebem.

O alcoolismo é uma doença que afeta não apenas o paciente, mas toda a família, por meio da codependência.

Nem toda mulher sabe que está consumindo em excesso. E aí mora o perigo de ser alcoólatra e nem saber.

A síndrome da dependência do álcool é uma doença caracterizada por compulsão (necessidade forte e desejo incontrolável de beber), perda de controle (inabilidade de parar de beber uma vez que já começou) e dependência física (com sintomas de abstinência como náusea, suor, tremores e ansiedade).

Esses sintomas são aliviados com a ingestão da bebida ou outra droga sedativa. Quando a tolerância ao álcool diminui e a necessidade de beber fica cada vez maior para se sentir alto, é preciso atenção. Não são necessários todos os elementos para caracterizar a doença. Mas se a pessoa já se deparou com esses sintomas, é hora de procurar ajuda.

Existem várias formas de tratamento, que começam com o apoio familiar e passam por acompanhamento psicológico em grupo ou individual, acompanhamento psiquiátrico e, em último caso, internação.

Procurar um profissional qualificado de imediato pode ser essencial para a pronta recuperação da paciente. Mas sempre se deve ter em mente que o alcoolismo não tem cura. Isso significa que o dependente, nesse caso, sempre está sujeito à recaídas. Por isso, continuar bebendo socialmente pode ser uma grande armadilha.

A drunkorexia (anorexia com bebida alcoólica) também é grande entre as mulheres. Elas deixam de se alimentar para beber.
Além de causas estéticas, essa doença é impulsionada por cobranças do mercado, angústias e compulsões profissionais. Buscando manter um corpo dentro do padrão exigido, algumas pessoas restringem o consumo necessário de nutrientes para o organismo e descontam seus anseios na bebida.

Quem bebe compulsivamente tenta se livrar da depressão, buscando momento de prazer, seguindo a mesma lógica das drogas em geral. Quer fugir da realidade. Ou então, vê-la pelo fundo da garrafa.





Comunidades Terapêuticas: Maioria das entidades funciona de forma irregular e sem cadastro.


Instituições que tratam dependentes químicos não cumprem exigências da ANVISA

Pode soar clichê, mas quando o assunto é álcool e drogas, prevenir é melhor que remediar. Porém, nem sempre a prevenção basta, e aí entra o tratamento da dependência. No tocante às Comunidades Terapêuticas (CT), há que se avançar tanto na fiscalização destes equipamentos, regulamentação e aumento dos índices de recuperação.


Pelo menos, é esta a opinião da maioria dos especialistas no assunto, tendo em vista a proliferação exacerbada deste tipo de instituição por todo o Estado. A maioria delas não tem compromisso com os pacientes internados e, assim, acabam destruindo esperanças de vidas.

Neste sentido, o Conselho Estadual de Políticas Públicas Sobre Drogas (Cepod) deu início, em março, ao levantamento e cadastramento destas entidades. De acordo com o assessor especial do órgão, major Edálcio Aragão, já foram catalogadas 50, porém, apenas 24 estão em processo de cadastramento junto ao órgão.
"Até agora, podemos observar que muitas vivem irregularmente e, por isso, não querem se cadastrar, ou seja, não têm o compromisso com a causa", informou Aragão. Apesar de 50 CTs serem, até momento, conhecidas pelo Cepod, ele estima que este número deva ser de quatro a cinco vezes maior.
A situação preocupa, pois, hoje, apesar de exigir documentação jurídica e alvará junto à vigilância sanitária, tanto Estado quanto Município mantêm convênio com estas comunidades. Mesmo que seja apenas com o objetivo de acolhimento destes pacientes, muitas das conveniadas, em vez de serem escolhidas pela excelência no serviço, passam a ser selecionadas pelo critério "menos ruim". Segundo Edácio, algumas têm boa vontade, mas isso só, não basta.
"Enquanto em outros países temos um índice de 90% de recuperação destes internos, aqui, a gente bate palmas quando a taxa chega a 30%", disse o Major.
A coordenadora de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas de Fortaleza, Rane Félix, informou que o Município possui convênio com seis comunidades, totalizando 120 vagas. Paga-se por cada interno R$ 800,00.
Já a coordenadora do Hospital Dia Elo de Vida, Sandra Coelho, comunicou que o Estado possui convênio com quatro instituições desta natureza, sendo 60 leitos. Por cada paciente, o Governo paga R$ 1.000,00.
Normas
As determinações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são claras e indicam que a Comunidade Terapêutica deve apresentar uma proposta de recuperação coerente, na qual constem adoção de critérios de admissão; programa terapêutico com fases distintas; estabelecimento de critérios que caracterizem a reinserção social como objetivo final, entre outras exigências.
Contudo, poucas respeitam estas regras. Das cinco CTs visitadas pela equipe de reportagem, apenas duas possuíam responsável técnico com nível superior legalmente habilitado, bem como um substituto com a mesma qualificação, além de trabalharem a reinserção social dos internos e os seus codependentes, no caso, os familiares dos que ali estavam em tratamento. Estes detalhes são tão imprescindíveis, principalmente a reinserção social e o trabalho familiar, que, juntos, são responsáveis pelo menor índice de recaídas do internos.
Tratamento individual
A psicanalista Rossana Brasil Kopf, que trabalha há seis anos com a temática, explica que não adianta internar um paciente e não tratá-lo individualmente. Ela participou da elaboração do livro "Drogas: onde buscar ajuda", que, em 2010, fez um levantamento sobre os locais de tratamento para dependentes químicos no Estado, assim como abordou temas como prevenção, reinserção social e repressão ao tráfico.
Segundo Rossana, das clínicas de reabilitação de dependentes, assim como as CTs visitadas, nenhuma tratava o interno de forma individual, mas, sim, de uma maneira coletiva. "O lado espiritual é importante, mas ele sozinho não é um programa de recuperação que vá reabilitar um dependente de álcool e drogas, é preciso muito mais. É necessário um olhar sobre a família desta pessoa, que também sofre diretamente com os respingos da dependência do ente familiar. Porém, o que se vê em quase 100% destes estabelecimentos é a imposição do credo religioso como forma de salvação da dependência química, e isso basta", comentou a psicanalista.
Sem qualificação
A auxiliar administrativa D.M. tem dois filhos, um deles com 18 anos e dependente de drogas. Ela conta que ele está internado há três meses em uma clínica de reabilitação, onde a mensalidade inicial é R$ 3,5 mil. Apesar do valor cobrado, ela reclama da falta de trabalho qualificado com a família e a reinserção social do paciente.
"Ele fica internado e não pode dar continuidade aos estudos, nem completar as aulas da autoescola, que estavam faltando poucas. As reuniões com a família não aprofundam o como lidar com o problema, nem o que fazer. As pessoas contam o quanto sofrem, mas não há uma orientação, um trabalho", diz D.M.
A mãe relatou, ainda, que, mesmo sendo em uma clínica de reabilitação, onde as mensalidades são superiores ao de uma CT, a rotina do filho é basicamente de oração e algum esporte. Segundo D.M., as visitas aos internos são de forma quinzenal. Além de pagar a mensalidade, os familiares ficam encarregados de levar todos os materiais de higiene pessoal.
Estudos
Modelo bem diferente do que seguem as comunidades terapêuticas Caminho da Paz e Centro de Recuperação Mão Amiga (Crema). Ambas são dirigidas por profissionais com nível superior e percebe-se pela rotina semanal estipulada o trabalho terapêutico desenvolvido.
Na Caminho da Paz, os internos que cursam ensino superior podem continuar seus estudos mesmo em tratamento. O coordenador da CT, Mario Gil Lodi, 40 anos, fala que isso é importante para reinserção social dos internos. "A gente libera da seguinte forma: os pais vêm buscar e depois trazem novamente para comunidade", explicou.
Na Crema, isso também acontece. O coordenador Luis Favaron afirma que, lá, em vez dos pais irem buscar, quem faz isso são os monitores.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estima a presença de três mil comunidades terapêuticas no País, abrigando cerca de 60 mil dependentes, o CFP aponta que a maioria destes está irregular. A Vigilância Sanitária de Fortaleza só tem em seu cadastro sete CTs.
Situação
24 entidades das 50 catalogadas estão em processo de cadastramento junto ao Conselho Estadual de Políticas Públicas Sobre Drogas (Cepod)
30% é o índice de recuperação dos internos nestas instituições do Ceará, segundo o assessor especial do Conselho Estadual de Políticas Públicas Sobre Drogas
THAYS LAVOR




sábado, 28 de julho de 2012


Destituição do poder familiar aumentam com casos de mães usuárias de crack.
Correio do Brasil

Por Redação, com ACS - do Rio de Janeiro

O potencial destrutivo do crack não atinge apenas o usuário de drogas. Recém-nascidos, filhos de mães usuárias da droga, já constam em cerca de 90% dos processos de destituição do poder familiar, relativos a bebês, em andamento no Juizado da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca da Capital.

