sábado, 26 de março de 2016



O DRAMA DOS CODEPENDENTES.


          Mais de 10 milhões de familiares e amigos dos 2,6 milhões de dependentes químicos em cocaína e crack no país enfrentam o martírio da codependência.

          Por trás de um dependente químico, há pelo menos outras quatro pessoas que também precisam de tratamento, de acordo com a Federação de Amor-Exigente (FEAE), que reúne 920 grupos de apoio para familiares de usuários de drogas no Brasil e países vizinhos.
Chamadas de codependentes, essas pessoas que são afetadas indiretamente pela droga costumam viver em função do viciado, têm sentimento de culpa, baixa auto-estima e sentem-se úteis quando estão entregues aos problemas dele.

          A codependência não figura no Código Internacional de Doenças (CID), explica Carlos Salgado, psiquiatra e conselheiro da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead).

Mas os sintomas se encaixam nas psicopatologias, capítulo 10 do CID.

          “Os codependentes têm, por exemplo, ansiedade e depressão. Em caso extremo, a busca por prescrições para controlar o problema pode levar ao atoleiro de bendiazepínicos”, adverte o médico.
Em alguns casos, Salgado só trata o paciente se os codependentes também forem tratados. O médico adverte que a aura de sofrimento pode ir além da família e atingir amigos, colegas de trabalho e até o chefe do dependente. “É possível atender o paciente sozinho, mas se tiver a presença da família, o resultado é mais efetivo”, diz.

Brasil: Dez milhões de codependentes.

          Em todo o Brasil, 2,6 milhões de pessoas são usuárias de cocaína ou crack, segundo o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (Inpad), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em outras palavras, o país tem mais de 10 milhões de codependentes destas drogas.

A cada semana, 3.000 codependentes procuram a FEAE em busca de ajuda.

          “Os codependentes são, em sua maioria, mulheres”, constata Arlete Lugo, 66, coordenadora da FEAE em Porto Alegre. “Elas se perguntam: ‘Onde foi que eu errei?’. A culpa vira justificativa para não fazer nada.”
Arlete lembra que, nos grupos de apoio, o foco é a mudança de atitude e a maior cooperação entre os familiares.

“As participantes expõem suas angústias e medos nos encontros e falam coisas que não falariam na frente das sogras ou filhos”, diz Claudia Schossler Sá, 48, que fundou há um ano, em Porto Alegre, o Grupo de Esposas de Toxicômanos e Alcoolistas em Recuperação (Gestar).
O Gestar também prepara as mulheres para as visitas mensais às comunidades terapêuticas.
Membro do Gestar, a estudante Andiara Almeida Telles, 20, visitou recentemente o namorado na na comunidade terapêutica Fazenda Senhor Jesus, em Viamão, a 44 km da capital gaúcha. Ele sofrera uma recaída depois de três anos de abstinência.
No local, Andiara se deparou com a cerimônia de graduação de sete internos, que tinham acabado de cumprir nove meses de tratamento. A emoção entre os familiares transbordava.
“Naquele momento, comecei um novo ciclo de expectativa sobre a nova tentativa de recuperação do meu namorado”, diz Andiara, que luta para reduzir a ansiedade diante do problema do parceiro. “Sofria quando ele saía com amigos e não atendia o celular. Iso é doença.”

Como uma nova gestação.

Os nove meses que o filho de 24 anos vai passar na Fazenda Senhor Jesus são encarados como uma gestação pela técnica de enfermagem Patrícia Leite do Amaral, 40.
“Eu estou engravidando de novo e disse a ele: ‘Estou do teu lado e não espero ter um aborto’”, lembra Patrícia.
Por causa da luta do filho contra o crack, Patrícia parou de trabalhar e assumiu os cuidados com a neta Isabella, de 10 meses, filha de Guilherme.
Uma semana depois que o jovem iniciou o tratamento na fazenda, o celular de Patrícia tocou de madrugada. Ela pensou que fosse a polícia ou o Instituto Médico Legal.

“O coração não relaxa. Era apenas minha mãe”, conta.

Patrícia decidiu se tratar com um psiquiatra e frequentar um grupo de apoio enquanto a neta está na creche.
“Assumi o posto de mãe da minha neta e de dependente. A Patrícia mulher e profissional ficou de lado”, lamenta. “Mas não quero que meu filho se sinta culpado. Ele tem de lutar contra a doença que é o vício.”

‘A gente fica impotente’

O casal Patrícia Uchoa e Alexandre Carlos, ambos de 53 anos, perdeu a conta das internações do filho Rafael, 30.
“O uso de drogas é mais complicado para a família do que para o dependente”, diz Carlos.
Além dos pais, quatro irmãos, os avós paternos e maternos e a filha de 8 anos estão na “órbita” de Rafael.
“É como se um buraco se abrisse na sua frente. A gente fica impotente diante do vício”, desabafa a mãe.
Os pais perceberam a gravidade do problema quando o filho, viciado há mais de 15 anos, passou a “sumir” com objetos de casa para comprar crack. Mas Carlos ignorava a realidade e continuava a dar dinheiro ao filho.
“Em vez de uma atitude colaborativa, o pai adota uma ação que desorganiza as defesas do filho”, aponta o psiquiatra Carlos Salgado. “Isso acontece porque é difícil lidar com o problema. O resultado é essa ambivalência: ao mesmo tempo em que sabe do problema do filho, o pai facilita o acesso ao dinheiro que será usado para comprar drogas.”
A família, que já cancelou férias pagas para ir atrás de Rafael, assegura que hoje não deixa compromissos de lado quando ele sofre recaídas.
Patrícia conta que “deixou de viver a doença do filho”, mas fica alerta quando ele não atende o celular.

