terça-feira, 22 de outubro de 2013




Em busca de horizontes, nos caminhos das pedras.

Eram quatro ou cinco adolescentes que resolveram colocar colchões nos telhados da bela casa do Condomínio, aproveitando a ausência dos adultos e ao som alto, muito alto, de raps autorizadores, curtiam seus baseados e repetiam os comandos das letras, nem sempre acompanhando a melodia (?) das músicas ao fundo. Tudo muito “normal” e até “tolerável”, não fossem vizinhos da casa em que eu estava e não fosse pelo fôlego de intermináveis horas de ruídos perturbadores, muito acima dos decibéis permitidos, noite adentro. Com a chegada, finalmente, dos seguranças do local, a paz foi possível e o sono retomado, não sem pesadelos.
Muito cedo, na manhã seguinte, o mesmo CD, a mesma fumaça e mal os jovens apareceram nas janelas, rumo ao telhado, não me contive: “Ei rapaziada, de novo, esta fumaça chegando até aqui e a gente tendo que compartilhar, sem querer?  E maconha faz mal, sabiam? Vocês deviam se informar melhor.” – “É medicinal, tia, e vai ser liberada, logo, logo” , respondeu um deles, provocando risos nos demais.
Eu tinha muitos, muitíssimos argumentos contrários a este pensamento que se espalha mais que o fumacê a que estamos submetidos, em todos os cantos, mas naquele momento me calei. Primeiro porque eles certamente não me ouviriam, não naquele momento, entorpecidos por esta e provavelmente outras substâncias usadas além do álcool visível nas inúmeras garrafas vazias expostas. Segundo porque o poderio da indústria da legalização da maconha, com seus expoentes menos ou mais inocentes, com seus argumentos  aparentemente científicos e tão bem intencionados, preocupadíssimos em aliviar a “dor crônica de pacientes”, fazendo de sua principal bandeira o propagado valor “medicinal” da maconha, é hoje nosso principal obstáculo na abordagem motivacional destes jovens, contra o uso de drogas. Digo “nosso”, pois sou uma profissional de saúde, uma médica, que trabalha cotidianamente com esta população. E ao me calar frente aqueles adolescentes no telhado vizinho, fui tomada por um lamento.
Para nós que lidamos com a grave questão da dependência química, os números, as estatísticas tem um valor maior que dados frios anunciados em reportagens. Estamos vivenciando este grave acometimento da saúde de jovens, de adultos, homens e mulheres, famílias inteiras, empresas e toda uma sociedade sendo atingida, direta ou indiretamente pelo enorme aumento do uso de álcool e outras drogas e suas consequências. Confirmamos as estatísticas que dizem que a maconha é prejudicial e pode desencadear transtornos mentais graves, como a própria esquizofrenia, e também acompanhamos inúmeros casos em que a maconha e o álcool abrem portas para o uso da cocaína e do crack. Podemos afirmar que no tratamento do dependente de crack é fundamental que ele deixe também as outras substâncias pois do contrário terá maiores dificuldades em sustentar a abstinência desta última e terrível droga.
Olhando aqueles meninos que mal  se equilibravam no telhado e se sentindo protegidos pela permissividade de campanhas publicitárias  e o universo pleno de prazeres prometidos com as bebidas alcóolicas e com o discurso de autoridades tão inquestionáveis de ex-presidentes da república a favor da liberação de sua “adorada, inofensiva e até medicinal” maconha, não pude deixar de prolongar o meu silêncio e minha reflexão. Decidi então escrever mais este artigo. Afinal, percebo que muitas pessoas ainda se confundem com os argumentos a favor ou contra uma política liberalizante quanto ao uso de drogas ilícitas. Todos se preocupam com o poder do tráfico e gostariam de enfrenta-lo, buscando formas mais eficazes e criativas.
Lamentavelmente as experiências de legalização de drogas até hoje no mundo não apresentam impacto na diminuição da criminalidade e vem produzindo aumentos significativos no consumo, como era de se esperar. Afinal, quanto mais fácil o acesso às substâncias, maior o risco do uso. Na questão da maconha, atrás de uma argumentação aparentemente científica e bem intencionada, escondem-se interesses econômicos gigantescos. Para aprofundamento nesta questão recomendo o site da Uniad/Unifesp: www.uniad.org.br. Teremos que pensar em alternativas mais locais, territoriais, comunitárias, afinal o tráfico hoje tem como componentes fundamentais a capilarização nos bairros, os “pequenos traficantes”, o envolvimento de outras pessoas da família. O trabalho preventivo junto às famílias, às crianças e aos jovens, o desenvolvimento de uma consciência mais ampla, ecológica, espiritual, são questões a serem contempladas ao lado de maior empenho e tecnologia no enfrentamento das redes internacionais do tráfico de drogas e seus braços nacionais.
No Brasil este debate está colocado. Além de promovê-lo e ampliá-lo penso que não podemos descansar no debate. É preciso avançar numa política e ações de prevenção e enfrentamento da drogadição como um todo, tendo como foco principal o uso abusivo do álcool e das drogas ilícitas, a maconha, a cocaína, o crack, o extasy e outras, sem esquecermos do tabaco, que vem crescendo novamente entre os adolescentes e jovens. Lamentavelmente vimos nossas autoridades cederem diante da pressão da indústria da bebida e o álcool volta a ser liberado nos estádios, rumo à Copa do Mundo com suas promessas de grande consumo de etílicos.
É preciso definir uma Política Nacional clara e efetiva de prevenção e proteção principalmente das crianças e jovens quanto ao uso do álcool e outras drogas. Experiências locais neste sentido tem demonstrado impacto na redução dos índices de criminalidade relacionados com o uso de álcool e outras drogas, como mostram as experiências de Diadema  e Paulínia em São Paulo e de Montenegro no Rio Grande do Sul.
Ainda estamos na expectativa de uma maior mobilização de todos os setores da sociedade no enfrentamento ao uso de drogas, é preciso serrar fileiras, ampliar as campanhas de prevenção nas escolas, nas empresas, nos clubes, nos meios de comunicação, no parlamento, nos sindicatos e associações. Ampliar a oferta de serviços de tratamento, os ambulatórios,  os Hospitais-Dia, os Caps, as vagas para internações nos casos mais graves, as comunidades terapêuticas, os serviços de reabilitação e ressocialização. Também não podemos mais tolerar a utilização deste grave acometimento à saúde e à vida das pessoas usados como fins eleitoreiros.
Este é o nosso momento histórico. Estamos sendo chamados a agir, a ser criativos, a vencer preconceitos e limites ideológicos, a fazer a nossa parte, a dar o exemplo, a começar em casa, no trabalho, a olhar o telhado alheio e perceber que somos também responsáveis, que  “somos um” com estes jovens e seus pais, a sair da culpa, do julgamento e da impotência e encarar, olhar de frente: enfrentar.
Ainda com a memória do belo movimento da Primavera da Paz em Goiânia, neste último setembro, coordenado pela Rede pela Paz,  que terminou com as crianças em seus triciclos no Parque do Areião, lembrei-me agora de Mahatma Gandhi, pra encerrar este artigo, quando ele nos diz que “O futuro dependerá daquilo que fizermos no presente”. Eu confio.
Dagmar Ramos
(*Médica psiquiatra com formação em Medicina Preventiva e Social pela USP, em Dependência Química pela Uniad/Unifesp,  diretora técnica do Centro Clínico Francisco de Assis – especializado em dependência química, membro do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas e do Fórum Goiano de Enfrentamento ao Crack e outras drogas).





domingo, 20 de outubro de 2013


A DROGA E O EGOÍSMO
Não sou a favor de proibir as drogas – mas também não sou obrigado a assistir à viagem de ninguém
WALCYR CARRASCO  
  Recebi um hóspede em meu apartamento do Rio de Janeiro. No domingo, ele saiu para passear. Voltou à 1 da manhã completamente bêbado. Mas querendo conversar. Tem coisa pior que suportar um bêbado falando de si mesmo, chorando e pedindo apoio afetivo e psicológico? Sou solidariedade zero nesses casos. Mandei o hóspede ir dormir. Ele se revoltou, discutiu e vomitou no sofá. Depois, foi deitar. De tempos em tempos, levantava-se para vomitar. Como tudo que pode dar errado dá errado, justamente nessa noite a água do prédio fora cortada para limpeza das caixas na manhã seguinte. Eu mesmo enchera vários baldes para garantir. Tive de carregar os baldes apartamento afora, para limpar os vestígios da bebedeira. No dia seguinte, ainda de ressaca, ele disse simplesmente:
 – Me perdoa, bebi demais.
Respondi mais simplesmente ainda:
– Esse não é o tipo de situação que se resolve com um pedido de desculpas. Estou magoado, ofendido e não perdoo, não. É melhor você encurtar sua estadia e voltar para casa.
Não consigo ser educado nessas horas. Talvez tenha de trocar o revestimento do sofá, manchado. O ex-hóspede não tem grana para isso. Ele ainda tentou amenizar a situação.
– É que eu estava numa viagem.
Viagem? Até agora, falei sobre uma droga legal, o álcool, mas tão inconveniente e perigosa como qualquer outra. Fiz uma reflexão. O usuário é sempre um egoísta. Não uso drogas. Conheço gente que gosta e passei a odiar a palavra viagem nesse sentido. O sujeito se enche de maconha e sorri, extasiado, dizendo que está numa “viagem”. Vejam bem, não sou contra a legalização da maconha. Sou a favor. Recentemente, tentei explicar a um amigo, que tragava um cigarrinho atrás do outro:
– Olha bem, você está numa viagem. Mas não comprei o tíquete para esse trem. Então, sou obrigado a ficar assistindo a sua viagem, a ouvir o que diz, a contemplar seu delírio. Só que você não me perguntou se quero ficar de plateia. Embarcou, o trem partiu, e fiquei olhando da plataforma.
Minha visão em relação ao uso é liberal, porque acho que cada um é dono de seu corpo. Mas minha postura na vida é rígida quando o tema me toca de perto. Não admito que levem drogas ilegais no meu carro. Escrevo livros para crianças e jovens, entre outras coisas. Meu livro Vida de droga fala justamente contra o crack. Meu comportamento se torna exemplo para meus leitores. Se sei que algum carona gosta da coisa, explico longamente como isso pode me prejudicar. Adianta? Ele leva escondido. Várias vezes, depois da chegada à praia, vejo o carona com seu cigarrinho.
– Você trouxe no meu carro?
– Não, não...
Para ele, não importa se uma manchete no jornal envolvendo meu nome prejudica minha relação com os leitores. Só quer curtir.
Sei que é uma abordagem diferente. Quando se fala de drogas, discutem-se a legalização e os riscos. Penso no meu lado, no que acontece com quem não usa. O usuário não aceita que alguém não participe de seu prazerzinho – e incluo aí os fumantes que acendem o cigarro na nossa cara. Qual o direito de alguém expor minha saúde, se não sou fumante? Há situações bem piores. Em uma festa, uma garota disse a um amigo do tipo bem-comportado:
– Hoje vou deixar você maluco.
Ele nem se importou. Continuou na água. De repente, segundo sua descrição, um pontinho preto apareceu na sua frente. E foi se esticando, até formar uma linha. Iniciou-se um turbilhão. Correu para o carro e, até hoje, não sabe como chegou em casa. Haviam colocado MDMA na água. Para quem não sabe, é uma das drogas do momento. Tem o princípio ativo do ecstasy, provoca alteração dos sentidos, muda o comportamento. Há festas em que é colocado até na água oferecida aos convidados. Numa casa noturna, alguém pode botar no seu copo sem que você perceba. A diversão de quem apronta é ver a festa “pirar”, transformar a balada numa “loucura”. Só que tem efeitos colaterais. Quem tem problemas de pressão pode morrer. Mas o usuário não pensa nisso. Depois de tudo, se diverte comentando as próprias loucuras e as que os outros praticaram.
A discussão sobre a legalização das drogas está aí, é uma questão social e política.

Mas o uso é uma questão ética. Droga e egoísmo andam juntos, é o que já percebi. Que direito tem o usuário de droga legal ou ilegal de me incluir ou me expor numa viagem que não escolhi?



FÁBRICA DE ALUCINAÇÕES -NOVAS DROGAS SINTÉTICAS COLOCAM AUTORIDADES EM ALERTA NO ESTADO.

 Kamila Almeida
 Com variação de fórmulas, elas passam ilesas pela legislação e entram e saem do país com facilidade.
Dificuldade em detectar a presença das novas drogas dá falsa impressão de que elas não estão disseminadas
A cada três dias uma nova droga é descoberta no mundo. Elas são pequenas e se confundem com remédios inofensivos, como os analgésicos. Entram e saem do país com facilidade e circulam em festas de alto padrão. Com tantas variações em suas fórmulas, passam ilesas pela legislação brasileira.
E é por embaralharem a percepção da polícia que as drogas sintéticas colocam agora o Estado em alerta: o número de apreensões de comprimidos não-identificados aumentou três vezes de janeiro a setembro de 2013, comparado com todo o ano passado.
Das 75 amostras de apreensões supostamente de ecstasy enviadas para análise do Instituto-geral de Perícias (IGP), neste ano, 30% deram negativo para esta substância e positivo para outras, o que também ocorreu com metade das 25 doses de LSD.
Conhecidas como "designer drugs", estes novos tóxicos são desenvolvidos em laboratório à base de anfetamina e metanfetamina e custam cinco vezes mais do que a maconha.
— Aquilo que antes era uma forma de apresentação característica do LSD agora também aparece impregnado com DOB (brolamfetamina), substância de uso proscrito no Brasil. Os comprimidos, que antes eram característicos de ecstasy, também têm surgido com outras drogas, sozinhas ou uma combinação entre elas, tais como ketamina — detalha a farmacêutica Paulini Braun Wegner, chefe-substituta da Divisão de Química Forense do IGP.
Apreensões no Salgado Filho ainda são incomuns, diz PF
No Estado, uma unidade para tratar dependentes de drogas sintéticas deve ser lançada no Hospital de Clínicas de Porto Alegre ao longo de 2014. A necessidade surgiu após uma pesquisa feita entre 2010 e 2011 constatar que mais de 60% dos entrevistados no Clínicas, usuários de ecstasy ou LSD, sofriam de estresse pós-traumático ligado a casos de estupros.
Apesar de o Brasil não aparecer entre países onde mais circulam as drogas modificadas em laboratório, como ocorre na Europa, o governo federal pretende criar, até o ano que vem, um sistema de alerta rápido para o ingresso de novas substâncias entorpecentes no país. A ideia é aumentar o rigor frente à comercialização, já que as fórmulas químicas destas substâncias são usadas em outras áreas, como medicina, veterinária e agropecuária, e o tráfico não se dá nas esquinas como ocorre com os entorpecentes tradicionais. Luis Fernando Martins Oliveira atuou no Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) por oito anos e diz que essas drogas podem estar em maior quantidade do que se pensa pela dificuldade na repressão:
— Não são pessoas que fazem do tráfico a sua sobrevivência.
Nos últimos três anos, o diretor do (Denarc), Heliomar Franco, viu um aumento de 47% das apreensões de entorpecentes como cocaína, maconha e crack, o que explica o foco das investigações:
— As outras drogas, pelo alto custo, ficam reduzidas a um pequeno nicho socioeconômico. Elas também não causam a lesividade social do crack e da cocaína, que induzem ao crime — diz Franco, alertando que a principal rota dos produtos tem origem na Holanda e passa por Santa Catarina até chegar ao Estado.
Apreensões de drogas trazidas do exterior, porém, são incomuns. Nenhuma droga sintética foi apreendida no Aeroporto Salgado Filho.
— Temos treinamento, mas é claro que é mais difícil de identificar o comprimido — revela o delegado José Antonio Dornelles de Oliveira, chefe do Núcleo de Polícia Aeroportuária da Polícia Federal.
Hospital de Clínicas terá ambulatório para viciados
O Rio Grande do Sul pode ser o primeiro Estado brasileiro a ter um ambulatório para tratar dependentes de drogas sintéticas, como ecstasy, LSD e suas variações. Está em andamento um projeto do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre para que, até 2014, o espaço possa receber pacientes.
A psicóloga Lysa Remy, pesquisadora do Centro, passou um mês em Londres, em setembro de 2012, para conhecer o serviço de uma clínica — chamada Club Drug Clinic — e adaptá-la à realidade gaúcha. O projeto conta com a parceria do Laboratório de Toxicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para identificar o tipo exato de droga consumida, o que deve ampliar também o conhecimento a respeito destas modificações químicas que circulam no Estado.
A ideia surgiu depois que um estudo foi realizado com 240 usuários de ecstasy e LSD entre 2010 e 2011 no Hospital de Clínicas.
— Não se sabe a prevalência do uso na nossa população jovem, mas se sabe que o grupo de usuários tem prejuízos graves — conta Lysa.
A pesquisa revelou tratar-se de um grupo muito vulnerável: 60% apresentaram estresse pós-traumático.
— Foi uma surpresa. Percebemos que eles relatavam alguma experiência de abuso sexual, o que é explicado pelo conceito do ecstasy, conhecido como a "droga do amor" — disse Lysa.
Para tratar dos efeitos físicos e emocionais, além da desintoxicação, será necessária uma equipe de 10 profissionais altamente treinados.
Rede rápida de comunicação
Preocupado com um possível aumento de circulação de novas drogas no Brasil, o secretário nacional de Políticas Antidrogas do Ministério da Justiça, Vitore André Zílio Maximiano, visitou o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência para conhecer o sistema de alerta rápido e se inspirar. A ideia é criar uma rede rápida de comunicação: sempre que houver a apreensão de uma substância que não está relacionada na portaria da 344 da Anvisa, que estabelece as drogas proibidas no país pelo nome do princípio ativo, e que a polícia local não tenha conseguido identificar, uma amostra deve ser enviada à Polícia Federal, em Brasília, para averiguação.
— A droga sintética, como é manufaturada, passa por processo químico muito sofisticado e, por isto, exige uma análise laboratorial ainda mais apurada para identificá-la. Investiremos em tecnologia para que esta investigação seja feita com rapidez — diz Maximiano.
Caso a análise farmacológica identifique elementos que possam causar dependência física ou psíquica, a Anvisa poderá incluí-la na portaria.
DESCONHECIDAS E PERIGOSAS
— Cápsula do vento: conhecida por conter a brolanfetamina (DOB), é vendida geralmente em cápsulas gelatinosas transparentes. No Estado, foram analisadas apenas na forma de micropontos de papel rígido, semelhantes ao LSD. Seu efeito alucinógeno leva mais tempo para se iniciar, o que estimula doses maiores.
— Sucesso: espécie de lança-perfume de segunda linha, é feito à base de gás freon (usado em refrigeradores). A sensação inicial é de ansiedade instantânea e de curta duração.
— Special Key: cápsulas ou comprimidos feitos à base de analgésico líquido para cavalo. Para o delegado Heliomar Franco, ela tem um dos efeitos mais preocupantes, pois provoca paralisia corporal, seguida de sensação de viagem fora do corpo e amnésia.
— Crystal ou ice: à base de metanfetamina, é muito usada nos Estados Unidos e, aos poucos, está chegando ao Brasil. Com alto potencial lesivo à saúde, deixa os usuários viciados em pouco tempo.
— Falsa heroína: em 2010, o delegado Luís Fernando Martins Oliveira, que atuava no Denarc, pensou estar diante da primeira apreensão de heroína no Estado. Descobriu uma jovem de classe média que enviava sacos plásticos contendo uma substância parecida com grão de areia para São Paulo. Análise laboratorial mostrou se tratar de dimetiltriptamina (DMT) — produto extraído da raiz da planta ayahuasca, utilizada em ritos da seita do Santo Daime. Além de ataques de pânico, a droga pode causar danos irreversíveis ao cérebro.
OS RISCOS DOS NOVOS ENTORPECENTES
— Podem matar, seja pelo efeito farmacológico, seja pelo estado mental alterado que induzem.
— São projetadas para que tenham o máximo de efeitos alucinógenos com o mínimo de efeitos colaterais. Pequenas modificações na sua estrutura já caracterizam uma droga diferente, o que dificulta a fiscalização.
— Muitas pessoas chegam às emergências e não recebem tratamento adequado porque médicos não conseguem identificar que substância foi utilizada.
— Conforme a pesquisadora do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas Lysa Remy, mortes estão ocorrendo em função destas drogas e poucas são documentadas.

ZERO HORA

quarta-feira, 16 de outubro de 2013


MACONHA NA ESCOLA.
Jairo Bouer - O Estado de S.Paulo
Uma nova pesquisa sobre comportamento jovem, divulgada no final de setembro, sugere uma relação entre consumo de maconha e um pior desempenho dos alunos na escola. 
O projeto Este Jovem Brasileiro, realizado desde 2006 pelo Portal Educacional, do Grupo Positivo, em escolas particulares, tem metodologia simples. Cada aluno responde a uma pesquisa online, no laboratório de informática, em condição de anonimato. Em 2013, as perguntas abordaram sexualidade, drogas, violência, emoções e uso de internet. Foram entrevistados 5.675 estudantes, do 8.º ano do fundamental até o 3.º ano do ensino médio de 67 escolas, em 16 Estados do Brasil.
A maconha já havia sido experimentada por quase 10%. O uso aumenta com a idade. Aos 13, 4% já tinham tido experiência com a droga e aos 17, 16%. Quase a metade dos que experimentaram teve o primeiro contato entre 14 e 15 anos, o que mostra a importância de discutir esse tema na escola ainda no ensino fundamental. Entre os que já tinham consumido maconha, 18% usaram todos os dias ou quase todos os dias no mês anterior à pesquisa. Outro estudo recente sobre o tema, o 2.º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, da Unifesp, feito em 149 municípios brasileiros em 2012, revelou que 4% dos jovens a partir dos 14 anos já tinham experimentado maconha.
Mas os números mais surpreendentes da pesquisa atual são os obtidos quando se cruzam os dados sobre emoções e rendimento na escola com os de uso de maconha. No total, 13% dos alunos entrevistados já haviam sido reprovados na escola. Entre os que já haviam experimentado maconha, esse número chega a 31%, ou seja, quase um em cada três. Outro dado chama a atenção: 48% dos alunos dizem ter dificuldade em manter concentração em sala de aula (talvez mais um reflexo da geração internet, que consegue executar tarefas distintas ao mesmo tempo, mas tem uma tremenda dificuldade em focar em um só estímulo). Entre os que já usaram maconha, essa dificuldade de concentração parece ser ainda maior: 63%. Já 35% dos alunos referem dificuldade para entender as aulas. Entre os que já usaram maconha, 51%.
Quando analisamos algumas emoções, os dados também chamam atenção. No total, 29% dizem se sentir tristes ou desanimados com frequência. Entre os que usaram maconha, o número sobe para 39%. Já 47% disseram se sentir ansiosos sem motivo aparente. No grupo com experiência com maconha, esse índice chega a 54%.
Embora a amostragem não seja representativa de todo o País (apenas escolas particulares participaram) e não tenha havido controle de todas as variáveis, os dados merecem uma avaliação mais cuidadosa, principalmente no momento em que países vizinhos e políticos no mundo todo discutem uma maior flexibilização nos controles de venda e consumo de maconha.
A pesquisa sugere uma possível relação entre consumo de maconha (principalmente no uso mais frequente) e um pior resultado nos estudos e, também, entre o uso da droga e dificuldades emocionais. Pela metodologia utilizada não se pode afirmar que é a maconha que causa queda no rendimento escolar e maior índice de reprovação. Talvez o uso dela seja maior justamente entre os alunos que já apresentavam mais dificuldades emocionais e pior desempenho escolar. Ela poderia estar sendo usada para aliviar, por exemplo, sintomas depressivos e ansiosos.
De qualquer forma, os dados apontam para a importância de se fazer um trabalho cuidadoso e permanente na escola de prevenção e informação sobre uso de drogas. Também mostram a necessidade de maior atenção aos jovens com dificuldades emocionais e de aprendizagem, já que eles podem estar em maior risco de consumo frequente de diversas substâncias (álcool, cigarro e maconha, entre outras).

terça-feira, 8 de outubro de 2013



AFINAL, CERVEJA É OU NÃO É BEBIDA ALCOÓLICA?
Meu amigo Outrem Ego tem várias teorias a respeito do funcionamento do mercado em  nossa sociedade capitalista. Uma delas diz respeito ao jogo das contradições e paradoxos. “É proposital”, diz ele. “Muitos dos mecanismos de comunicação implantados servem apenas para nos confundir e atordoar. Cansados, nós acabamos fazendo o que eles querem. E muitas vezes, o próprio Estado contribui para tanto”
Ele dá alguns exemplos. Veja este das pastas de dentes e seus anúncios: a Colgate diz que seu creme dental é “A marca nº 1 em recomendação dos dentistas”. A Sensodyne diz que “Nove entre dez dentistas recomendam Sensodyne”. A Oral B, por sua vez, para falar de sua pasta de dentes, diz que ela é “A mais usada pelos  dentistas”.
Ou seja, segundos esses fabricantes, os dentistas preferem Colgate, recomendam Sensodyne, mas somente usam Oral B.
Daí, com razão, indaga meu amigo: “Afinal, trata-se de publicidade  enganosa? Ou será que eles gostam de nos confundir? Ou, então, os dentistas é que são muito atrapalhados?”
Realmente.
Examinemos, agora, um outro caso, de maior complexidade e que tem consequências mais graves: o das bebidas alcóolicas.
A Lei Federal 9294/96, no seu art. 4º, fixou restrições ao uso e à publicidade de bebidas alcóolicas nesses termos: “Somente será permitida a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nas emissoras de rádio e televisão entre as vinte e uma e as seis horas”.
Essa lei, no entanto, no parágrafo único de seu artigo 1º, definiu que, para seus efeitos, as bebidas alcoólicas são “as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac”.
Ora, essa limitação deixou de fora do âmbito da lei muitos vinhos (que têm teor alcóolico abaixo dos 13 graus) e todas as cervejas, cujo teor alcóolico varia, como  regra, de 2,5 e 5 graus apenas. E é aqui no caso das cervejas que morava, como mora, o perigo.
Desde que eu era menor de idade, nós sabíamos que cerveja era bebida alcóolica. Mas, o que podemos fazer se o legislador diz que não?
Claro, vai se dizer que a cerveja não é bebida  alcoólica apenas para fins de publicidade na tevê. Sim, sim, bom argumento. Logo, cerveja é e também não é bebida alcóolica…
Vou agora ao ponto que aqui me interessa: o da publicidade. A Ambev lançou o movimento + ID: uma campanha publicitária para estimular que os vendedores de bebidas alcoólicas peçam o documento de identidade para os consumidores. O ícone está presente em várias peças e ações do “Programa Ambev de Consumo Responsável”. Como diz a empresa: “Lembrar que bebida alcoólica não é para menor de idade. Esta é a função do Movimento +ID”.
É importante notar que se trata de publicidade de cerveja. Aliás, a publicidade ao mesmo tempo fala da cerveja e da limitação, não deixando de fazer o anúncio da bebida. As imagens são bonitas, as pessoas idem (aliás, jovens de bem com a vida, divertindo-se como sempre) e chega um rapaz pedindo uma cerveja, momento em que o atendente pede o documento de identidade.   
Naturalmente, ninguém pode ser contra uma campanha que esclareça o que diz a lei… Quero dizer, junto com meu amigo Outrem Ego, mas o que diz mesmo a lei?
Se a própria Ambev reconhece que cerveja é bebida alcoólica, então, deveria deixar de fazer anúncios entre as 21 horas e as 6 horas da manhã. Ou não?
Esse tipo de “campanha” de engajamento traz várias vantagens de imagem para as empresas. De um lado, dão um  ar de respeito e interesse social por parte delas. De outro – como nesse caso do movimento +ID – ajudam a promover os produtos. Belas imagens que devem fazer os garotos de 17 anos ficarem torcendo para chegarem logo aos 18… Como perguntou meu amigo O. Ego: “Não seria muito mais producente e de interesse social simplesmente não fazer mais publicidade de cerveja no horário em que a maioria dos menores e adolescentes assiste à tevê?”.
Realmente.
Ou como diz a psicóloga Ilana Pinsky “qualquer pessoa que já tenha assistido a alguma propaganda de álcool na televisão brasileira, verifica a agressiva utilização da sexualidade nas propagandas, especialmente no caso da cerveja. Também é fácil verificar que os (muito) jovens são certamente alvos das propagandas, com temas evidentemente voltados a eles (ex: desenhos animados, festas rave, etc.). Além disso, as indústrias têm desenvolvido produtos voltados a essa faixa etária (os produtos “ice”, destilados misturados com refrigerantes ou sucos), e oferecido patrocínio a festas exclusivamente desse público-alvo (ex.: Skol Beats). Mas tão importante como as estratégias descritas acima, é a utilização do Brasil e de símbolos nacionais para a venda de álcool. Um exemplo bem recente e evidente dessa técnica ocorreu durante [a realização] Copa Mundial de Futebol, com a criação de uma tartaruga de desenho animado associada a uma marca de cerveja que foi denominada a “torcedora símbolo da seleção brasileira”. Algumas marcas de cachaça também têm se utilizado de características fortemente brasileiras, como o samba, para vender seus produtos”[i]
Realmente.
E, a propósito. Se a indústria cervejeira quisesse mesmo proteger os jovens de suas bebidas alcoólicas não contrataria seus ídolos para promovê-las, tais como Ronaldo (Brahma), Romário (Kaiser), Junior (Antártica), Cafu (Brahma), Gerson (Vila Rica). Nem fariam propagandas sexistas utilizando mulheres como objeto na maior parte dos comerciais, o que, além de tudo, colabora para  a manutenção do preconceito machista reinante na sociedade (o que também comprova, como eu já disse mais de uma vez, a falta de imaginação dos realizadores).
Engana-me que eu gosto!
Nem entrarei neste artigo na questão do álcool e direção de veículos. Certamente, para os bafômetros cerveja é sim bebida alcoólica. Então, se todo mundo sabe que para ser bebida alcoólica, basta ter algum teor alcoólico, como pode uma lei dizer que não?
Daí, se pode concluir que, segundo os fabricantes de cerveja, sua bebida é alcoólica. Porém, para a Lei Federal não é. Os fabricantes querem proteger os menores, mas fazem anúncios publicitários massivos nos horários em que os menores assistem tevê.
Assim, indago, parafraseando meu amigo Outrem Ego: “Afinal, trata-se de publicidade  enganosa? Ou será que eles gostam de nos confundir? Ou, então, os fabricantes de cervejas e os legisladores é que são muito atrapalhados?”