As ações propostas pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), através das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude da Capital, têm por objetivo garantir a convivência familiar das crianças.
Nos casos em que a criança sofre maus-tratos, negligência ou abandono por parte da mãe, o objetivo do MPRJ é garantir sua permanência sob a guarda de outros integrantes da família de origem ou, em último caso, adotar as medidas cabíveis para a colocação em família substituta, sob as modalidades de adoção, tutela ou guarda.
De acordo com a Promotora de Justiça Ana Cristina Huth Macedo, nos últimos dois anos aumentou o número de ações envolvendo mães viciadas em crack. Em média, a Promotoria atende a um caso por semana. Em geral, o perfil dessas mães é semelhante: registro civil apenas com o nome da mãe, oriunda de famílias desestruturadas ou com vivência nas ruas, idade entre 15 e 30 anos.
A Promotora explica que as maternidades têm a recomendação do Juizado de notificar a chegada de mães sem documentação ou que demonstrem ausência de vínculo familiar ou abordadas em ações de recolhimento da Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro.
Quando elas têm alta da maternidade, são encaminhadas ao Juizado, entrevistadas e cada caso é avaliado em audiência. É facultado às mães o direito de iniciar tratamento de recuperação e de serem acolhidas em abrigo familiar. Caso ocorra abandono ou a impossibilidade de a criança ser acolhida por outros membros da família, o bebê é encaminhado para integrar o cadastro de adoção.


O Código Penal e a psicofobia.
 ANTÔNIO GERALDO DA SILVA Psiquiatra da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal e presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)
O presidente do Senado Federal, José Sarney, recebeu há poucos dias o anteprojeto de revisão do Código Penal brasileiro. Trata-se de um avanço fundamental, tendo em vista que o Código data de 1940. Em tempos de redes sociais e comunicação instantânea, 72 anos são uma eternidade: há consenso de que as leis que regem os passos da sociedade são anacrônicas. Questões relevantes— e polêmicas—da contemporaneidade serão analisadas, como a criminalização do bullying e as regras de autorização de abortos. Novos ventos prometem colocar a Justiça brasileira em sintonia com o compasso acelerado da vida dos cidadãos.
Agora cabe ao Senado analisar o documento com atenção e aproveitar a chance única de atender também outras parcelas da população que, muitas vezes, não têm voz na sociedade civil, mas carecem da proteção da lei. É o caso dos brasileiros que sofrem algum tipo de transtorno mental, como esquizofrenia, bipolaridade, dislexia, autismo, ansiedade, transtornos alimentares e síndrome de Down. São mais brasileiros do que imaginamos: silenciosamente, cerca de 20% da população padece desses transtornos. Se focarmos em depressão, especificamente, pode chegar a 25%, percentuais muito significativos para serem ignorados.
Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que a depressão e os demais transtornos mentais crescem exponencialmente entre os brasileiros, é proporcional a escalada do preconceito em torno deles. É hora de combater essa discriminação. A expressão psicofobia, que começa a circular entre psiquiatras, psicólogos e leigos na internet, expressa justamente o nefasto preconceito contra os doentes mentais e portadores de deficiência.
Não há razão para as doenças mentais não serem encaradas com a seriedade que pedem e os portadores exigem. Há várias formas de preconceito; entre elas, a própria negação da doença como algo menor ou passageiro. Neste momento, cabe ao Senado fazer justiça e incluir a psicofobia como crime no anteprojeto de revisão do Código Penal.
Aos poucos, o bom-senso da causa vai ganhando adesão. As mais representativas esferas médicas, como o Conselho Federal de Medicina, a Federação Nacional dos Médicos e a Associação Médica Brasileira declararam apoio. O senador Paulo Davim (PV-RN) já solicitou que diversas instituições médicas e de pacientes compareçam à Comissão de Direitos Humanos, a fim de que sejam ouvidas no pleito da inclusão da psicofobia no novo Código Penal que se desenha. É um alentador começo.Mas podemos mais.
Em um segundo momento, será fundamental o engajamento dos estados e municípios da Federação, das escolas e universidades, dos professores e educadores. A informação é a melhor arma contra o preconceito. A conscientização é o elemento-chave para que as próximas gerações cresçam sem o nocivo lastro do prejulgamento. Uma enorme campanha de conscientização toma conta dos Estados Unidos neste momento, comparando a depressão com o câncer, pelos danos que ambos causam no cotidiano de quem os sofrem.
A ministra Cármen Lúcia, ao ser empossada presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), fez a pungente declaração: “Justiça artesanal numa sociedade de massas é um desafio que se impõe sem solução mágica, mas mudar esse quadro é o desafio que se impõe e para o qual nós nos propomos. O desafio de não apenas reformar, mas transformar a Justiça a fim de que ela corresponda aos anseios do cidadão”. A colocação da ministra é perfeita. É isso que os portadores de transtornos mentais e deficiência esperam: que a Justiça corresponda aos seus anseios.
A adesão da generosa sociedade brasileira, sem dúvida, virá na sequência. Um povo que soube reagir com tanta dignidade e sabedoria a causas nobres como a dos homossexuais e a dos negros saberá dar novo exemplo de civismo e justiça.
Em pleno século 21, ideias preconceituosas devem ser combatidas com ainda mais veemência. É chegada a hora de o Poder Legislativo olhar com maturidade e respeito para os portadores de transtornos mentais. Psicofobia é crime.


Tráfico de drogas enraizou-se na sociedade brasileira.
Consultor Jurídico - Por Luiz Flávio Gomes
* De acordo com os levantamentos realizados pelo Instituto Avante Brasil, baseados nos dados divulgados pelo Depen (Departamento Penitenciário Nacional), em 2005, o Brasil possuía um total de 32.880 presos por tráfico de entorpecentes (nacional e internacional), montante que quase quadruplicou em 2011, alcançando um total de 125.744 presos.
Em 2005, os presos por entorpecentes representavam 13,4% dos detentos do país, posicionando o tráfico de drogas como o segundo crime mais encarcerador. Em 2011, eles passaram a compor 24% do total de presos no país, o que colocou o tráfico de drogas em primeiro lugar dentre os delitos que mais encarceram no Brasil.
Dessa forma, nesses seis anos, houve um crescimento de 282% nas prisões por tráfico de entorpecentes. No tocante às mulheres presas, o aumento foi ainda maior, alcançando 300%, tendo em vista que em 2005 haviam apenas 4.228 presas por tráfico, montante que alcançou 16.911 em 2011.
É de se supor que o crescimento foi nitidamente impulsionado pela Lei 11.343/06 (Lei de Drogas e Entorpecentes), uma vez que as penas para o tráfico foram aumentadas. Outro ponto: suas disposições não diferenciam objetivamente o usuário do traficante, dando margem à possibilidade de decretação de um grande número de prisões por drogas no país, inclusive de usuários. Cabe ainda sublinhar que o tráfico de entorpecentes não acontece (normalmente) fora das organizações criminosas, que procuram, em todo momento, intensificar seus ganhos (seus lucros). Com o aumento do poder aquisitivo do brasileiro, é plausível pensar no aumento do consumo (assim como nos lucros das organizações criminosas). Havendo maior demanda, mais “traficantes pequenos” ficam sujeitos à prisão.
Por tratar-se de crime de fácil execução e propagação, o tráfico de drogas enraizou-se na sociedade brasileira (tomada pela desigualdade social e falta de oportunidades). E, assim como nos Estados Unidos, a política punitivista de guerra às drogas não tem surtido efeito no Brasil, conforme demonstraram os números. Portanto, imperioso se faz uma nova releitura desta criminalidade, mediante medidas de prevenção penais, bem como políticas públicas da área da saúde. De outro lado, depois do grande encarceramento, talvez tenha chegado o momento do grande questionamento: legalização ou não das drogas? Sou daqueles que não bloqueiam aprioristicamente o debate.

sexta-feira, 27 de julho de 2012



Juízes e promotores do DF são contra descriminação das drogas para uso.

Jornal do Brasil
Luiz Orlando Carneiro, Brasília

Os juízes e promotores das quatro varas e oito promotorias de entorpecentes do Distrito Federal divulgaram nota conjunta para “externar à sociedade grande preocupação com a proposta de descriminalização do porte de drogas para consumo, o estabelecimento de critérios quantitativos e a redução da pena máxima para o tráfico”, constante do anteprojeto do novo Código Penal, em vias de ser apresentado ao Congresso.
A nota reconhece “a preocupação governamental com os custos do sistema carcerário do país, diante dos recentes levantamentos oficiais de que um terço da população carcerária encontra-se presa por tráfico de drogas”, mas considera inaceitável “que se tenha optado por conferir primazia ao custo econômico em detrimento da segurança e saúde da população brasileira”.
“Impressão equivocada”
De acordo com a manifestação dos magistrados e integrantes do Ministério Público do Distrito Federal, a descriminalização “passaria a impressão equivocada de que o consumo de drogas não é perigoso ou arriscado, o que poderá gerar um incremento no número de consumidores, visto que as drogas legalizadas possuem mais consumidores do que as drogas ilícitas (75% da população já experimentou bebida alcoólica, enquanto menos de 9% consumiu maconha (Senad, 2005)”.
Os outros principais pontos da nota são os seguintes:
“De igual forma, atormenta a todos o fato de imporem às famílias a obrigação de permitirem que seus filhos usuários de droga consumam dentro de casa, porque somente seriam passíveis de prisão se forem para a via pública. Tal atitude enfraquecerá o papel dos pais, como responsáveis pela orientação, educação e formação dos filhos, assim como trará insegurança para dentro da própria unidade familiar”.
“Por outro lado, a criminalização do consumo de droga em via pública não resolverá a questão crescente dos bolsões formados por usuários de crack e outros entorpecentes nas grandes capitais. Além de significar um retrocesso na legislação atual, caracterizará ato de discriminação frente àqueles que já perderam não só suas casas, mas a própria dignidade, por conta do vício. Vivem nas ruas não por opção e nela buscam meios para custearem o próprio vício e a subsistência”.
“É importante frisar que levantamentos perante as varas de Entorpecente, mostram que: 80% dos traficantes são consumidores de droga; 95% começaram o seu consumo na adolescência; 90% começaram com o consumo de maconha e 85% dos usuários de droga freqüentaram a escola até a 8ª série.
Esses dados mostram não só uma escalada no mundo dos tóxicos, onde o usuário de hoje é potencialmente o traficante de amanhã, que a maconha, dentro as drogas ilícitas, continua sendo a porta de entrada para o consumo de outras substâncias mais pesadas, como também revela que, dentre tantos outros fatores, a droga é um importante propulsor da evasão escolar”.
Os juízes e promotores concluem a manifestação com um apelo ao Congresso para que “reflita serenamente sobre o tema e rejeite a proposta”.

terça-feira, 24 de julho de 2012



O plano de carreira do tráfico.