“Não existe ex-pai ou ex-mãe”, diz ela. “Nunca vamos deixar de ser codependentes.”

Fonte:ABEAD(Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas)



Dependência química: o descaso da necessidade de tratamento!

         O que será que realmente pensam os políticos desse país que nós elegemos imaginando que os mesmos farão com que a qualidade de vida de cada indivíduo brasileiro melhore?

          O que será que pensam as pessoas responsáveis pela saúde pública do povo brasileiro com relação aos dependentes químicos? O que será que pensam os diretores, professores e todos os responsáveis pela educação do povo brasileiro com relação à dependência química? O que se passa na cabeça do povo brasileiro que assiste ao vivo e em cores toda a podridão das “cracolândias” espalhadas por nosso país?

          A partir de questionamentos como este se chega à conclusão que as drogas estão vencendo a parada! Nossa sociedade sofre atônita. O poder público omisso e ineficiente se torna conivente com o avanço da degradação social imposta pelo crime de tráfico e distribuição dos mais variados tipos de entorpecentes, com destacado “mérito” para o crack.

          Estudos mais recentes apontam que a dependência química é multifatorial, ou seja, existem vários fatores relacionados. São fatores de natureza biológica, psicológica e social. Pesquisas comprovam que ninguém nasce dependente de uma droga, mas pode tornar-se um dependente experimentando-a ou usando-a em determinado contexto social e familiar. A pessoa desenvolve uma relação com ela que evolui para a dependência. A dependência é uma doença, mas tem tratamento.

          O fato mais importante na ressocialização/recuperação de um dependente de drogas é a garantia na seqüência do tratamento, com início, meio e fim, não apenas porque é o mais adequado ou menos oneroso aos cofres públicos, mas principalmente porque através das fases do programa é que o recuperando vai aprendendo o passo a passo para se autodisciplinar e atingir o autocontrole sobre suas emoções, sentimentos e pensamentos, disciplina que o conduzirá à libertação da dependência. E isso, salvo qualquer engano de minha parte, é o que ainda não parece bem definido por parte dos Governos ou talvez essa falta de definição ainda esteja acontecendo devido ao grande número de dependentes, à falta de espaço físico adequado, além de pessoal capacitado e em número suficiente para atender adequadamente à demanda. O avanço das drogas no Brasil é um fato que ainda está longe de encontrar uma solução que nos permita atingir um patamar aceitável, já que a erradicação é uma utopia. No ritmo e da maneira como o problema vem sendo tratado em especial pelo poder público, as drogas tendem a causar ainda muitos danos tanto para o indivíduo dependente, como para as famílias e toda a sociedade. Isso ocorre não apenas porque se trata de um assunto complexo, polêmico, mas devido à irresponsabilidade e omissão de décadas por parte dos Governos, em diferentes escalas de poder, que insistem em banalizar o caráter social, educacional, familiar, espiritual, de saúde pública e privada, e de segurança pública que está por trás do uso de drogas.

          Em Parnaíba o problema é extremamente delicado. Jovens cada vez mais cedo experimentam as drogas, ficam viciados e não se tem notícia de uma política pública que ofereça tratamento ao dependente químico, especialmente os de baixa renda. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) infelizmente ainda não têm um critério de atendimento que possibilite fácil acesso ao paciente de forma a assegurar que o recuperando receba tratamento adequado e contínuo, como deve ser. Uma prova de que os Governos não priorizam essa questão é que nos oito anos de Lula (2003-2010), foram perdoados US$ 436,7 milhões em dívidas de quatro países: Moçambique (US$ 315,1 milhões), Nigéria (US$ 84,7 milhões), Cabo Verde (US$ 1,2 milhão) e Suriname (US$ 35,7 milhões).
Em Moçambique, foram perdoados 95% da dívida, a maior proporção da década. Em dois anos e dez meses, Dilma reestruturou a dívida de cinco países - US$ 431,2 milhões -, dos quais US$ 280,3 milhões foram perdoados. Foram beneficiados Gabão, Senegal, Sudão, República do Congo e São Tomé e Príncipe - neste último, a dívida foi reescalonada e os prazos de pagamento alterados. O Governador Wilson Martins pagou um patrocínio de R$ 1 milhão para a gravação do filme sobre a vida de Frank Aguiar. O Prefeito Florentino Neto este ano já gastou cerca de R$ 4 milhões em eventos, feiras e coquetéis. Não que alguns destes eventos não tenha importância, mas o que é prioridade mesmo para esses governantes?! Quanto custa cuidar de nossos jovens?! Quanto custa tratar dos dependentes químicos?! Como enfrentar um problema de saúde reconhecido pela 

          Organização Mundial da Saúde, além de ser um problema social e educacional? Será que os nossos governantes vão continuar imersos na omissão? Precisaremos perder ainda quantas vidas para eles se tocarem?!

Fernando Gomes, sociólogo, cidadão, eleitor e contribuinte parnaibano.
Jornal da Paraíba
Fonte:UNIAD - Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas