quinta-feira, 31 de maio de 2012




Drogas: é hora do baseado na legalidade.

Luiz Flávio Gomes
Sempre que o assunto drogas reaparece, reitero a pergunta sobre o que a humanidade deveria fazer, em conjunto, nessa área: despenalizar,  evitar a pena de prisão, tal como fez a Europa com sua política de redução de danos; descriminalizar,  retirar o caráter de crime; ou legalizar, tal como se faz com o álcool, cigarro, etc.
Incluo-me na categoria dos que amam a liberdade, ou seja, em se tratando de adultos, desde que não ofendam terceiros, cada um deve fazer com seu corpo e sua vida o que acha que deve ser feito (que cada um tenha liberdade de decidir).
Não sou favorável aos traficantes, cada vez mais ricos em virtude do narcotráfico. Muito menos ao tráfico de drogas, que está acabando com países como o México, por causa da narcoviolência ou mesmo à lavagem de capitais que está deixando podres de ricos os bancos de todos os países, em razão dos narcodólares. Incluo-me na lista dos que advogam pela legalização das drogas, ressalvada a traficância ou venda para menores, por acreditar mais na liberdade que na falida política norteamericana de repressão penal.
Nunca jamais funcionou qualquer tipo de política repressiva naqueles crimes em que o criminoso conta com a ajuda e conivência da vítima (esse é o caso, por exemplo, das drogas e do jogo ilícito, onde as vítimas fazem filas inacabáveis para consumir o produto proibido).
Os níveis de corrupção são hecatômbicos, porque são campos que arrecadam muito dinheiro, o suficiente para o enriquecimento próprio, para o pagamento de enormes estruturas exigidas pelo próprio “negócio”, assim como para “comprar” diversas autoridades (da polícia, da Justiça, do fisco, das alfândegas etc.).
Se a política repressiva já é um fracasso enorme quando a vítima do crime ajuda na investigação, não há como esperar melhor resultado quando a vítima está aliada ao criminoso. A dificuldade de repressão não seria, no entanto, por si só, motivo para não fazer nada. A polícia brasileira tem muita dificuldade para investigar vários crimes, destacando-se, dentre eles, os assassinatos, e nem por isso vamos jamais falar em legalização das mortes. Mas nos casos de drogas e dos jogos é diferente, porque aqui o mal do crime entra no âmbito do que as pessoas deliberadamente querem fazer. Não faz sentido a polícia ou o Estado ou mesmo o direito penal querer proteger a pessoa adulta dela mesma, ou seja, dos seus próprios atos.
Todos nós, os adultos que gozamos de sanidade mental, temos o direito de conduzir nossas vidas com liberdade, desde que respeitemos os direitos alheios. Para o plano jurídico essa regra parece bastante válida. O limite da nossa liberdade é dado pelos direitos alheios, que não podem ser sacrificados em nome do nosso arbítrio.
Mas legalizar as drogas assim como os jogos, superando nossos medos e hipocrisias, respectivamente, não significa deixar ao léu os dependentes desses vícios. Parte do dinheiro arrecadado com a legalização deve ser destinada, necessariamente, para eles, assim como para amplos programas de prevenção e educação (que é o que mais funciona).
Em países mais civilizados os grupos organizados em torno das drogas e dos jogos quase nunca praticam violência, porque eles não querem mais visibilidade. Até mesmo a Mafia, na Itália, depois de assassinar os juízes Falcone e Borsellino, dentre tantas outras milhares de pessoas, passou a se preocupar com a estratégia do próprio silêncio. Do silêncio alheio (omertá) se passou para o silêncio próprio (fazendo uso menor da violência).
Em épocas ou em países menos civilizados, no entanto, para além do poder econômico astrônimo que conquistam, os traficantes são, ademais, muito violentos, gastando grande parte dos seus lucros em aquisição de armamentos (veja a situação do combalido México).
Dentre todos os malefícios gerados pela criminalização das drogas destaca-se, ademais, a explosão carcerária (prisões discriminatórias, excesso de gastos públicos etc.). Um quarto dos presos brasileiros foi condenado por tráfico de drogas. E o paradoxo é o seguinte: são mandados precisamente para os presídios onde o tráfico, por omissão do Estado, está se tornando cada vez mais “legalizado”.   
Pode ser que a política legalizadora, preventiva e protetiva aqui sustentada não seja algo nem sequer aproximativo do ideal, em termos de eficácia e de integração da sociedade. Mas poderia alguém hoje afirmar, em sã consciência, que a política repressiva o seja?




Drogas: a abertura legal da perigosa porta da dependência.


Na contramão da grande maioria dos países, a comissão de juristas brasileiros, encarregada de elaborar o anteprojeto do novo Código Penal acaba  de aprovar a descriminalização de drogas ilícitas para uso pessoal. A quantidade apreendida  tem que ser, no máximo, suficiente  ao consumo médio individual por cinco dias ( ainda dão prazo), conforme definido pela autoridade  administrativa de saúde. Ou seja, a legião de drogados sem rumo, vai ter que andar com a receita médica a tiracolo. Ou uma quantidade servirá para todos?

O inacreditável é que, além de poder consumir e plantar para consumo próprio a maconha, também a cocaína e o crack (a 'droga da morte'), entre outras substâncias entorpecentes, poderão ser consumidos, desde que ( pasmem) se fume ou cheire individualmente. Quanto maior o poder destrutivo da droga, menor a quantidade diária a ser consumida, diz a comissão. Custo a acreditar em tal proposta tolerante e perigosa.


As pessoas que semeiam, cultivam ou fazem a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que sirvam para  matéria-prima para a preparação de drogas também poderão responder por tráfico de drogas. Haverá (observem a permissividade) descriminalização, no entanto, quando o agente (da droga) “adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo drogas para consumo pessoal; semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de drogas para consumo pessoal”, segundo o texto  aprovado. Ou seja, todo o ritual para o uso de drogas está garantido e regulamentado. Já deve ter viciado se drogando e comemorando por conta, com toda certeza.


Para determinar se a droga realmente destinava-se a consumo pessoal, o juiz deverá saber agora a natureza e a quantidade da substância apreendida, a conduta do  infrator, o local e as condições em que ocorreu a apreensão, assim como as circunstâncias sociais e pessoais do consumidor de drogas. Ou seja, se for consumidor de classe média ou alta fica difícil estabelecer se estamos diante de um traficante. Se for pobre e favelado, nem tanto.


Os juristas ainda incluíram um novo artigo ao anteprojeto do Código Penal para criminalizar o uso ostensivo, mesmo que pessoal, de substância entorpecente  em locais públicos, nas imediações das escolas ou outros locais de concentração de crianças ou adolescentes ou na presença deles, como se houvesse fiscalização para tal. Tem que ser  dentro de casa, no carro (quem sabe misturar com álcool pra completar  o ‘barato’ da desgraça),  nos banheiros dos bares, boates e restaurantes, em locais ermos ( talvez nas praias curtindo o luar), desde que tudo seja bem  escondido. É o que se pode chamar de regulamentação oficial da desgraça.


De acordo com o texto, o uso compartilhado de droga vai ser penalizado. A  pena pode ser de seis meses a um ano de prisão e multa. Já aquele que induzir,instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido da droga poderá ter pena de seis  meses a dois anos de prisão. O interessante é que o poder público, com tal proposta, passa a ser o próprio indutor oficial do uso da droga. Ou seja, a nova Holanda é definitivamente aqui.  As cenas de drogados prostrados em praças públicas, por overdose, serão mais um cartão de visita do nosso querido Brasil. A proposta permissiva, com base no discurso da chamada 'corrente progressista, é descriminalizar e abrir legalmente a perigosa porta do proibido, protegendo o usuário e o dependente de droga, como se a violência do tráfico fosse diminuir e como se traficantes fossem depor seus arsenais de guerra.


Já que o cigarro e o álcool não são proibidos e causam desgraça, vamos fazer a  desgraça completa tornando  lícitas as drogas ilícitas. É isso? Trata-se de proposta de redução de danos ou medida assecuratória oficial, de manutenção do vício? A finalidade não deve ser tentar tirar o usuário ou dependente do vício? E a conta astronômica das overdoses? Quem pagará? Os ‘caretas’conservadores e não usuários, que não buscam estados alterados de consciência? Será que os impostos a serem arrecadados nas 'farmácias oficias das drogas", será suficiente para o acolhimento e recuperação de mais e mais jovens que ingressarão no perigoso mundo da droga? Vai poder cheirar e fumar antes de ir para o colégio ou para a universidade? Terá que ser maior de idade para consumir oficialmente?  Onde os traficantes deporão voluntariamente seus arsenais? Em igrejas, em sedes de ONGs progressistas? Estarão regenerados após a descriminalização de drogas? Quem vai fiscalizar se o baseado ou o crack serão fumados individualmente? O plantio da maconha nas residências farão parte de um perfeito conluio familiar?

Nesse contexto de incertezas, vale lembrar do depoimento de uma mãe sobre um filho drogado, num comentário na Internet, sobre um recente texto de minha autoria sobre o tema Apologia às Drogas.Disse a sofrida mãe:
“Há uma semana fui obrigada a chamar a Policia Militar para internar meu filho de 20 anos devido aos problemas que estava causando, principalmente de agressões físicas ao irmão e a uma pessoa amiga que frequenta a  nossa casa. Não conseguimos interná-lo porque em duas ocasiões, no Hospital Bezerra de Menezes, (São Bernardo do Campo) ele conseguiu fugir da recepção. A minha experiência serve de exemplo de que a Policia Militar receba  treinamento para ajudar em casos parecidos e se necessário foracionar o SAMU para remoção até o Hospital. Lamentavelmente temos um Brasil maravilhoso, mas os governantes estão preocupados com assuntos que pouco interessam a população, neste caso as drogas. Como acabar com elas?" Completou a mãe aflita.

Estamos diante, portanto, de uma  emenda seguramente pior que o soneto onde a consequência inevitável será o aumento do consumo e de drogados, amotivados, perambulando em vias públicas  Permissividade com todas letras. Um verdadeiro tiro pela culatra e no escuro. Coloca-se a prevenção, o tratamento e recuperação do dependente e a repressão qualificada como estratégia de segundo plano -a finalidade precípua é proteger o uso-  numa incoerente prevalência da permissividade e  da tolerância no combate às drogas. Lamentável. "O uso de drogas leva adolescentes à prática de outros atos criminais", diz o procurador da 3a Vara Criminal de Justiça do Rio de Janeiro, Márcio Mothé Fernades que passou 15 anos na Vara de Infância e Adolescência cuidando de casos de usuários de drogas. "Alguém precisa impor limite, como o tratamento compulsório. As pessoas não estão preparadas para descriminalização sem uma medida mais enérgica", observa.


Está, pois, prestes a ser consolidada  a desgraça maior. Resta agora, como mecanismo de defesa da juventude brasileira, ao Congresso Nacional e por último à Presidente Dilma Rousseff, vetar tal perigosa ameaça. Drogas não agregam valores sociais positivos. O exemplo da Holanda não nos serve. Não há nenhuma certeza de que modelos importados se adaptem ao Brasil. Entenda-se.

Milton Corrêa da Costa é coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro




Juventude e limites.

Quase sete anos. Noites e madrugadas. Polícias e conselho tutelar nas ruas, praças, bares e boates. Tempo suficiente para avaliações do chamado toque de recolher para menores de 18 anos. Quais os resultados até agora? Por que a polêmica e as resistências? Há necessidade dessa medida em Fernandópolis? Alguns pais e mães nos dizem que utilizam o toque de recolher como argumento para segurar os filhos em casa; outros, multados, que a penalidade serviu de alerta para a família. Muitos jovens começaram a diversão mais cedo, antes das onze da noite. Passou-se a ter maior rigor com bebidas alcoólicas.
Para adolescentes recolhidos nas rondas, viciados em drogas pesadas, internação em clínicas de recuperação. A delinqüência juvenil baixou no mesmo período de vigência da decisão judicial. E as escolas emitem sinais de que está em curso uma mudança de comportamento e de rendimento dos alunos. Contudo, acusam-nos de limitar a liberdade da juventude, ilegal e arbitrariamente, e até, num caso específico, de cometimento de crimes de abuso de autoridade e de prisão ilegal de menor, quando determinamos a apreensão de um adolescente de 13 anos, dependente de crack, recolhido numa das rondas noturnas, e o encaminhamos para clínica de tratamento. Juridicamente, a tese mais comum, contrária ao toque de recolher, é a de que o juiz da Infância e Juventude não pode restringir o direito de ir e vir dos menores de 18 anos, desacompanhados dos pais ou responsáveis, nem mesmo para bares e boates.
Se o juiz não pode limitar a presença de crianças ou adolescentes, desacompanhados, em lugares perigosos, quando os pais nada ou pouco fazem para impor limites aos filhos nessa situação, o que fazer? Eu discordo daquela posição generalista de que a culpa é do poder público que não dá oportunidades aos menores etc. Até porque, nessas madrugadas em que trabalhei, faz-se necessário o toque de recolher, entendido como um conjunto de ações da Justiça que reflete, em última instância, uma noção de limites para os menores de idade e de cobrança para os pais, que devem ser mais cuidadosos com os filhos, o que significa maior vigilância e disposição para educar muitos menores apanhados em situação de risco eram filhos de famílias ricas e não havia falta de oportunidades, e sim negligência dos pais, que não queriam se indispor com os próprios filhos, alguns muito rebeldes. Minha experiência nesses anos todos de trabalho me mostra que a liberdade, sem limites, tem sido aproveitada não para um saudável ir e vir, mais sim para a aproximação de muitos jovens de situações altamente danosas, como drogas, prostituição e crimes. E aqui, em Fernandópolis, eu entendo que ainda precisamos trabalhar mais com esse modelo que foi nomeado de toque de recolher, pois as nossas ruas e bares, altas horas da noite, não são locais seguros para menores de idade, desacompanhados dos pais ou responsáveis. Enfim, diante da dura realidade que vivenciamos, com muito diálogo e energia também. Como tão bem cantou Renato Russo, “disciplina é liberdade / compaixão é fortaleza / ter bondade é ter coragem”.
EVANDRO PELARIN
Juiz da Infância e Juventude; Fernandópolis

sábado, 26 de maio de 2012


Pesquisa investiga uso indevido de ansiolíticos entre mulheres.

Por Karina Toledo
Agência FAPESP – A maioria das mulheres que fazem uso indevido de ansiolíticos compra os medicamentos com receita médica, mas apesar de serem acompanhadas por um profissional de saúde não recebem orientação adequada sobre os riscos do uso prolongado desse tipo de droga.
As conclusões estão em um artigo publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O estudo qualitativo, financiado pela FAPESP e coordenado por Ana Regina Noto, entrevistou 33 mulheres entre 18 e 60 anos com o objetivo de compreender os padrões de uso indevido de benzodiazepínicos.
Essa classe de medicamentos da qual fazem parte o Rivotril, o Dormonid e o Alprazolam é indicada principalmente para tratar quadros de ansiedade e insônia. Seu uso por mais de quatro semanas, contudo, não é recomendado pelo risco de desenvolvimento de dependência.
No estudo da Unifesp, foram definidos como uso indevido os casos de pacientes que compraram o medicamento sem prescrição médica ou que consumiram a droga em quantidades ou prazos superiores ao recomendado.
“Levantamentos epidemiológicos têm indicado com frequência o uso abusivo de benzodiazepínicos e decidimos investigar esse fenômeno com mais profundidade. Optamos pelas mulheres porque é a população que esses estudos apontam como a de maior consumo”, contou Ana Regina.
Das 33 mulheres entrevistadas, 24 disseram receber acompanhamento médico e 30 afirmaram comprar o medicamento com receita apropriada. No entanto, apenas cinco entrevistadas souberam mencionar as principais orientações que devem ser dadas sobre o consumo de benzodiazepínicos: não usar em associação com o álcool, não dirigir sob o efeito da droga e o risco de dependência associado ao uso prolongado.
“Os benzodiazepínicos são drogas depressoras do sistema nervoso central e, se consumidas com álcool, esse efeito é potencializado. Isso diminui a coordenação motora e aumenta as chances de a paciente se envolver em vários tipos de acidente. É uma importante causa de queda entre os idosos”, afirmou a pesquisadora.
A maioria das entrevistadas afirmou usar a droga por períodos superiores ao recomendado. O tempo mencionado variou entre 50 dias e 37 anos, sendo que a mediana foi de sete anos. Apesar disso, apenas 16 mulheres reconheceram ser dependentes e a maioria afirmou que prefere assumir os riscos do uso crônico para manter os benefícios proporcionados pela droga.
“Alguns estudos sugerem que o uso de benzodiazepínicos ao longo de muitos anos pode trazer prejuízos cognitivos, afetando principalmente a memória. Mas a dependência em si já é um grande problema, pois faz com que a paciente perca sua autonomia e a capacidade de controlar seu próprio comportamento”, disse Ana Regina.
No artigo, algumas pacientes relatam sentir desespero e angústia ao perceber que os comprimidos estão acabando e ao pensar que teriam de ficar sem o medicamento. Dizem ainda sentir irritação e dificuldade para dormir quando estão sem a droga.
Segundo Ana Regina, a maioria das pesquisas científicas tem como tema o consumo de drogas ilegais, como crack, cocaína e maconha, mas também é preciso dar atenção ao uso de psicotrópicos vendidos na forma de medicamentos.
“O uso abusivo desse tipo de droga não é tão valorizado na sociedade, mas acontece. Os dependentes existem e não são identificados. Há subnotificação”, afirmou.
O relato das pacientes indica também que uma parcela dos médicos tem consciência do uso abusivo e facilita o acesso ao medicamento. “Nós tínhamos uma hipótese de que essas mulheres adquiriam os medicamentos de forma clandestina, mas não foi o observado. A maioria passa por um médico e consegue a receita”, disse a pesquisadora.
As pacientes, completou, desenvolvem estratégias ao longo do tempo para garantir o acesso à droga. “Vão mudando de médico ou já procuram um profissional que elas sabem que vai prescrever o medicamento. Elas vão aprendendo a fazer a queixa. Já sabem que com um determinado discurso vão conseguir a receita.”
Quando questionados sobre por que continuam prescrevendo a droga nesses casos, contou a pesquisadora, os médicos afirmam não existir alternativas na rede pública de saúde para lidar com a ansiedade e a insônia de suas pacientes.
“Seria preciso proporcionar acesso a atividades como ioga, meditação e outras técnicas de relaxamento. Além disso, é necessário conscientizar os médicos para que possam orientar adequadamente as pacientes.”

EUA, Rússia, Grã-Bretanha, Suécia e Itália assinam pacto contra a legalização das drogas.

Estocolmo acaba de servir de palco para a assinatura de um acordo contra a legalização das drogas proibidas pelas convenções das Nações Unidas e pela adoção de uma política balanceada e humana contra as drogas ilícitas. O documento foi assinado na sede da World Federation Against Drugs.

Os celebrantes e firmatários do acordo, já apelidado de pacto de ferro, são EUA, Rússia, Grã-Bretanha, Suécia e Itália.

Hoje, o acordo será encaminhado à Organização das Nações Unidas (ONU), ao Conselho da União Europeia e ao seu Grupo Horizontal sobre drogas ilícitas. A remessa foi incumbida ao governo da Suécia que tem a legislação proibicionista mais rígida da Europa.




Pela exposição de motivos contida no acordo, o objetivo é a união de esforços para barrar qualquer tentativa de legalização e estabelecer políticas voltadas a reforçar (1) a proteção às crianças e aos adolescentes; (2) promover permanente prevenção ao consumo; (3) interromper o ciclo de dependência da droga por meio da oferta de grande variedade de tratamentos e serviços sanitários àqueles que sofrem distúrbios pelo uso de drogas proibidas e (4) promover meios substitutivos e alternativas para as áreas de cultivos ilegais.

Para o presidente das políticas sobre drogas do Conselho da União Europeia, o acordo “representa um passo importante porque pretende reforçar a parceria internacional a fim de se desenvolver e implementar estratégias estribadas em dados científicos e na tutela a direitos humanos, tudo em sintonia com as convenções da ONU sobre drogas”.


Ainda não se sabe a opinião do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre o acordo que acaba de ser celebrado entre EUA, Rússia, Grã-Bretanha, Suécia e Itália. Nem se ele acompanha e sabe do acordo em questão.

FHC, que se esquivou de protestar sobre a ação desastrada, desumana e militarizada realizada na Cracolândia paulistana, quis, na conquista de holofotes e espaços na mídia, apropriar-se, na base do oportunismo, de discursos e teses de operadores que há anos empenham-se pelo fim do proibicionismo. Um proibicionismo consagrado, desde 1966, em convenções da ONU e gerador de aumento de oferta, demanda, dependência e exclusão social.

Wálter Fanganiello Maierovitch


domingo, 20 de maio de 2012


A política de drogas e o Brasil.


Esta semana em Brasília constatou-se, mais uma vez, uma situação muito preocupante em relação ao enfrentamento das drogas no Brasil: de um lado, a primeira reunião do ano do Conselho Nacional sobre Drogas, cuja missão é acompanhar as políticas desenvolvidas pelo Governo e pela sociedade, entre elas a distribuição e aplicação do dinheiro público e de outro, a 15ª Marcha dos Prefeitos, que culminou com um debate sobre a política de drogas, principalmente diante de um triste cenário brasileiro: o crack já está no varejo.
Se na reunião do Conselho apresentava-se a atual organização do sistema de saúde, de assistência social, do direcionamento das ações policiais e do papel do Brasil na política de drogas das Américas, ações empíricas e ainda muito desarticuladas, como por exemplo, consultórios de rua, quando nem médicos existem na maior parte dos centro de atenção psicossocial álcool e drogas, ações na contramão daquelas que estão sendo preconizadas pelos países desenvolvidos e pela própria Organização Mundial da Saúde, quase tudo por fazer, do outro, quase 5000 participantes, entre prefeitos e assessores, mostravam suas experiências baseadas nas necessidades, muito diferentes entre si, carregadas de uma visão pessoal de cada um deles, desenvolvidas sem recursos suplementares, sem indicadores para avaliar os resultados, o que possivelmente os conduzirá a impactos mínimos ou nulos na realidade local.
A questão é: será possível no curto e médio prazos direcionar as políticas para o microssistema, uma região, por exemplo, cujos gestores decidam, por vontade política pessoal e do grupo, assumir o problema como um programa da gestão municipal, amparados pelos estados e pela federação quanto aos recursos técnicos especializados para se obter algum resultado efetivo? Ou continuaremos a dar tiros no pé? Ou até mesmo tiro de canhão em mosca branca, deixando de lado questões estruturais como a política do álcool, a política do adolescente, a política da criança, o direito humano de viver em um país que oferece um modelo de proteção para todos os cidadãos, o direito de não usar drogas?
O Brasil e seus representantes políticos manterão a retórica ou um toparão o jogo da verdade que confirmará um diagnóstico sombrio da situação atual: uma nau a deriva na questão das drogas?
Minha sugestão para um impasse tão grave é que a Abead possa criar um comitê de especialistas para assessorar os municípios, unir a política com a ciência, já que temos ouvido por aí que “droga é uma questão de estado”, mas nem de longe se vislumbra uma solução adequada para cuidar do fenômeno do crack no brasil!
Ana Cecília Marques - Conselheira da Abead

sábado, 12 de maio de 2012




Vidas preservadas.

Depois de quatro ano atuando sob nossos olhos com deficiência na fiscalização por parte do governo federal, a Lei Seca brasileira poderá enfim causar desestímulo aos que insistem em beber e dirigir.

No começo do mês de abril nós, deputados federais, aprovamos por unanimidade uma nova versão da Lei Seca por meio do Projeto 5607/09, que vai permitir novos métodos de comprovação de alcoolismo e punições mais severas aos motoristas que estiverem alcoolizados.

Como relator da comissão que investigou as causas e o consumo excessivo do álcool no Brasil, atuei fortemente no sentido de endurecer a lei que até então abre tantas brechas para que homicídios “culposos” aconteçam em todo o Brasil, limitando vidas na maioria das vezes inocentes da impunidade que vem assombrando nosso país.

Hoje podemos comemorar o primeiro passo deste projeto que deverá ter seu caminho concluído e permitirá o uso de vídeos, testemunhas e exames clínicos em processos para comprovar a embriaguez de um motorista.

É triste constatar que, segundo pesquisas, mesmo depois da aplicação da Lei Seca, 50% das mortes no trânsito têm envolvimento de pessoas alcoolizadas.

Ouvi muitos parentes de vítimas dizerem que alguma coisa deveria ser feita para atentar o brasileiro sobre o perigo da mistura volante e bebida. Pediam multas mais severas e argumentavam: “Quem sabe doendo no bolso as pessoas se sensibilizam”.

Neste sentido também tivemos avanço já que a multa para quem dirigir alcoolizado passará de R$ 957,70 para R$ 1.915,40 nos valores atuais, sendo aplicada em dobro no caso de reincidência em até 12 meses e permanecendo a suspensão do direito de dirigir por um ano.

Infelizmente no Brasil algumas coisas funcionam desta maneira. Contudo, se a vitória for completa e a lei for aplicada corretamente, certamente muitas vidas serão preservadas e toda essa luta terá valido a pena.

Vanderlei Macris, deputado federal e vice-presidente do PSDB de São Paulo


terça-feira, 8 de maio de 2012



O submundo das drogas.
Revista Veja - André Mattos

Nunca antes em toda a história uma substância química se proliferou com tanta velocidade quanto nos dias atuais. "Há dez anos 200.000 brasileiros haviam tido contato com o crack, em uma década esse número saltou para 800.000." diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, da UNIFESP, um dos maiores especialistas do país no assunto.

O crack derrubou as barreiras de classes sociais e invadiu assustadoramente a classe C, hoje 91% dos municípios brasileiros já tem viciados em crack. Uma pesquisa do Instituto Nacional de Políticas Públicas, do álcool e drogas, realizada em dezembro de 2011, traçou um perfil da população da cracolândia em São Paulo e descobriu que do total de 178 ocupantes, 17 tinham curso superior completo - 24 jovens estavam matriculados em faculdades - 2 deles em curso de medicina.

Os números são ainda mais alarmantes quando se tem um raio-x da situação, nos últimos cinco anos, o número de viciados em crack subiu 60%, diz o psiquiatra Pablo Roig, proprietário da clínica Greenwood em Itapecirica da Serra - SP. Estima-se que 40% das pessoas que usam cocaína no Brasil já fumaram crack, muitas delas nem pensavam em entrar neste submundo, mas estimuladas por amigos ou porque o traficante que fornecia a droga estava sem o pó para vender, decidiram experimentar as pequenas pelotas de cor amarelada queimadas em cachimbos improvisados. E esse número tende a crescer, afirma o psiquiatra Laranjeira.

O crack vicia em tamanha proporção e velocidade devido ao seu poder de provocar uma falsa sensação de bem estar, ele faz aumentar em 900% a dopamina do cérebro, o neuro transmissor que regula a sensação, assim, bastam algumas experiências com a droga para que o mecanismo cerebral responsável pelo sistema de recompensa passe a registrá-la como fonte mais intensa de prazer.

A partir da primeira tragada marca-se o começo do fim para quem entra nesse submundo. Em 3 anos, quase toda a totalidade dos viciados estará gravemente doente, terá se envolvido em crimes e visto a família se desmantelar. Ao fim de cinco anos um terço deles estarão mortos; as vítimas de homicídios e overdose são as mais frequentes.

A droga é produzida da pasta de coca, matéria-prima que pode se transformar também em cocaína, mas enquanto o crack faz aumentar em 900% a sensação de prazer, a cocaína aumenta em apenas 230%, motivo pelo qual o vício se prolifera com tamanha velocidade.

Para os traficantes, o crack apresenta mais vantagens devido a quantidade e a velocidade com que é consumido. Hoje uma clínica especializada em tratamento de dependentes químicos, com acompanhamento médico e psicológico em tempo integral, custa até 23.000 reais por mês, mesmo assim, 90% dos que fazem tratamentos sofrem recaídas nos oito primeiros meses. Metade desiste durante o tratamento e volta de vez para as pedras. Dos que persistem e passam até um ano em tratamento, 90% conseguem voltar a estudar e trabalhar ainda que, em grande parte das vezes nunca consigam se livrar de recaídas eventuais.

A consultora de beleza P. F. de 31 anos, conta que aos 14 anos começou a fumar maconha, depois cocaína e aos 28 anos conheceu o crack, depois de duas internações e cinco meses sem usar nada, teve uma recaída, "fumei cinquenta pedras de crack em 24 horas." Por causa do filho de 9 anos decidiu ir para uma terceira internação, hoje lamenta: "por causa da droga não conseguir fazer faculdade, agora preciso cuidar mais do meu filho."

O administrador F. P. N. de 44 anos, passou por 25 internações, morou 6 anos na rua chegando a pesar 40 quilos. Conheceu o crack aos 27 anos e veio a se tornar mendigo, tendo que pedir dinheiro nos semáforos para sustentar o vício. Quando conseguiu parar em 2003, passou dois anos tomando remédios para controlar a ansiedade, recuperar a memória e a capacidade de raciocínio, 3 vezes por semana ia ao psicólogo e ao psiquiatra mensalmente, "o crack destrói a capacidade de planejar." diz.

Em Barreiras, no Oeste da Bahia, o uso do crack não está tão disseminado quanto na capital baiana, Salvador, onde o consumo aumentou 140%. Em Brasília (DF) com aumento de apreensão de pedras de crack em 175% em apenas um ano; e Goiânia (GO), onde existem 50 mil usuários, cerca de 4% da população. Segundo o Dr. Jorge Aragão, são através dessas cidades que a droga chega até Barreiras, entretanto, ainda não existe indícios de que haja pessoas ricas ou autoridades envolvidas no tráfico. “Em Barreiras, o que existe são traficantes que vendem nos seus setores, em pontos de bairros, mas nenhum que possa abastecer a cidade inteira. Apesar de o lucro ser bastante alto, não temos informações de que exista um grande ‘barão do crack’ na cidade”.

Como essa é uma droga barata, maior é o consumo, principalmente por usuários de baixa renda, segundo o delegado, os de classe média alta ainda estão usando cocaína e maconha. “O crack aqui em Barreiras continua sendo uma droga consumida por usuários de baixa renda. Temos feito “batidas” principalmente nos bairros periféricos como: Vila Rica, Santo Antônio, Vila Amorim, Santa Luzia, Sombra da Tarde, Vila Nova, Vila Brasil, bairros cuja situação nos deixa mais preocupados”.

Na tentativa de abolir o crack, a polícia Civil tem trabalhado em operações semanais, na maioria das vezes, com registro de flagrantes e como consequência, a prisão dos traficantes.

domingo, 6 de maio de 2012



Especial: Brasil age como "gringo" na defesa das fronteiras.

A ascensão econômica obriga o país a lidar com um problema que durante muito tempo foi visto como de nações ricas como os EUA: a necessidade de reduzir o fluxo de drogas
Brian Winter, da Reuters
Cáceres - Durante os 500 primeiros anos da história do Brasil, praticamente qualquer coisa que quisesse cruzar suas fronteiras poderia fazê-lo em relativa paz, e isso valia para gado, índios ou intrépidos exploradores.
Essa era agora está chegando ao fim. A ascensão econômica do Brasil obriga o país a lidar com um problema que durante muito tempo foi visto como exclusividade de nações ricas como os Estados Unidos: a necessidade de proteger suas fronteiras e reduzir o fluxo de drogas, contrabando e imigrantes ilegais.
A presidente Dilma Rousseff, sob pressão política para combater a epidemia de crack nas cidades brasileiras, está gastando mais de 8 bilhões de dólares e revendo as defesas estratégicas do país para enfrentar uma questão que tem implicações para o comércio, a agricultura e a economia como um todo.
A prosperidade brasileira criou uma nova classe de consumidores, com dezenas de milhões de pessoas, num país que por acaso faz fronteira com os três maiores produtores mundiais de cocaína: Colômbia, Bolívia e Peru. O Brasil é hoje o segundo maior consumidor mundial dessa droga, atrás apenas dos Estados Unidos, segundo dados do governo norte-americano. É também um crescente mercado para a maconha, o ecstasy e outros narcóticos.
Os esforços do governo Dilma para sufocar o fluxo de drogas podem gerar muito dinheiro para empresas brasileiras, como a Embraer, que planeja produzir uma nova linha de aviões não-tripulados para patrulhar as fronteiras. Companhias estrangeiras, como Boeing e Siemens, também podem se beneficiar.
Mas a proteção de uma área que tem cinco vezes o tamanho da fronteira EUA-México, que serpenteia por quase 16 mil quilômetros sendo grande parte na Amazônia e que estabelece limites com dez países é um enorme desafio. Também gera um debate sobre a conveniência de o governo despender tanto dinheiro e esforço.
Para o tenente da Polícia Militar do Mato Grosso Rafael Godoy de Campos Marconi, instalado em um solitário posto de controle fronteiriço entre as cobras do Pantanal, a tarefa parece inglória.
A unidade de Marconi é responsável por patrulhar um trecho de 200 quilômetros na fronteira com a Bolívia, origem de cerca de 80 por cento da cocaína consumida no Brasil. Num dia qualquer, Marconi acredita que dezenas de contrabandistas conseguem se infiltrar pela sua jurisdição, com drogas escondidas nos sapatos, camisas e cuecas.
O problema, segundo Marconi, é que ele tem apenas 10 a 12 homens para abranger toda a área. A última apreensão deles foi há duas semanas.
"Ah, eles estão por aí", suspirou o policial, varrendo o horizonte com os olhos e suando muito sob o calor úmido. "Mas somos tão poucos que eles sabem exatamente onde estamos."
Mesmo com o dobro dos recursos atuais, acrescentou, seria "muito difícil" controlar uma região tão remota do interior brasileiro. Com um sorriso maroto, ele mencionou uma solução que está na boca de muitos brasileiros da região. "Talvez se construirmos um muro, como os Estados Unidos têm (na fronteira com o México). Talvez então possamos reduzir o fluxo dessa gente."
O Brasil não está construindo nenhum muro. Mas está tentando absorver outras lições dos Estados Unidos, e recorrendo a Washington para receber recursos e capacitação técnica. O chefe Do Estado-Maior das Forças Armadas brasileiras viajou no ano passado a El Paso, no Texas, junto à fronteira com o México, para se reunir com militares dos EUA e com funcionários do Departamento de Segurança Doméstica.
A nova ênfase do Brasil no controle das fronteiras, e o óbvio subtexto disso que o Brasil vê seus vizinhos com crescente desconfiança, estão começando a gerar na América do Sul um tipo de ressentimento que habitualmente era reservado a um certo país do norte do continente onde se fala o inglês.
"Dói-me dizer isso, mas já ouvi gente dizendo que somos os novos gringos", disse o senador Pedro Taques (PDT-MT), cujo Estado faz fronteira com a Bolívia. "Controlar a fronteira é um problema que o Brasil nunca pensou que teria de enfrentar..., e está nos obrigando a fazer algumas coisas desconfortáveis."
Mas Taques disse que uma maior proteção da fronteira é "crítica" para a saúde econômica e social do Brasil, e manifestou frustração com a demora nos resultados, depois de mais de um ano da posse do governo Dilma. "Até agora, vimos muitos discursos", disse ele. "Mas as pessoas que vivem na fronteira não estão vendo resultados suficientes."
Fronteira invisível
Não faz muito tempo, ninguém no Brasil levava as fronteiras a sério nem seus presidentes.
Em sua autobiografia, Fernando Henrique Cardoso conta das férias que passou no Pantanal depois de ser eleito para o seu primeiro mandato presidencial, em 1994.
Durante um passeio, seu grupo sem querer foi parar no território boliviano, onde após cerca de uma hora um soldado armado os abordou pedindo documentos. Nem FHC, nem sua mulher, Ruth Cardoso, nem o segurança tinham identificação.
"Foi preciso uma boa meia hora explicando, apaziguando e implorando, mas finalmente conseguimos convencer o soldado boliviano da minha identidade", escreveu o ex-presidente. "Ele disse... que éramos as primeiras pessoas que ele precisava impedir de cruzar a fronteira brasileira, e então pediu desculpas por ter nos assustado com a arma."
Historicamente, havia dos dois lados das fronteiras poucas razões para protegê-las. O Brasil não trava guerras com seus vizinhos desde 1870. E, na maior parte da sua história, a hiperinflação e a instabilidade política fizeram com que a economia brasileira fosse apenas mediana pelos padrões sul-americanos. Por isso, pouca gente vinha procurar trabalho no país.
Isso tudo começou a mudar na época em que FHC tomou posse. Políticas favoráveis aos investidores e programas de redução da pobreza vêm desde então garantindo um desempenho econômico estelar para o Brasil, que se aproveita de um movimento mais amplo no equilíbrio global de poder, pendendo agora para os mercados emergentes.
No ano passado, o Brasil superou a Grã-Bretanha como sexta maior economia mundial, e agora só três dos seus dez vizinhos têm uma renda per capita mais alta.
Esse dinamismo, e a moeda excepcionalmente valorizada, atraem imigrantes de toda a América do Sul, que costumam ganhar aqui três ou quatro vezes mais do que nos seus países de origem. Mais de 1,46 milhão de estrangeiros estavam formalmente registrados no Brasil em julho de 2011 -um aumento de 50 por cento em relação ao ano anterior.
O afluxo de trabalhadores estrangeiros ajuda a aliviar uma escassez de mão de obra qualificada, num momento em que o desemprego do Brasil atinge o menor nível da história. Mas esse fenômeno também começa a causar inquietação, especialmente entre os sindicatos, que formam uma das principais bases de apoio de Dilma.
O governo dela prometeu em fevereiro reforçar os controles fronteiriços e as práticas de deportação, depois de ter anistiado mais de 4.000 haitianos que entraram ilegalmente no Brasil, a maioria no Acre, vindos do Peru. O número total de imigrantes sem documentos no Brasil pode chegar à casa das centenas de milhares.
"Muitas dessas pessoas estão vindo em busca de melhores empregos. Esse é o problema", disse o deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente da Força Sindical.
A negligência do Brasil com suas fronteiras também tem contribuído com uma enxurrada de produtos importados baratos, o que segundo políticos prejudica a indústria local.
Em entrevista, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, disse que "incontáveis" produtos da China e de outros lugares entram no Brasil pelos países vizinhos sem serem detectados e sem pagarem impostos.
Apesar de tudo isso, o maior problema -enfatizado por Dilma ao apresentar sua iniciativa para as fronteiras, em junho de 2011- é o crescimento no uso de drogas, sempre acompanhado pelo crime organizado.
São Paulo e outras grandes cidades têm testemunhado a proliferação das chamadas "cracolândias", onde centenas de pessoas esfarrapadas se reúnem para consumir crack à vista das autoridades. A opinião pública tem ficado chocada com imagens exibidas na imprensa de grávidas e crianças fumando a droga.
Quadrilhas de traficantes na prática dominam territórios em várias cidades, inclusive o Rio, que será sede da Olimpíada de 2016. A campanha presidencial de 2010 foi provavelmente a primeira na história do Brasil em que o uso de drogas surgiu como uma questão importante, e isso gerou uma pressão para que Dilma reagisse logo depois da sua posse.
"Uma das principais prioridades para a presidente Dilma, voltando à campanha, é a questão de combater a violência e as drogas", disse em entrevista o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. "Controlar as fronteiras é uma parte crítica dessa estratégia."
"Uma desgraça"
Na linha de frente, porém, a mudança tem sido lenta.
Em seu posto de fronteira, 50 km a oeste de Cáceres (MT), o tenente Marconi e seus colegas policiais vivem em casebres metálicos sobre palafitas. Galinhas ciscam ao redor, e homens com chapéu de boiadeiro passam lentamente de bicicleta, aparentemente alheios à presença policial.
Embora seja o único posto policial importante em um dos maiores corredores do narcotráfico no Brasil, o local não tem aparelhos de raios-X nem scanners para detectar drogas em veículos. Para as inspeções, os carros sobem em uma plataforma de madeira de aspecto frágil. Cães farejadores raramente são empregados, segundo Marconi.
"Isso é uma desgraça", disse o promotor Mauro Zaque, que visitava o local. "Não é possível que você me diga que o Estado não tem 2 milhões de reais para colocar uma instalação decente aqui. O que falta é vontade política."
A fronteira, na verdade, fica a mais de 30 quilômetros. Isso levou um visitante a perguntar: os contrabandistas não poderiam simplesmente contornar o posto?
Marconi fez uma careta. "É, parece que muitos deles fazem isso."
As autoridades da região do Pantanal já detectaram inúmeras rodovias clandestinas abertas por contrabandistas para evitar os controles. Mas especialmente difíceis de detectar é o silencioso exército de "mulas" que cruzam da Bolívia a pé, geralmente à noite, para desovar suas cargas em pontos previamente combinados, de onde outros se encarregam de distribuí-las para as cidades brasileiras.
Ao fazer uma patrulha numa tarde recente, Marconi apontou aberturas em cercas de fazendas, que segundo ele foram feitas por contrabandistas.
A própria fronteira é tão mal demarcada que Marconi às vezes não sabe exatamente onde ela fica, entrando em alguns momentos no que pode ou não ser a Bolívia. "Não devemos ficar aqui por muito tempo", disse ele a certa altura.
Aliás, essa é uma região até fácil de patrulhar para os padrões brasileiros: plana e relativamente sem árvores. Cerca de 10 mil quilômetros das fronteiras brasileiras -uns 60 por cento do total- são formados por selvas densas, cortadas por rios que nascem em países vizinhos e entram em território brasileiro, o que facilita a vida dos contrabandistas.
Os integrantes de alto escalão do governo federal dizem não ter ilusões quanto aos obstáculos que enfrentam. "Não podemos supor ou ter a visão antiga de que faremos isso colocando em fileira homens para proteger 16 mil quilômetros de fronteiras", disse Dilma ao lançar a iniciativa para as fronteiras no ano passado. "Isso não é possível."
A presidente tem focado em soluções que aproveitem os recursos humanos já existentes. Uma das primeiras medidas dela foi ampliar o papel dos militares na proteção das fronteiras, basicamente lhes dando poder de polícia, como a autoridade para parar e vistoriar veículos a até 150 quilômetros da fronteira.
Ela também exigiu uma coordenação total entre os militares e as várias forças policiais brasileiras -algo que antes não existia. Marconi disse que, em dois anos trabalhando na fronteira, só teve contato com o Exército uma vez. Ao saber disso, Cardozo assentiu tristemente. "Estamos trabalhando nisso", afirmou.
Um novo comando conjunto para questões de fronteira foi construído na sede do Ministério da Defesa. O vice-presidente Michel Temer começou a comandar reuniões multidepartamentais, abrangendo não só Exército e polícia, mas também autoridades ambientais, comerciais e de outras áreas.
Esse novo foco representa uma mudança fundamental para as Forças Armadas, que vinham desempenhando um papel não muito claro desde o fim do regime militar, em 1985. O general José Carlos de Nardi, chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, pendurou junto à porta do seu gabinete, em Brasília, uma foto da visita a El Paso, como lembrança das suas novas prioridades.
"É uma mudança para nós, certamente", disse De Nardi em entrevista. "Essa será uma parte central da nossa estratégia durante décadas."
Mais recursos
Cientes dos desafios enfrentados por seu pessoal de campo, De Nardi, Cardozo e outras autoridades concluíram que os dois principais fatores para o sucesso do Brasil serão tecnologia e trabalho de inteligência.
Uma das mais eficazes novas ferramentas, dizem eles, são os aviões não-trupulados capazes de detectar barcos, pessoas e até gado -um elemento crítico para proteger o setor pecuarista, maior exportador mundial, com vendas de 4 bilhões de dólares por ano, contra pragas devastadoras, como a febre aftosa.
Caças de última geração da FAB, radares terrestres, embarcações fluviais e outros equipamentos também serão adquiridos. De Nardi disse que o Brasil está apenas começando a obter os recursos necessários, e que haverá muitas oportunidades para empresas locais e estrangeiras. "Vamos precisar de muitas ferramentas", disse ele.
Cardozo disse que o governo vai duplicar o contingente da Polícia Federal na região da fronteira até 2013, em parte ao obrigar que todos os agentes recém-contratados passem um período ali. Instalações como a cabana do tenente Marconi serão melhoradas, e um projeto de lei será enviado ao Congresso oferecendo um incentivo salarial a funcionários que trabalhem na região da fronteira, segundo o ministro.
Mas alguns se perguntam se tanto gasto vale a pena, especialmente com relação às drogas. Se os Estados Unidos, com todos os recursos decorrentes do fato de ser a maior economia do mundo, não conseguem impedir a entrada da cocaína pelas suas fronteiras, como o Brasil vai conseguir?
Entre os céticos está o ex-presidente FHC, que se tornou nos últimos anos um importante crítico da "guerra às drogas" internacional. Ele disse que, embora um maior grau de segurança nas fronteiras seja necessário por razões econômicas e estratégicas, o Brasil dificilmente conseguirá tolher a enorme demanda por entorpecentes.
"Não faz sentido", disse o ex-presidente, que defende a legalização das chamadas drogas leves, como a maconha. "A experiência da América Latina durante os últimos 30 anos mostra que resistir a essas forças só gera mais violência."
De fato, o Brasil está ampliando seus esforços justamente quando países da região parecem explorar alternativas, depois de sofrerem enormes custos humanos e financeiros ao enfrentarem com rigor as quadrilhas de traficantes nos últimos anos.
O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, disse no ano passado que daria "boas vindas" à legalização se isso privasse os traficantes do lucro. Seu colega mexicano, Felipe Calderón, sugeriu num discurso em setembro de 2011 que estaria aberto a algo semelhante.
O coronel João Henrique Marinho, que comanda o Segundo Batalhão de Fronteira do Exército, em Cáceres, observou que, no momento, os traficantes brasileiros na região da fronteira não chegam nem perto dos cartéis mexicanos e colombianos em termos de sofisticação ou poder de fogo. Segundo Marinho, eles mantêm uma operação "artesanal", baseada em "mulas" e aviões pequenos.
Questionado sobre a razão para os traficantes locais não terem se organizado em cartéis do estilo mexicano, Marinho levantou as sobrancelhas e respondeu: "Será porque não estamos resistindo?".
Operações no exterior
As preocupações com os cartéis são igualmente acentuadas no outro lado da fronteira. Na poeirenta localidade boliviana de San Matías, próxima a Cáceres, os locais sussurram que já viram um amedrontador aumento no número de criminosos no último ano. Mas os malvadões, dizem eles, são brasileiros.
"São os brasileiros que comandam as coisas por aqui", disse o comerciante José Contreras, fazendo um sinal de gatilho com o indicador. "Sabe, os brasileiros culpam os bolivianos por tudo, mas são eles que roubam e matam. Eles usam isto aqui como base. Está piorando."
Cardozo admitiu que há questionamentos e possíveis riscos na estratégia do governo. Mas disse que o Brasil irá perseverar.
Dilma descarta a legalização das drogas, e disse em 2010 à revista Rolling Stone que "a sociedade não está pronta para uma mudança dessa natureza".
Cardozo observou que o Brasil já tentou uma espécie de abordagem tolerante com relação às drogas -com resultados desastrosos, visíveis nas cracolândias, nas favelas dominadas pelo tráfico e em outros lugares.
Questionado sobre como o Brasil pode ter sucesso onde os EUA não conseguiram, Cardozo disse que a chave é "ter uma relação com esses países (produtores) para que a questão possa ser atacada no território deles."
Para tal, o Brasil começou a se envolver com práticas muito parecidas com aquilo que Washington faz há décadas na América Latina toda. Cardozo disse que agentes da PF entraram no Paraguai no ano passado e destruíram pessoalmente plantações de maconha, com autorização das autoridades locais.
O ministro disse que uma ação semelhante aconteceu em agosto de 2011 no território peruano para erradicar plantações de coca, a matéria-prima da cocaína. Ele também citou um novo acordo de cooperação envolvendo EUA, Brasil e Bolívia, pelo qual as forças brasileiras irão oferecer treinamentos e equipamentos aos bolivianos.
Felipe Cáceres, vice-ministro de Defesa Social da Bolívia, disse que o acordo ajudará o seu país, o mais pobre da América do Sul, ao proporcionar "apoio logístico para cobrir a extensa geografia (da Bolívia)".
Cardozo disse ter havido progressos significativos desde que o plano de fronteiras foi lançado. De junho de 2011 a fevereiro de 2012, as forças de segurança brasileiras apreenderam 123 toneladas de maconha e 17 toneladas de cocaína em operações conjuntas na fronteira, segundo dados do Ministério da Justiça. Mais de 5.000 pessoas foram presas em decorrência disso.
As apreensões também incluíram carros roubados, armas, munições, explosivos e centenas de milhares de dólares em outros produtos de contrabando. "É um bom começo, e é muito importante proteger todos os nossos setores da economia", disse o ministro Pimentel.
Na linha de frente, alguns estão igualmente esperançosos.
Augusto César de Borges, funcionário do Indea (Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso), trabalha em um pequeno posto fiscal novo, com ar condicionado, bem na fronteira, em frente a San Matías, basicamente vistoriando carros à procura de contrabando.
Até 2007, não havia presença do Estado por aqui, e "qualquer coisa podia entrar" no Brasil, segundo ele. "Isso tudo é novo para nós, e estamos melhorando", disse Borges. "Agora, só precisamos de mais ferramentas."
Como quais?
"Sei lá", disse ele, com um sorriso. "Talvez um muro."