O Código Penal e a psicofobia.
ANTÔNIO GERALDO DA SILVA Psiquiatra da
Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal e presidente da Associação
Brasileira de Psiquiatria (ABP)
O
presidente do Senado Federal, José Sarney, recebeu há poucos dias o anteprojeto
de revisão do Código Penal brasileiro. Trata-se de um avanço fundamental, tendo
em vista que o Código data de 1940. Em tempos de redes sociais e comunicação
instantânea, 72 anos são uma eternidade: há consenso de que as leis que regem
os passos da sociedade são anacrônicas. Questões relevantes— e polêmicas—da
contemporaneidade serão analisadas, como a criminalização do bullying e as
regras de autorização de abortos. Novos ventos prometem colocar a Justiça
brasileira em sintonia com o compasso acelerado da vida dos cidadãos.
Agora
cabe ao Senado analisar o documento com atenção e aproveitar a chance única de
atender também outras parcelas da população que, muitas vezes, não têm voz na
sociedade civil, mas carecem da proteção da lei. É o caso dos brasileiros que
sofrem algum tipo de transtorno mental, como esquizofrenia, bipolaridade,
dislexia, autismo, ansiedade, transtornos alimentares e síndrome de Down. São
mais brasileiros do que imaginamos: silenciosamente, cerca de 20% da população
padece desses transtornos. Se focarmos em depressão, especificamente, pode
chegar a 25%, percentuais muito significativos para serem ignorados.
Paradoxalmente,
ao mesmo tempo em que a depressão e os demais transtornos mentais crescem
exponencialmente entre os brasileiros, é proporcional a escalada do preconceito
em torno deles. É hora de combater essa discriminação. A expressão psicofobia,
que começa a circular entre psiquiatras, psicólogos e leigos na internet,
expressa justamente o nefasto preconceito contra os doentes mentais e
portadores de deficiência.
Não
há razão para as doenças mentais não serem encaradas com a seriedade que pedem
e os portadores exigem. Há várias formas de preconceito; entre elas, a própria
negação da doença como algo menor ou passageiro. Neste momento, cabe ao Senado
fazer justiça e incluir a psicofobia como crime no anteprojeto de revisão do
Código Penal.
Aos
poucos, o bom-senso da causa vai ganhando adesão. As mais representativas
esferas médicas, como o Conselho Federal de Medicina, a Federação Nacional dos
Médicos e a Associação Médica Brasileira declararam apoio. O senador Paulo
Davim (PV-RN) já solicitou que diversas instituições médicas e de pacientes
compareçam à Comissão de Direitos Humanos, a fim de que sejam ouvidas no pleito
da inclusão da psicofobia no novo Código Penal que se desenha. É um alentador
começo.Mas podemos mais.
Em
um segundo momento, será fundamental o engajamento dos estados e municípios da
Federação, das escolas e universidades, dos professores e educadores. A
informação é a melhor arma contra o preconceito. A conscientização é o
elemento-chave para que as próximas gerações cresçam sem o nocivo lastro do
prejulgamento. Uma enorme campanha de conscientização toma conta dos Estados
Unidos neste momento, comparando a depressão com o câncer, pelos danos que
ambos causam no cotidiano de quem os sofrem.
A
ministra Cármen Lúcia, ao ser empossada presidente do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), fez a pungente declaração: “Justiça artesanal numa sociedade
de massas é um desafio que se impõe sem solução mágica, mas mudar esse quadro é
o desafio que se impõe e para o qual nós nos propomos. O desafio de não apenas
reformar, mas transformar a Justiça a fim de que ela corresponda aos anseios do
cidadão”. A colocação da ministra é perfeita. É isso que os portadores de
transtornos mentais e deficiência esperam: que a Justiça corresponda aos seus
anseios.
A
adesão da generosa sociedade brasileira, sem dúvida, virá na sequência. Um povo
que soube reagir com tanta dignidade e sabedoria a causas nobres como a dos
homossexuais e a dos negros saberá dar novo exemplo de civismo e justiça.
Em
pleno século 21, ideias preconceituosas devem ser combatidas com ainda mais
veemência. É chegada a hora de o Poder Legislativo olhar com maturidade e
respeito para os portadores de transtornos mentais. Psicofobia é crime.
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