Jornal O Diário de S. Paulo - Thaís Nunes

Nos ataques às bases da Polícia Militar no último mês, vários crimes tiveram a participação de menores, segundo a Secretaria da Segurança Pública. O coronel Roberval França, comandante-geral da PM, chegou a declarar que “é necessária uma revisão do nosso aparelho legal”, sugerindo que menores de 16 anos sejam mandados para a cadeia como criminosos comuns.


Dados da Fundação Casa de São Paulo, porém, apontam crescimento só no índice de internações por tráfico de drogas. Em 2006, esse número era de 21%. Em 2012, dobrou: 42% dos menores infratores foram flagrados traficando.
Poucas horas de trabalho por semana, salário muito acima do oferecido no mercado formal e um plano de carreira bem definido. São essas as oportunidades dadas pelos traficantes a jovens de 14 a 17 anos, a maior parte sem formação cultural e carente de estrutura familiar.

“Como vamos convencê-los a aceitar um subemprego ‘honesto’ em troca de um salário baixo, onde ele vai ser obrigado a pegar três conduções para ir e outras três para voltar e ainda exigir que ele vá para a escola pública à noite, onde nem mesmo a professora quer que ele aprenda algo?”, questiona o desembargador Antonio Carlos Malheiros, coordenador da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo.
O campana, função mais baixa na hierarquia do tráfico (veja ao lado), ganha R$ 300 por semana. Em um mês, o adolescente arrecada o dobro do salário mínimo, além de outras “vantagens” por fazer parte do crime organizado. “Eles conquistam fama, meninas bonitas e o poder do revólver na cintura”, diz Malheiros.   
Política punitiva/  A apreensão de traficantes adolescentes subiu. Em 2010, foram 23,6 mil flagrantes feitos pela Polícia Militar. No ano passado, 28,2 mil.
Para a cientista social Liana de Paula, especialista em adolescentes em confronto com a lei, os números refletem um novo olhar da polícia sobre esse fenômeno criminal. “A PM opta pela apreensão dos adolescentes como uma maneira eficaz de combater o crime, mas a estrutura do tráfico é mais complexa e exige um trabalho de inteligência que vai além”, afirma. Os menores são varejistas, facilmente substituíveis.
Berenice Gianella, presidente da Fundação Casa, acredita que a saída para controlar a participação dos menores no tráfico está em atendimentos sociais mais efetivos e não na política punitiva do Judiciário de São Paulo. Sobre a redução da maioridade penal, ela afirma que essa é uma “falácia”. “Se você questionar o jovem, ele dirá que está preso e não apreendido. Muitas vezes fica aqui mais tempo do que o maior na cadeia”, afirma.
Malheiros admite que essa é a visão da Justiça sobre o tema. “Resta ao Judiciário a tarefa triste de reconhecer a total falência do Estado e internar o menino pego com pequena quantidade de crack e uma arma. Ele vai ser punido, mas não significa que vai ser corrigido”, reconhece.
Castigos na infância provocam violência, conclui estudo da USP
Estudo da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), realizado em 11 capitais brasileiras, revelou que 70% dos 4.025 entrevistados, de todas as idades, apanharam na infância. Em 20% dos casos, as agressões eram frequentes. Os pesquisados que afirmaram ter sofrido agressões físicas quando crianças também foram os que escolheram a opção “bater muito” em seus filhos como forma de castigá-los.
O levantamento foi feito em 2010 e divulgado no mês passado pelo NEV (Núcleo de Estudos da Violência), da USP. O mesmo estudo foi elaborado em 1999. Embora o percentual dos que dizem ter sido agredidos na infância tenha caído, o índice ainda é considerado alto por especialistas.
Berenice Giannella, presidente da Fundação Casa, acredita que a falta de estrutura familiar é um dos fatores determinantes para facilitar a aproximação entre menores e o crime organizado. “Existe um contexto de desagregação familiar: pais que não têm controle sobre seus filhos somados à inconsequência do adolescente”, explica.
O desembargador Antonio Carlos Malheiros questiona: “É mais fácil admirar o pai bêbado, ausente, ou o traficante armado e cheio de poder?”.
Os dois menores entrevistados pelo DIÁRIO nesta reportagem não conheceram seus pais. As mães deles eram ausentes: uma está presa e a outra, morta. “Nunca tive carinho de pai. Não sei o que é isso, não. Acho que vou fazer diferente quando tiver o meu pivete”, diz Diogo (nome ficíticio).
CAMPANA
É a função mais baixa na biqueira. São adolescentes que ficam escondidos na “quebrada” e avisam quando a polícia está chegando. A remuneração gira em torno de R$ 300. Os traficantes costumam ajudar os menores com R$ 10 para alimentação, além de refrigerantes e chocolates.

VAPOR
É quem vende a droga nos pontos de tráfico. Tem a responsabilidade de tratar bem a clientela e é cobrado caso suma dinheiro ou drogas. O “salário” é de R$ 500 a R$ 700 por semana, mas pode ser  maior se as vendas superarem a expectativa do “patrão”.

ABASTECE
Também conhecido como “avião” é quem fornece as drogas para a biqueira. O cargo se divide em dois turnos. Ele também acumula a função de recolher o dinheiro dos vapores e conferir se as finanças estão em ordem. Ganha até R$ 700, mais 10% da droga vendida, dependendo da política interna da biqueira.
GERENTE
Cargo de confiança, ocupado por quem já tem uma “caminhada”  junto aos traficantes. Essa pessoa tem relacionamento estreito com o dono da biqueira e a função de administrar os funcionários para que tudo corra bem. Controla os gastos e lucros, esconde as drogas, controla o fornecimento e faz pagamentos. Ganha até R$ 2 mil por semana. Se controla mais de uma biqueira é chamado de gerente-geral.

PATRÃO
É o dono da biqueira. Ele decide os salários, compra a droga, repassa o dinheiro para outros setores do crime organizado, dá ajuda para familiares de presos e “fortalece” os irmãos na cadeia. O lucro dele varia conforme o fluxo dos pontos de venda de drogas sob seu comando.

MICHEL*, 17, internado na Fundação Casa
“Na minha ficha constam sete passagens, mas eu me lembro de 12. Já corri de polícia, já levei tiro, apanhei. Tudo isso traficando. Antes de ser do movimento, queria uma bicicleta. Na biqueira, consegui a melhor de todas. Já comprei tênis de marca de playboy noia por R$ 5. Os caras sobem o morro  atrás de pedra, vendem até a mãe para conseguir. Eu era patrão, usava roupas de marca, pegava baladas, muita mulher. Mas no crime são três caminhos: cadeira de rodas, cadeia ou cemitério. Na minha cama, fico pensando: o boy continua viciado, mas livre. E eu que só vendia? Tô aqui. Preso.”
DIOGO*, 17 ANOS, interno da Fundação Casa
“Fumei o primeiro baseado aos 13 anos. Com 14 estava na biqueira. Comecei vendendo porque minha mãe tinha um conhecimento no crime. Em dois anos, eu era gerente-geral na Favela Buraco Quente, nas Águas Espraiadas. Comprei uma casa e deixei equipada. Tinha TV de plasma e cama box. Eu passei muita fome quando era moleque e o que eu mais gosto é de comer tudo o que tenho vontade. Quando não estou preso, como o dia inteiro. Perdi as contas de quantas pessoas roubei, mas só senti pena uma vez. Não fui para o crime por emoção, não. É necessidade. A gente entra nessa vida porque precisa.”



Crack já é a principal responsável pela perda da guarda de crianças no Rio.

O DIA ONLINE
POR PAMELA OLIVEIRA


Rio -  Eles nunca compraram uma pedra de crack, mas já sofrem sua ação devastadora: mulheres aprisionadas pela droga têm abandonado recém-nascidos na maternidade.
O vício dos que deveriam proteger os pequenos motiva a maioria dos pedidos de perda da guarda de crianças feitos pelo Ministério Público, no Rio. Entre bebês que são afastados de suas famílias, o índice de pais afundados nesse entorpecente chega a 90%.
“A situação é muito grave. Há usuárias de crack que tiveram bebês, mas que tinham outras filhas que já foram abusadas ou porque a mãe explorou-a sexualmente para comprar a droga ou fez vista grossa para a violência. Você vai permitir que esse bebê também corra esse risco? Claro que não”, afirma a promotora de Justiça da Infância e Juventude Ana Cristina Macedo.
Segundo ela, antes do crack, as ações de destituição do poder familiar eram motivadas por maus-tratos, violência física e sexual: “Agora, isso tudo vem acoplado ao crack. A pessoa passa a ser agressiva e negligente por causa da droga. Antigamente, era negligente porque era. Ou porque bebia ou usava cocaína. Não tenho mais nada disso. Agora é crack”.
A chegada de gestantes que muitas vezes vêem direto de cracolândias para dar à luz alterou a rotina das maternidades. As unidades estão em alerta para identificar usuárias de crack e comunicar ao Conselho Tutelar e ao Juizado.
“Não somos monstros querendo tirar o filho da mãe. Há o direito da mulher de ser mãe. Mas existem os direitos da criança. E se eles se mostram inconciliáveis, a gente não tem dúvida, entra com a ação”, explica a promotora.
A Casa de Passagem Ana Carolina, em Bonsucesso, concentra esse drama. Nesse abrigo municipal destinado a crianças de 0 a 4 anos, 8 dos 12 bebês são filhos do crack.
“Sempre tivemos mais crianças de 2 a 4 anos e menos bebês. De um ano e meio para cá, inverteu. Eles chegam com dias de vida, direto do hospital, prematuros. A maioria vem sem nome e nós é que escolhemos”, conta Aline Peçanha Oliveira, diretora da Casa de Passagem.
Até quem está acostumado com o drama das ruas se emociona ao resgatar crianças. Como a educadora Ana Carolina da Silva Freitas, 25 anos, que segurou o choro ao tirar o filho de pai viciado de casa imunda durante ação de combate ao crack da Secretaria Municipal de Assistência Social, na Pavuna, quarta-feira.
“Quando saio de casa para essas operações, tento deixar meu coração na estante, mas tem hora que não dá”, desabafa. Lá, quatro irmãos entre 2 e 6 anos foram levados pelos agentes.
Vício leva à geração de doenças graves nos pequenos
O consumo do crack na gravidez e todas as conseqüências da droga, como a desnutrição das mães, deixa herança ingrata para bebês: problemas respiratórios, sífilis congênita e HIV (vírus da Aids).
“Nossa rotina hoje é quase hospitalar com esses bebês. Todos chegam com problemas respiratórios e indicação de nebulização várias vezes ao dia. Metade teve sífilis congênita porque a mãe, além de se prostituir para conseguir a pedra, não faz pré-natal. No abrigo, temos dois usando medicação profilática contra o HIV”, informa a diretora Aline.
O problema já preocupa o Departamento de DST e Aids do Ministério da Saúde, pois aumenta o risco de a criança nascer com o vírus.
“Uma mulher com HIV que faz pré-natal e tratamento profilático reduz o risco de transmissão do vírus para o bebê para 1%. Mas as dependentes do crack não fazem pré-natal e não tomam a medicação porque perdem o controle para a droga”, afirma Marcelo Araújo, assessor-técnico do Ministério.
Ele lembra que a sífilis é curável com penicilina e que a forma congênita da doença é grave: “Em bebês, a sífilis pode causar alterações ósseas, neurológicas, nos órgãos, surdez, cegueira e morte”.
Reintegração X desprezo
Tios, avós, pais e outros parentes têm a prioridade da guarda dos pequenos que são tirados de mães e pais usuários de crack.
“A gente procura um tio, um pai, uma avó e pergunta se não quer ficar com a criança”, explica a promotora Ana Cristina Macedo. Mas às vezes ninguém quer se responsabilizar. “A gente vê famílias cansadas do vício da filha. Esta semana uma avó nos disse que já cuida de três netos”.
As histórias das famílias afetadas pelo crack são parecidas: as 4 crianças apreendidas na Pavuna têm 5 irmãos. “A mais nova é uma menina de 20 e poucos dias de vida, que está com a avó materna”, relatou a educadora Ana Carolina.

quinta-feira, 19 de julho de 2012



O psiquiatra inventa doenças e tenta medicar os comportamentos destoantes?


Mais um tributo à ignorância e ao estigma. Mais um desserviço aos milhões de brasileiros que sofrem com algum transtorno mental.
Essa semana, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) lançou a campanha “Não à Medicalização da Vida”. O título, devo confessar, é atraente e consegue mobilizar o nosso repúdio a uma suposta prática higienista da Psiquiatria. Mas em uma leitura um pouco mais atenta, percebemos que o seu discurso é pouco consistente e revela desinformação ou mesmo má fé.

O CFP com frequência se coloca como defensor da população contra os desmandos e o autoritarismo da Psiquiatria – como se nós, psiquiatras, exercêssemos um poder discricionário e tivéssemos como objetivo “domesticar” a população, reduzir as pessoas a uma massa sem crítica, facilmente manipulável.
Dessa vez, o CFP mistifica o papel da Psiquiatria nos cuidados a crianças e adolescentes portadores de transtornos mentais. Sim! Trata-se de uma mistificação, pois os “argumentos” apresentados não encontram qualquer respaldo na literatura científica – não passam de achismos.
O CFP mirou sua artilharia no TDAH, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Disseram que nós, psiquiatras, confundimos peraltice e dificuldades escolares com transtorno mental e medicalizamos problemas da vida cotidiana. Nessa empreitada, seríamos cúmplices da indústria farmacêutica, que inventa doenças para vender remédios. Um pouquinho de paranoia e de teoria da conspiração cai bem no cinema, mas não no campo da saúde mental.
O TDAH é um distúrbio neurobiológico de causas genéticas, que aparece na infância e geralmente acompanha a pessoa pelo resto de sua vida. Seus principais sintomas são desatenção, inquietação e impulsividade. Todo mundo de vez em quando tem dificuldades de se concentrar, esquece alguma coisa, age de maneira impulsiva. Não é disso que estamos falando (mas é isso que o CFP quer que você ache). Para caracterizar o transtorno, esses sintomas têm que se apresentar com uma intensidade e frequência muito maior do que os pequenos lapsos da vida cotidiana. Além disso, precisam estar presentes em diferentes contextos (em casa, na escola, na vida social) e trazer prejuízos marcantes e sofrimento para o paciente. Caso contrário, não se trata de TDAH e não se tem por que iniciar qualquer tratamento. Uma coisa é sintoma isolado (e todos nós temos vários!). Outra coisa bem diferente é uma síndrome clínica muito bem caracterizada, cujos critérios diagnósticos foram submetidos a anos de pesquisa pelas mais diversas entidades em diferentes países.
O TDAH é um transtorno reconhecido pela Organização Mundial de Saúde e pelas mais diversas associações de médicos e psicólogos em todo o mundo. No Brasil, o TDAH é um distúrbio reconhecido pela Associação Médica Brasileira, Associação Brasileira de Psiquiatria, Academia Brasileira de Neurologia e pela Sociedade Brasileira de Pediatria. A primeira descrição desse quadro clínico foi em 1917.
- Mas o TDAH não foi inventado pela Psiquiatria e pela indústria farmacêutica para vender remédio?
- Bem, a principal medicação utilizada para tratar o TDAH foi sintetizada em 1944, portanto um bom tempo depois de descobrirmos a existência desse distúrbio.
Esse é um quadro, infelizmente, comum. Estima-se que acometa entre 3 e 5% das crianças nas mais diversas regiões do mundo. O que poderia explicar uma taxa tão semelhante entre culturas tão diferentes? Um dos principais argumentos dos críticos é que o TDAH se deve ao modelo escolar, a conflitos psicológicos e a pais ausentes e com dificuldades de impor limites. Como isso seria possível, já que a taxa é mais ou menos a mesma entre sociedades tão díspares?
Hoje sabemos que o indivíduo herda geneticamente a predisposição para o TDAH e que os portadores apresentam uma alteração no funcionamento do lobo frontal e suas conexões com o restante do cérebro. Essa região é responsável pela capacidade de autocontrole, atenção, planejamento e organização. Os fatores escolares e familiares são importantes no desencadeamento do transtorno e na piora da sintomatologia, mas não são a causa.
Quem nega a causação biológica dos transtornos psíquicos acha que mente é uma coisa e que cérebro é outra. Às vezes, parece até que esqueceram que todos nós temos um cérebro e que ele também pode adoecer. Quando o coração adoece, os sintomas são cardiovasculares. Quando o estômago adoece, os sintomas são gastrointestinais. Pois é, quando o cérebro adoece, os sintomas são neurológicos e mentais.
Quanto ao impacto do transtorno, é comum os portadores de TDAH terem prejuízos no desempenho escolar. Isso não quer dizer que todo aluno com dificuldades escolares tenha algum transtorno psiquiátrico. As dificuldades escolares podem ser por diversos motivos e geralmente não têm qualquer relação com a Psiquiatria – nesse caso, não há qualquer motivo para tratamento psiquiátrico. Mas os nossos críticos insistem em dizer o contrário com sua retórica sedutora, porém vazia.
E como é feito o tratamento do TDAH? De acordo com as evidências científicas, a primeira linha do tratamento é o uso de medicação para otimizar o funcionamento do lobo frontal e suas conexões. Associadas ao medicamento, são importantes estratégias a terapia cognitivo-comportamental e a orientação para pais e professores.
O crescimento recente no uso de medicamentos para tratar o TDAH não revela necessariamente um abuso ou exagero nas prescrições médicas. Esse aumento reflete um maior conhecimento sobre a doença e uma maior procura por tratamento. Claro que é possível que algumas dessas pessoas estejam medicadas de maneira inadequada. Infelizmente, essa é uma distorção do nosso sistema de saúde. Quantos usam antibióticos sem ter, de fato, uma infecção bacteriana? Quantos fazem uso inadequado de analgésicos, antiinflamatórios e toda sorte de medicamento? Ao invés de dizer que inventamos doenças e remédios, por que não tentar corrigir essas distorções?
E em relação ao temor de que os medicamentos psiquiátricos são perigosos, viciam, causam mais problemas que os próprios transtornos mentais… Quantos de vocês já tomaram dipirona? Pois é! Nos Estados Unidos, a dipirona é considerada tão perigosa que está proibida de ser comercializada desde 1977. A noção de perigo, portanto, é relativa. Os remédios psiquiátricos não são chazinho ou água-com-açúcar – por isso são controlados. Mas usados conforme a orientação do médico, os riscos são minimizados.
Agora, vem cá: Por que as pessoas que questionam tanto o TDAH não realizam pesquisas com uma metodologia consistente e submetem os seus dados ao crivo da ciência? Por que não publicam os resultados em revistas científicas ou não os apresentam em congressos? Por que não participam de debates e mesas redondas conosco, psiquiatras, onde haja pleno direito de exposição, inclusive do contraditório? Pois é! Tudo não passa de palavras ao vento.
Sinceramente, fico decepcionado e triste com essa colocação do Conselho Federal de Psicologia. Felizmente, a maioria dos colegas e amigos psicólogos têm uma postura bem diferente, com um embasamento clínico e científico de tirar o chapéu!


Site PILULASDEINSIGHT



quarta-feira, 18 de julho de 2012


‘América Latina é mercado em alta para organizações criminosas’.

O Globo -  - Vitor Sorano


Especialista alerta para atratividade que crescimento gera para delinquência transnacional

RIO — O crescimento econômico experimentado pelos países latino-americanos os torna mais atraente para os negócios - legais e ilegais. “A América Latina é um mercado em ascensão para as organizações criminosas”, diz ao GLOBO o representante regional para o México, a América Central e o Caribe do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês), Antonio Mazzitelli. E, lamenta, a implementação de estratégias para combater a criminalidade transnacional é lenta.

O GLOBO: Qual é a importância da América Latina no crime transnacional global?
ANTONIO MAZZITELLI: As economias latino-americanas estão entre as que têm mais pujança. E, quanto mais poder de compra está disponível, mais interesse há das organizações criminosas em desenvolver a demanda para os bens e serviços que elas comercializam. Então a América Latina é um mercado em ascensão para as organizações criminosas
O crescimento do consumo de cocaína no Cone Sul é o principal fenômeno no que concerne ao tráfico de drogas na América Latina hoje?
MAZZITELLI: Certamente, com a economia mais rica, maior é a propensão para consumir drogas e, nesse sentido, nesse último ano, o mercado latino-americano, numa certa medida, absorveu o excedente de cocaína que ia para a América do Norte. E, no que toca ao Cone Sul, o crack, o óxi (no Brasil) são certamente novos fenômenos.
O documento cita a necessidade de romper os mercados ilegais, em vez de apenas combater organizações criminosas. Na América Latina, atualmente, há debates e mesmo iniciativas de legalização do consumo e mesmo da venda de droga, como no caso do Uruguai com a maconha. O senhor acredita que é algo positivo para o combate à criminalidade organizada?
MAZZITELLI: As convenções internacionais já regulam a produção e o uso de drogas narcóticas e psicotrópicas. A campanha que estamos lançando hoje (segunda-feira) almeja indicar claramente que as organizações criminais produzem violência independentemente daquilo que elas comercializam, então eliminar um mercado de um produto em particular não vai eliminar as organizações criminosas.
Que iniciativas positivas o senhor vê em discussão ou em implementação na América Latina para combater o crime organizado transnacional?
MAZZITELLI: Na Cúpula de Cartagena (na Colômbia, em abril de 2012), os chefes de Estado decidiram fortalecer a cooperação no sentido da criação de um mecanismo hemisférico que facilite a instauração de processos, a investigação, a produção de inteligência relacionada à criminalidade transnacional organizada. Há uma série de outras na área de tráfico de pessoas, de divisão de responsabilidades para instauração de processos de crime transnacional e de facilitação de apreensões de produtos ilícitos. Infelizmente, às vezes, é algo lento para se materializar.
Além do tráfico de drogas, quais outros tipos de crime transnacional organizado têm relevância na América Latina?
MAZZITELLI: Há dois que devem ser mencionados: um é a pirataria. É um crime em que os consumidores pensam que não estão fazendo mal, mas estão dando poder a organizações criminosas e que têm o poder real de prejudicar investimentos produtivos e geradores de empregos . É um tipo de crime que em alguns casos, como quando envolve produtos farmacêuticos, comida, bebida e peças de reposição, pode ter impactos devastadores. O outro é muito menor em termos econômicos, mas tem um impacto dramático no nosso futuro. É o tráfico de recursos naturais, madeira ou vida animal.


Análise: Atrasar aplicação de medidas é brincar com a vida das pessoas.


O governo federal demorou para perceber que Estados como São Paulo e Rio haviam promulgado leis proibindo os chamados fumódromos, espaços para acomodar fumantes inventados por provável influência das fumageiras durante a passagem no Congresso da lei federal 9.294/96.

Esta lei sofreu emendas em 2000, proibindo a publicidade, a promoção e o patrocínio do tabaco, mas de novo por pressão da indústria do setor os pontos de venda ficaram de fora.

Estudo realizado em São Paulo mostrou que não só usuários mas também empregados de bares e de restaurantes se beneficiaram com ambientes completamente livres de fumo.
A poluição foi reduzida e os argumentos de que o setor perdia economicamente com o fim dos fumódromos foram devidamente aposentados.
Mostravam a inutilidade das ações de inconstitucionalidade que a indústria movia contra Estados que em efeito dominó reagiam ao imobilismo federal.
Em dezembro de 2011, o Congresso passou a lei 12.546, aumentando impostos, alinhando o país com Estados que já haviam estabelecido ambientes livres de fumo, além de proibir a propaganda nos pontos de venda, apesar de manter a exposição de produtos de tabaco.
Mas a lei precisa ser regulamentada para ser aplicada e fiscalizada. Há meio ano a proposta de regulamentação vegeta nos gabinetes e não permite medidas que protejam não-fumantes de morrerem por doenças tabaco-relacionadas sem nunca haverem fumado. Também não ajuda na defesa do marketing nos pontos de venda, que continua o mesmo.
O governo brinca com a vida dos outros, quem sabe mais uma vez por pressão da indústria fumageira. Coisa que países como Irlanda, Uruguai e Noruega já não brincam há muito tempo.

VERA LUIZA DA COSTA E SILVA é médica, doutora em saúde pública e pesquisadora visitante da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz.

terça-feira, 17 de julho de 2012




Transtornos e desordens.

JOÃO UBALDO RIBEIRO
De uns tempos para cá, é cada vez mais forte a tendência a não se ver o indivíduo como responsável pelos próprios atos. No terreno da ciência social esquerdoide, o sujeito é assaltante porque lhe faltaram oportunidades, não teve educação, vive numa sociedade consumista, foi vítima de bullying e mais quantos indicadores se concebam, em pesquisas cujos resultados são definidos pela própria formulação e, muitas vezes, não passam de manipulações pseudoestatísticas, destituídas de base sólida. Enxergam-se relações de causa e efeito inexistentes, que resistem até mesmo à óbvia verdade de que a ampla maioria dos que enfrentaram e enfrentam essas situações não é de delinquentes.

No terreno da psicanálise de boteco, o sujeito surra mulher e filhos porque foi também surrado, principalmente pela mãe. Ou - pois a psicanálise de boteco tem o condão de adaptar suas explicações e a causa que, num exemplo, surte determinado efeito em outro surte efeito contrário - porque não foi surrado e nem sequer advertido e, assim negligenciado pela mãe, nutre amor e ódio pela figura materna, na qual desconta seus recalques baixando a porrada na santa mãe de seus filhos, os quais também apanham porque dividem as atenções da dita figura materna. Ou qualquer outra especulação asnática, das muitas que volta e meia ainda ouvimos.
Agora, por meio da entusiástica colaboração de cientistas, psiquiatras e, principalmente, fabricantes de drogas psicoativas, vamos ingressar definitivamente na era em que qualquer comportamento ou qualquer emoção serão vistos como uma doença mental, no sentido mais lato do termo. Aliás, pouco se tem usado a expressão "doença mental". O chique agora, que repetimos como papagaios bem ensinados, é "transtorno", "desordem" ou "distúrbio". Sabemos que certamente a maioria dos psiquiatros e das psiquiatras, bem como a maioria dos cientistos e cientistas, embora talvez não a maioria dos fabricantes e fabricantas de drogas, não é constituída de enganadores venais e inescrupulosos, que tomam dinheiro dos fabricantes para promover a vendagem bilionária de remédios. Mas muitos e muitas são (está certo, vou parar com este negócio de flexionar os gêneros de tudo, sei que é chato; mas é só porque quero mostrar como certas coisas enfeiam e aleijam nossa já tão perseguida língua portuguesa) e a bandidagem deles combinada vai de vento em popa.
O número de transtornos e desordens aumenta exponencialmente e já se observou que, anunciado um novo mal, de que antes não havia relato, logo surgem novos "pacientes", gente que agora padece de síndromes também antes nunca descritas. E os males do espírito, digamos, muitas vezes não geram sintomas físicos, ou, se geram, são de difícil definição etiológica, de forma que o diagnóstico vira conceitual e subjetivo: eu acho que você está deprimido porque acho que seu quadro configura o que eu acho que é depressão.
Não há mais preguiça, há transtornos ou desordens de atenção, de motivação, de interação social, de tudo o que se possa imaginar. Não há mais agressividade, rudeza no trato, timidez, temperamento calado, nada disso, só há transtornos e desordens. Quando expira a patente de uma droga, seu fabricante se apressa a criar, novamente com a ardorosa colaboração de cientistas e psiquiatras contratados ou subvencionados generosamente, uma nova doença, a que a mesma droga se aplique, mudando apenas de nome. Emoções antes normais em qualquer ser humano podem facilmente revelar-se transtornos ou desordens, conforme o freguês e a moda psiquiátrica corrente. Não se fica mais triste, fica-se deprimido. Não se fica mais ansioso pela antecipação de alguma coisa, fica-se com distúrbios de ansiedade. E para tudo há uma pílula.
Claro, chegaremos, se já não chegamos e ainda não nos demos conta, ao ponto em que todo indivíduo, se confrontado com um hipotético "padrão normal", será portador de vários transtornos, distúrbios e desordens. Qualquer acontecimento que afete suas emoções, seu estado de ânimo ou mesmo seu bem-estar físico deverá ser objeto de controle medicamentoso. Posso até imaginar que talvez já exista, e no futuro poderá prosperar, a figura do PP, o Personal Psychiatrist, não para receitar ou atender no consultório seu cliente milionário, mas para acompanhá-lo ao longo de todo o dia, ministrando-lhe a droga apropriada para a manifestação de qualquer de seus inúmeros distúrbios.
A infância, com a falsa descoberta de um número alarmante de bebês portadores de transtorno bipolar, passou a ser uma doença. Assim como, com toda a certeza, a puberdade, a adolescência, a jovem maturidade, a meia-idade e a velhice. Tudo doença, é claro, bola nisso tudo, bola em toda a existência, você é que pensa que é sadio, é porque não procurou direito sua doença. E, aliás, sugere a prudência que escolhamos logo nossos transtornos, desordens e distúrbios, porque do contrário poderemos estar sujeitos a que escolham por nós. E ninguém escapará, porque o objetivo é englobar toda a Humanidade.
O problema não é a ciência decretar que, de uma forma ou de outra, somos todos malucos. Isso todo mundo às vezes pensa. O problema é quando decidem qual é a nossa maluquice e nos forçam a uma "normalidade" que não queremos e não temos por que aceitar. A chancela da ciência pode ser adulterada. E não é impossível que, em determinadas situações, divergências com o Estado, ou com grupos de poder, acarretem muito mais que censura às artes e à imprensa. Podemos ser forçados a agir "normalmente" e considerados insanos, se discordarmos da normalidade oficial. Na União Soviética, houve tempo em que quem divergia do Estado era carimbado como doido varrido e encafuado num hospício. Tenho medo de não me encaixar na portaria da Anvisa que defina a normalidade e ser obrigado a tomar um Abestalhol por dia.

sábado, 14 de julho de 2012


A maconha custa caro.

A sociedade brasileira maneja com dificuldade seus recursos destinados à saúde pública. Há contradições curiosas como o fato de a população crescer e crescer também o PIB, enquanto a atenção à saúde encolhe e é transferida à iniciativa privada.
Esta, por sua vez, faz esforços para evitar custos, oferecendo sempre menos do que o contratado. Álcool e tabaco, drogas lícitas para maiores de 18 anos, produzem morbidade que sobrecarrega o sistema frágil de atenção à saúde. As tentativas de controle social têm rendido resultados exemplares com relação ao tabaco. E isto se dá em todo no planeta, não só no Brasil.
Na mão certa, o Brasil tem sido exemplar no banimento da fumaça do tabaco de ambientes coletivos e fechados. O mesmo não tem conseguido diante do álcool.
O fenômeno econômico da Copa do Mundo tornou explícito o quanto o lado financeiro pode se sobrepor à vontade coletiva já sacramentada no banimento do álcool dos estádios de futebol. O patrocinador maior da FIFA destitui o desejo da Nação e impõe seu preço ao Poder Público para lhe garantir a parceria no evento. Triste. Novamente este não é um fenômeno exclusivo do nosso país. Outras nações se dobraram à vontade econômica e pouco ética do patrocinador. Mas o fenômeno não para por aí.
Voltando nossa atenção agora para medidas liberalizantes relativas ao porte e uso da maconha, no deparamos com o já sabido. A sociedade, sem habilidade para manejar medidas restritivas com as lícitas de maior uso, está em vias de ter de manejar mais uma droga a ser implantada como alternativa lícita.
A glamourização e banalização do impacto da maconha na saúde individual e coletiva têm sido objeto de fervorosa campanha midiática. Um mesclado de ingenuidade, desinformação e ganância vai expondo a sociedade à presença cada vez mais difundida da fumaça da maconha. Um dado fundamental e de domínio do senso comum é o de que a média dos cidadãos recua diante do ilícito ou interdito. Avança, por outro lado, diante da promessa de prazer benigno e isento de punição.
Álcool e tabaco nos ensinam que a teoria do sendo comum é cumprida pelos fatos conhecidos relativos a consumo. Jovens começam a beber em nosso país antes de 13 anos. Fumam tabaco na mesma época e, claro, muito mais do que hoje em dia, agregarão a seu hábito cada vez mais facilmente o uso da maconha.
Inábil em reprimir, o Poder Público libera e entrega ao sistema de Saúde a responsabilidade que as autoridades de Segurança não sabem abarcar. Lamentável, mas teremos cada vez mais e mais cedo indivíduos modelando seu existir pela ação duradoura e empobrecedora, senão incapacitante, da maconha, droga de ação longa e demorado depósito nas gorduras do corpo humano. Dali ela recircula, forjando a atitude de vida que cada vez mais vemos à nossa volta. São cidadãos rendendo para si e para a sociedade maior muito menos do que seu potencial anunciava. Vão sendo levados pela torrente suave da passividade letárgica, mas muito sedutora da maconha. Isto sem, é claro, abdicar do tabaco e do álcool.
Os números atuais de um dígito para uso frequente na grande comunidade, claro que crescerão para patamares semelhantes aos 24% para o tabaco. Todos pagaremos a conta, a exemplo do que fazem hoje os 48% de não usuários de álcool com relação aos problemas produzidos pelos 52% de usuários de bebidas alcoólicas de nosso Brasil. Apesar de tudo, viva a copa! Viva o Brasil!
Carlos Salgado - Conselheiro da ABEAD e Psiquiatra da Unidade de Dependência Química do Hospital Mãe de Deus de Porto Alegre

