terça-feira, 24 de julho de 2012



Crack já é a principal responsável pela perda da guarda de crianças no Rio.

O DIA ONLINE
POR PAMELA OLIVEIRA


Rio -  Eles nunca compraram uma pedra de crack, mas já sofrem sua ação devastadora: mulheres aprisionadas pela droga têm abandonado recém-nascidos na maternidade.
O vício dos que deveriam proteger os pequenos motiva a maioria dos pedidos de perda da guarda de crianças feitos pelo Ministério Público, no Rio. Entre bebês que são afastados de suas famílias, o índice de pais afundados nesse entorpecente chega a 90%.
“A situação é muito grave. Há usuárias de crack que tiveram bebês, mas que tinham outras filhas que já foram abusadas ou porque a mãe explorou-a sexualmente para comprar a droga ou fez vista grossa para a violência. Você vai permitir que esse bebê também corra esse risco? Claro que não”, afirma a promotora de Justiça da Infância e Juventude Ana Cristina Macedo.
Segundo ela, antes do crack, as ações de destituição do poder familiar eram motivadas por maus-tratos, violência física e sexual: “Agora, isso tudo vem acoplado ao crack. A pessoa passa a ser agressiva e negligente por causa da droga. Antigamente, era negligente porque era. Ou porque bebia ou usava cocaína. Não tenho mais nada disso. Agora é crack”.
A chegada de gestantes que muitas vezes vêem direto de cracolândias para dar à luz alterou a rotina das maternidades. As unidades estão em alerta para identificar usuárias de crack e comunicar ao Conselho Tutelar e ao Juizado.
“Não somos monstros querendo tirar o filho da mãe. Há o direito da mulher de ser mãe. Mas existem os direitos da criança. E se eles se mostram inconciliáveis, a gente não tem dúvida, entra com a ação”, explica a promotora.
A Casa de Passagem Ana Carolina, em Bonsucesso, concentra esse drama. Nesse abrigo municipal destinado a crianças de 0 a 4 anos, 8 dos 12 bebês são filhos do crack.
“Sempre tivemos mais crianças de 2 a 4 anos e menos bebês. De um ano e meio para cá, inverteu. Eles chegam com dias de vida, direto do hospital, prematuros. A maioria vem sem nome e nós é que escolhemos”, conta Aline Peçanha Oliveira, diretora da Casa de Passagem.
Até quem está acostumado com o drama das ruas se emociona ao resgatar crianças. Como a educadora Ana Carolina da Silva Freitas, 25 anos, que segurou o choro ao tirar o filho de pai viciado de casa imunda durante ação de combate ao crack da Secretaria Municipal de Assistência Social, na Pavuna, quarta-feira.
“Quando saio de casa para essas operações, tento deixar meu coração na estante, mas tem hora que não dá”, desabafa. Lá, quatro irmãos entre 2 e 6 anos foram levados pelos agentes.
Vício leva à geração de doenças graves nos pequenos
O consumo do crack na gravidez e todas as conseqüências da droga, como a desnutrição das mães, deixa herança ingrata para bebês: problemas respiratórios, sífilis congênita e HIV (vírus da Aids).
“Nossa rotina hoje é quase hospitalar com esses bebês. Todos chegam com problemas respiratórios e indicação de nebulização várias vezes ao dia. Metade teve sífilis congênita porque a mãe, além de se prostituir para conseguir a pedra, não faz pré-natal. No abrigo, temos dois usando medicação profilática contra o HIV”, informa a diretora Aline.
O problema já preocupa o Departamento de DST e Aids do Ministério da Saúde, pois aumenta o risco de a criança nascer com o vírus.
“Uma mulher com HIV que faz pré-natal e tratamento profilático reduz o risco de transmissão do vírus para o bebê para 1%. Mas as dependentes do crack não fazem pré-natal e não tomam a medicação porque perdem o controle para a droga”, afirma Marcelo Araújo, assessor-técnico do Ministério.
Ele lembra que a sífilis é curável com penicilina e que a forma congênita da doença é grave: “Em bebês, a sífilis pode causar alterações ósseas, neurológicas, nos órgãos, surdez, cegueira e morte”.
Reintegração X desprezo
Tios, avós, pais e outros parentes têm a prioridade da guarda dos pequenos que são tirados de mães e pais usuários de crack.
“A gente procura um tio, um pai, uma avó e pergunta se não quer ficar com a criança”, explica a promotora Ana Cristina Macedo. Mas às vezes ninguém quer se responsabilizar. “A gente vê famílias cansadas do vício da filha. Esta semana uma avó nos disse que já cuida de três netos”.
As histórias das famílias afetadas pelo crack são parecidas: as 4 crianças apreendidas na Pavuna têm 5 irmãos. “A mais nova é uma menina de 20 e poucos dias de vida, que está com a avó materna”, relatou a educadora Ana Carolina.

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