sábado, 28 de julho de 2012


O Código Penal e a psicofobia.
 ANTÔNIO GERALDO DA SILVA Psiquiatra da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal e presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)
O presidente do Senado Federal, José Sarney, recebeu há poucos dias o anteprojeto de revisão do Código Penal brasileiro. Trata-se de um avanço fundamental, tendo em vista que o Código data de 1940. Em tempos de redes sociais e comunicação instantânea, 72 anos são uma eternidade: há consenso de que as leis que regem os passos da sociedade são anacrônicas. Questões relevantes— e polêmicas—da contemporaneidade serão analisadas, como a criminalização do bullying e as regras de autorização de abortos. Novos ventos prometem colocar a Justiça brasileira em sintonia com o compasso acelerado da vida dos cidadãos.
Agora cabe ao Senado analisar o documento com atenção e aproveitar a chance única de atender também outras parcelas da população que, muitas vezes, não têm voz na sociedade civil, mas carecem da proteção da lei. É o caso dos brasileiros que sofrem algum tipo de transtorno mental, como esquizofrenia, bipolaridade, dislexia, autismo, ansiedade, transtornos alimentares e síndrome de Down. São mais brasileiros do que imaginamos: silenciosamente, cerca de 20% da população padece desses transtornos. Se focarmos em depressão, especificamente, pode chegar a 25%, percentuais muito significativos para serem ignorados.
Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que a depressão e os demais transtornos mentais crescem exponencialmente entre os brasileiros, é proporcional a escalada do preconceito em torno deles. É hora de combater essa discriminação. A expressão psicofobia, que começa a circular entre psiquiatras, psicólogos e leigos na internet, expressa justamente o nefasto preconceito contra os doentes mentais e portadores de deficiência.
Não há razão para as doenças mentais não serem encaradas com a seriedade que pedem e os portadores exigem. Há várias formas de preconceito; entre elas, a própria negação da doença como algo menor ou passageiro. Neste momento, cabe ao Senado fazer justiça e incluir a psicofobia como crime no anteprojeto de revisão do Código Penal.
Aos poucos, o bom-senso da causa vai ganhando adesão. As mais representativas esferas médicas, como o Conselho Federal de Medicina, a Federação Nacional dos Médicos e a Associação Médica Brasileira declararam apoio. O senador Paulo Davim (PV-RN) já solicitou que diversas instituições médicas e de pacientes compareçam à Comissão de Direitos Humanos, a fim de que sejam ouvidas no pleito da inclusão da psicofobia no novo Código Penal que se desenha. É um alentador começo.Mas podemos mais.
Em um segundo momento, será fundamental o engajamento dos estados e municípios da Federação, das escolas e universidades, dos professores e educadores. A informação é a melhor arma contra o preconceito. A conscientização é o elemento-chave para que as próximas gerações cresçam sem o nocivo lastro do prejulgamento. Uma enorme campanha de conscientização toma conta dos Estados Unidos neste momento, comparando a depressão com o câncer, pelos danos que ambos causam no cotidiano de quem os sofrem.
A ministra Cármen Lúcia, ao ser empossada presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), fez a pungente declaração: “Justiça artesanal numa sociedade de massas é um desafio que se impõe sem solução mágica, mas mudar esse quadro é o desafio que se impõe e para o qual nós nos propomos. O desafio de não apenas reformar, mas transformar a Justiça a fim de que ela corresponda aos anseios do cidadão”. A colocação da ministra é perfeita. É isso que os portadores de transtornos mentais e deficiência esperam: que a Justiça corresponda aos seus anseios.
A adesão da generosa sociedade brasileira, sem dúvida, virá na sequência. Um povo que soube reagir com tanta dignidade e sabedoria a causas nobres como a dos homossexuais e a dos negros saberá dar novo exemplo de civismo e justiça.
Em pleno século 21, ideias preconceituosas devem ser combatidas com ainda mais veemência. É chegada a hora de o Poder Legislativo olhar com maturidade e respeito para os portadores de transtornos mentais. Psicofobia é crime.

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