As Comunidades Terapêuticas

Após ter percorrido mais de 200 comunidades terapêuticas em todos os recantos deste Rio Grande, entre os meses de janeiro e maio de 2011, visitando-as e fazendo contatos pessoais com seus dirigentes, voluntários, técnicos, monitores e residentes, tomo a liberdade de tecer algumas considerações que talvez possam ajudar na “leitura” deste fenômeno recente, que tende a crescer, tendo em vista o avanço da praga das drogas em todos os cantos e recantos de qualquer Estado e Nação.
Uma primeira consideração que faço é distinguir as CTs pela impressão que se tem ao chegar na porteira de entrada: existem aquelas que causam uma boa impressão; existem aquelas que imediatamente desejamos que se arrumem um pouco para que estejam mais perto do que se espera de uma CT, e existem aquelas que seria melhor encerrarem logo suas atividades, pois se constituem num atentado à dignidade humana, pela qualidade das estruturas físicas que oferecem, pela inexistência de um programa terapêutico bem delineado e pela falta de pessoal qualificado.
Uma segunda consideração é distingui-las pela linha de espiritualidade que professam: cerca de 30% se identificam com a fé católica; em torno de 45% estão alinhadas com a espiritualidade das igrejas evangélicas pentecostais: outras 20% não professam credo algum e reduzem a espiritualidade a um conjunto mais ou menos desarmônico de práticas religiosas tipo “miscelânea”, sem identidade e sem coluna vertebral; e um percentual de 10% se declara ecumênica e admitem a presença de múltiplas igrejas. É surpreendente o fato de existirem tantas CTs nas quais a espiritualidade não ocupa o lugar que lhe é devido, quando já é de consenso que uma vivência da espiritualidade ajuda na recuperação de enfermidades, inclusive a síndrome da dependência do álcool e outras drogas.
Uma terceira consideração é separá-las pelo método empregado: uma grande parte (92 CTs) utiliza os 12 passos de Alcoólicos Anônimos (AA) e os 12 princípios de Amor Exigente (AE), estruturas facilitadoras da disciplina interior e exterior). Todas elas utilizam a laborterapia como recurso para melhorar a autoestima e a maioria faz uso da oração como ferramenta para a recuperação. Praticamente todas trabalham com 6, 9 ou 12 meses de residência. Entre as visitadas, encontrei apenas 4% que não estabelecem critério de tempo para a aplicação de algum tipo de programa. Estas deveriam ser melhormente chamadas de “casas de passagem” ou “casas de trânsito”, pela alta rotatividade dos que por ali passam.
Uma quarta consideração é separá-las pelos recursos econômicos que parecem ter, sobretudo quando se olha as instalações físicas: existem aquelas que vivem na mais absoluta pobreza, sempre “com o chapéu na mão”, numa contínua atitude de peditório para sobreviver, cujas instalações são de uma precariedade assustadora; existem aquelas que, malgrado as dificuldades, conseguem se instalar de forma adequada, inclusive ampliando e melhorando lentamente seus prédios e mobiliário, fazendo-se conhecidas na mídia local e no tecido da sociedade circundante; e existem aquelas que ostentam riqueza, dando mais a impressão de serem um “SPA” do que propriamente uma CT. (creio que o Amigo concorda que, rica o pobre, a CT pode se sair bem ou mal. Eu não poria como
Uma quinta consideração é olhá-las pelos recursos humanos que dispõem, seja de dirigentes, voluntariado, equipe técnica e terapêutica (monitoria): a grande maioria delas dispõe de uma diretoria, quadro técnico externo, uma equipe de monitoria interna e, de modo geral, um grupo de voluntários que se agregam à obra; uma parcela bem menor de CTs reduz este contingente a um pequeno grupo de pessoas, seja por opção, seja por não conseguirem agregar mais gente ao projeto; existem ainda aquelas que sobrevivem com um reduzidíssimo número de pessoas, talvez por razões de economia, algumas delas mantendo a CT na condição de entidade privada com fins lucrativos.
Com estes poucos elementos, que mais parecem ser uma “moldura” das CTs, se poderia agora entrar numa “leitura de fundo”, procurando identificar as virtudes e as fraquezas que foram aparecendo nesta caminhada de quase 30 anos de CTs no RS. É bem verdade que algumas CTs já contam com estes anos todos de história (mais de 20 anos); outras estão pela metade disso (em torno de 15 anos) e a maioria são bem recentes, não tendo mais que 3 a 5 anos de caminhada. Senão vejamos:
AS VIRTUDES DAS CTs
1. A primeira e maior virtude das comunidades terapêuticas é a própria existência delas, como reação à chaga avassaladora da drogadição. As CTs vieram como uma resposta eficaz e eficiente no processo de intervenção e recuperação desta massa cada vez maior de usuários abusivos de substâncias psicoativas (SPAs). As CTs existem como que por teimosia, à margem da sociedade organizada que parece não ver o drama e a gravidade do mercado da droga e do seu uso indevido. Quando os usuários eram discriminados, rechaçados e perseguidos como “caso de polícia”, vieram as CTs para acolhê-los no ventre da terra e fazê-los nascer outra vez para a vida, pois estavam morrendo ou sendo mortos. As CTs são uma espécie de “bênção” diante da “maldição” das drogas e do descuido para com os mais fracos.
2. A segunda virtude das CTs é o seu caráter benfazejo, isto é, as CTs nasceram e se criaram como fruto do coração humano. Na linguagem verbal e afetiva de muitas delas, pode-se notar claramente as motivações de tipo humanista que fazem as pessoas se doarem, a investirem seu tempo e, não raras vezes, seus recursos financeiros próprios. As CTs, regularmente, nascem e crescem movidas quase que somente pelo combustível da caridade e da dor, diante do sofrimento humano causado pela dependência do álcool e outras drogas. A terra das CTs se torna então como se fosse um útero materno, onde se gera e se regenera a vida dos caídos... Mesmo nas imperfeições do itinerário de algumas delas, não se deixa de sentir esse afeto regenerador, como pais que cuidam de seus filhos quando estes já não são mais capazes de se cuidarem a si mesmos.
3. A terceira virtude que encontramos nas CTs é a sua sensibilidade com o mundo das convicções pessoais, a sua profunda capacidade de olhar para além do limite humano e de acreditar na restauração do gênero humano. Nisto consiste a originalidade das CTs, distinguindo-as de outros processos e métodos de recuperação em dependência química. Olhando para os farrapos humanos que chegam nas CTs e para os seres humanos nos quais se transformam quando se passaram apenas algumas semanas, voltamos a acreditar no ser humano, em suas potencialidades e na sua transcendência. Isso não é uma questão doutrinal mas vivencial e nela reside o diferencial entre uma comunidade terapêutica de resultados robustos e as CTs de resultados efêmeros e frágeis. Não basta somente cuidar da limpeza física, emocional, mental e comportamental. É necessário refazer as metas da vida para além da morte, da vida para além da vida, no caminho de si mesmo para o outro, deixando de olhar para o vale da morte e passar a olhar para o horizonte da vida.
4. A quarta virtude da CT é o reconhecimento da individualidade de cada ser humano. Dentro de um mundo cada vez mais globalizado, massificado e despersonalizado, a CT afirma a primazia do indivíduo, a sua centralidade e o caráter absoluto da sacralidade da vida a ser restaurada. Por isso, em cada uma das CTs, o residente é chamado pelo nome, tem seu prontuário, é reconhecido em suas capacidades humanas e se busca a correção de seus defeitos de caráter. Por isso, a convivência fraterna entre iguais, a busca comum das metas, a distribuição rotativa das tarefas do dia-a-dia, fazem parte daquele resgate fundamental da dignidade da pessoa humana, sem o qual não existe a menor chance de recuperação das múltiplas dependências das quais podemos nos tornar vítimas. Por isso, aquilo que fazíamos por intuição nos primórdios das CTs, hoje fazemos com a ajuda dos recursos técnicos e multidisciplinares.
5. A quinta virtude da CT é a abordagem da drogadição não apenas como uma doença bio-neuro-mental, mas também como uma doença comportamental e espiritual. O problema não são as drogas, mas a droga das atitudes e a droga de vida. Por isso é enfatizada a conscientização e a necessidade de mudança de atitudes, o estabelecimento de metas que ultrapassem a noção de uma vida sem perspectiva, sem doação, sem busca. Na quase totalidade das CTs visitadas, é muito claro que a recuperação em dependência química e alcoólica, depende basicamente da mudança de atitudes e isso se faz através do processo de conscientização. É no discernimento que vamos adquirindo habilidades novas na seleção de nossas opções e na mudança estrutural da vida. Fundamentar a vida sobre o alicerce de novos valores é o único meio de reconstruí-la. Buscar dentro de si as razões e as forças necessárias para a mudança, a isso se dá o nome de despertar espiritual e, sem ele, não há recuperação. Até pode haver abstinência temporária e prolongada, mas não há mudança de rumo da vida e da existência. Aqui reside o risco da recaída.
6. A sexta virtude está no envolvimento dos familiares do residente. Não existe recuperação em dependência química e alcoólica sem um segundo tripé: a) uma boa internação, b) a mudança dos hábitos do residente e da família; c) a continuidade do programa ao longo da vida. Uma vez um jornalista disse: “tentar recuperar alguém sem mexer na família, é o mesmo que lavar o leitão e devolver para o mesmo chiqueiro”. Uma boa parte das CTs exige o comprovante de participação dos familiares em grupos de apoio (AA, AE, NA, ALANON, NARANON, Pastoral da Sobriedade...). Algumas delas intensificam ainda mais o envolvimento dos familiares no processo de recuperação, pois entendem que a co-dependência também é uma forma de doença. Outras CTs são exigentes quanto às regras para o dia da visita. Uma coisa, entretanto, é certa: quanto mais flexível e permissivo se for com a família, tanto menores serão as chances de recuperação. O resgate das relações afetivas e o restabelecimento de uma vida com limites são fatores decisivos nesta caminhada.
7. A sétima virtude das CTs é a alegria e a jovialidade que se verifica nos rostos daqueles que estão buscando. Cantar louvores, estar de bem com a vida, ser receptivo e cordial, tomar a iniciativa de gestos de bondade, descobrir-se útil e serviçal para com aqueles que precisam de ajuda... Estas são apenas algumas das belezas que se verificam dentro das CTs quando se vive algumas horas em seu território. Para homens e mulheres que passaram pelo vale escuro da morte e que trazem em seus corpos e mentes as chagas, as feridas, as seqüelas e a dor, nada mais extraordinário que vê-los cantar, abraçarem-se, pedir desculpa, agradecer um favor recebido, pedir licença para entrar ou sair. Para quem se acostumou com “maus modos”, os “bons modos” tornam-se sinais de uma vida nova que está brotando de dentro para fora, que não é mais como mero rito externo para garantir pequenos privilégios (merecimento). Todas as dependências nos envelhecem precocemente... Viver uma vida nova nos rejuvenesce mesmo que tardiamente... Por isso é bom sempre olhar nos olhos dos terapeutas... Se ali houver esperança e alegria de viver, é um bom sinal. Por isso é bom olhar nos olhos dos dirigentes... Se ali houver serenidade e paz interior diante das lutas de cada dia, também é um bom sinal.
ALGUNS DADOS GERAIS
- No Rio Grande do Sul existem 209 Comunidades Terapêuticas com 6.852 leitos, dos quais 570 femininos e 360 para jovens adolescentes entre 12 e 18 anos.
- A Secretaria Estadual da Saúde do RS, através da Saúde Mental, reconhece e qualifica 41 destas CTs, mantendo convênios com elas num total de 687 leitos. Os restantes 6 mil leitos são bancados, heroicamente, pela iniciativa privada e por alguns setores das igrejas cristãs.
- O Ministério Público, as Promotorias, a Receita Federal e a própria Polícia Federal, através de aportes de sustentação material, de visitas periódicas e de parcerias institucionais, reconhecem plenamente a existência, a necessidade e a validade terapêutica das CTs.
- As Comunidades Terapêuticas são reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde como um modelo residencial e diferenciado no trato do uso abusivo de SPAs.
- No RS, existem ao menos 70 CTs com estrutura física adequada e dentro das exigências da RDC 029 (substituta da exigente RDC 101). São unidades com equipe técnica completa na área da saúde.
- A Vigilância Sanitária (VISA), através das Secretarias Municipais de Saúde, mantém o controle e a supervisão destas casas e a quase totalidade delas possuem Alvará de Funcionamento, Alvará de Localização e Alvará da Saúde, em 96 municípios onde estão localizadas.
- No RS existem 1.173 monitores e monitoras formados pela Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), pela Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas - FEBRACT, pela Federação das Comunidades Terapêuticas Evangélicas do RS - FECTERS e pelo Centro Regional de Estudos, Prevenção e Recuperação de Dependentes Químicos – CENPRE, organismo da Universidade Federal do Rio Grande - FURG. Uma boa parte deles possui vários anos de experiência e dedicação integral.
- 67% das CTs no RS utilizam os serviços públicos de saúde (postos de saúde, serviço dentário, exames de laboratório, CAPs, etc.) para o ingresso e atendimento dos residentes, e 40% delas desenvolve o programa de recuperação baseado nos 12 passos de AA (de reconhecimento e reputação internacionais). Outras desenvolvem programas baseados em outros princípios e fundamentos científicos e técnicos.
- Segundo consta em nosso banco de dados, são mais de 2 mil os voluntários e voluntárias que desenvolvem algum tipo de serviço/suporte nas CTs e nas casas de triagem. Se considerarmos ao menos 5 integrantes das equipes técnicas em cada uma das 209 CTs e 37 casas de triagem (médicos clínicos, psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, etc.), chegaremos ao extraordinário número de 3 mil agentes para atender 6 mil residentes.
AS FRAGILIDADES DAS CTs
Uma das fraquezas é o que podemos chamar de prevalência da culpa. Não foram poucas as vezes que encontrei nas palavras de alguns residentes, monitores, dirigentes e familiares o sentimento de culpa pela situação vigente... São mães que não conseguem levar do coração para a mente a experiência da dor... são dirigentes que fazem uma leitura desfocada da realidade, procurando sempre encontrar na sociedade, sempre nos outros, as razões para este tipo de sofrimento... são monitores que incutem nos residentes a idéia de culpa e um apego doentio ao passado. Doenças emocionais mal resolvidas, quarto passo feito de forma errada, fissura ou desleixo pela reparação... Estes e outros sinais são sintomas de um certo complexo de culpa que tranca, amarra e emperra a caminhada. Tem gente que se atola na droga... outros se atolam na droga de vida... outros ainda ficam atolados nos pântanos que margeiam os rios por onde a vida navega. São árvores tabebuias, que nascem, crescem e morrem no pântano, sem nunca dar frutos. Livrar-se das amarras da culpa é necessário para poder voar no limite das águias.
Outra fraqueza é o envelhecimento do programa. Entre aqueles que se ocupam dos residentes, se encontra com freqüência as seguintes falas: se deu certo comigo tem que dar certo também com os outros... no meu tempo era assim... não dá prá mudar porque está escrito que é pra ser assim... a recaída não é problema nosso e nós vamos em frente... A grosso modo se pode dizer assim: a) nos primeiros 10 anos do surgimento das CTs (década de 80), o vigor era extraordinário. Os frutos do trabalho eram visíveis e havia um grande entusiasmo; b) nos 10 anos seguintes (década de 90), se cristalizou a proposta e muitas CTs foram abertas, “copiando” o que estava dando certo e o número delas cresceu; c) nesta primeira década do novo milênio, os processos cada vez mais sofisticados de produção das drogas e seus efeitos devastadores, o número significativo daqueles que não conseguem “segurar as pontas” e voltam, e repetem o programa, e se tornam “fazendeiros de carteirinha”, parece nos mostrar a necessidade de questionar alguns pontos centrais dos programas de recuperação em DQ, como por exemplo: 1) a duração do período de residência; b) as poucas alternativas de ressocialização; c) os métodos para a correção dos defeitos de caráter e mudança de atitudes; d) a diversidade no modo de entender o que seja espiritualidade; e) o uso dos recursos técnicos nas áreas da saúde e assistência social... Os novos tempos estão pedindo serenidade, coragem e discernimento. É preciso adequar-se aos novos tempos e exigências.
É necessário passar os olhos no quadro de pessoal. Vejo aqui duas situações a serem consideradas: por primeiro, a mudança de óptica de uma boa parcela dos que exercem a monitoria (supervisão, estagiários, etc.). Este serviço central nas CTs nasceu como retribuição pela vida recuperada como um dom. A primeira e mais radical motivação dos membros da equipe terapêutica é o serviço gratuito como forma de reparação por tudo o que significou a vida passada e, mais ainda, pelo que significa a vida presente. Não existe monitoria saudável sem esta coluna vertebral na qual se ligam todas as outras motivações. Entretanto, um certo espírito de profissionalização vai entrando lentamente no setor, a ponto de já existirem aqueles que falam em sindicalização e reconhecimento da “profissão” de monitor. Se não somos capazes de gerar bons monitores, deveríamos nos perguntar primeiro pela qualidade do programa antes de perguntar pela qualidade das pessoas... Em segundo lugar, existe a tensão entre voluntariado e equipe técnica (psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e outros agentes de saúde). As exigências sempre maiores feitas pelos gestores públicos no sentido de equipar as CTs com estes profissionais, tem produzido esse tipo de situação: aqueles que historicamente sempre acreditaram na mística como ferramenta fundamental para a recuperação e aqueles que acreditam primeiramente nos recursos da técnica e da inter-disciplinariedade. É preciso superar o preconceito da exclusividade e caminhar na direção da complementaridade.
A imensa maioria das CT não se utiliza das casas de triagem. Apenas 15% delas tem este tipo de suporte. Normalmente utilizam o atendimento dos CAPs para o ingresso dos residentes e a realização dos primeiros passos da desintoxicação. Com o advento dos convênios e as exigências de desintoxicação feitas pelo setor da saúde mental do poder público, a procura pelos CAPs tem aumentado. Muitas CTs não exigem exames clínicos e laboratoriais, como condição para a admissão ao programa e isso não é bom nem recomendável. Esta é uma das fragilidades das CTs, pois um período de adaptação é necessário e contribui em grande escala para o enraizamento no programa e, conseqüentemente, diminui o índice de desistência na CT e facilita um diagnóstico mais preciso. A realidade das drogas cada vez mais sintéticas parece estar a exigir estas casas e este processo inicial (“o dependente do crack já não sofre. Ele deixa de ser humano. Age instintivamente como um animal atrás da sobrevivência: a pedra que o aliviará por alguns minutos” – Dr. Eduardo Krause Bittencourt) Além disso, a casa de triagem serve como âncora da CT na cidade. Penso ser oportuno, prudente e necessário que, residentes e monitores (supervisores, estagiários...), ao retornarem da visita ou da folga, passem primeiro pela casa de triagem como se passassem pelo detector de “metais pesados”.
Outra grave fraqueza das CTs é a incapacidade em progredir na prevenção e na ressocialização. Somos peritos no diagnóstico de todas as formas de dependência; somos capazes de transformar fragmentos humanos em pessoas humanamente robustas após um tempo de residência; somos iluminados em restituir a alegria de viver para aqueles que viviam na “sobra da morte”. Somos capazes de transformar mãos sujas em mãos limpas. Entretanto, de todo esse aprendizado, não surgiu ainda uma luz para nos guiar efetivamente nos caminhos da prevenção e nem mesmo para a criação de mecanismos de geração de emprego e renda para aqueles e aquelas que passaram pelas CTs. Se encontramos 5 mil homens e mulheres, jovens e adultos, que hoje estão buscando a recuperação nas 200 CTs gaúchas, certamente são mais de 50 mil os que precisam de ajuda imediata e, se considerarmos o alcoolismo, são mais de um milhão os gaúchos que estão se batendo pelos caminhos tortos da doença e da morte prematura. Buscá-los é nossa tarefa, acolhê-los é nossa missão, propor-lhes a mudança de vida é nossa meta... depois disso farão cada um a sua parte, a criatura e o Criador, a seu modo e há seu tempo...
A TÍTULO DE CONCLUSÃO
- A Resolução 029 da ANVISA, em seu artigo primeiro, § único, reconhece as CTs como instrumento terapêutico válido para o tratamento de adictos.
- A mesma resolução, em seu artigo segundo, § único, pede que este serviço (as CTs) se adeque às normas e se atualize no instrumental.
- Compete às CTs realizarem sua missão, acatando as normas e crescendo em credibilidade.
- Entre os três modelos de abordagem (ambulatorial - internação clínica - residencial na CT), certamente as comunidades terapêuticas vieram para ampliar as alternativas de tratamento.
Pe. Vitor Hugo Gerhard - licenciado em Filosofia e Pedagogia e mestre em teologia, ex secretário regional da CNBB, colabora há 16 anos nas áreas de prevenção e recuperação em dependência química. Formação em DQ pela FEBRACT, APOT, SENAD e Hospital Mãe de Deus.