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

                               

Álcool é droga.

Cerveja, vinho, vodca, cachaça: bebidas vendidas e consumidas sem restrições, sob estímulo da mídia e com aceitação da sociedade. O que não está informado nos rótulos dessas garrafas e nas peças de publicidade com mulheres de biquíni e situações de descontração são os males associados ao seu consumo: doenças crônicas, dependência, acidentes de trânsito, violência urbana e doméstica. “O álcool não é percebido no imaginário social como droga”, alerta Edinilsa Ramos de Souza, pesquisadora do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Carelli (Claves/Ensp/Fiocruz).
Cerca de 4% das mortes no mundo são atribuídas a bebidas alcoólicas, superando as causadas por HIV/aids, violência e tuberculose, de acordo com o Relatório Global sobre Álcool e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OM S), de 2011. A OM S avalia que “o uso do álcool continua recebendo pouca atenção em termos de políticas públicas, incluindo as políticas de saúde”, apesar de ser o terceiro maior fator de risco para doenças e invalidez do mundo — em países em desenvolvimento, é o maior risco.
A bebida pode causar diretamente 60 tipos de doenças e lesões (cirrose, pancreatite, cânceres de cólon, reto, mama, laringe, fígado, esôfago, boca e faringe, transtornos mentais, epilepsia, hipertensão, diabetes, má formação de feto) e outras 200 indiretamente (é fator de risco para a transmissão de HIV/aids e tuberculose, por exemplo), além de estar associada a problemas sociais (homicídios, agressões, negligência contra crianças, acidentes de trânsito, faltas ao trabalho).

Bebendo mais e pior.

Metade dos brasileiros consome bebidas alcoólicas, identificou o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas 2012 (Lenad), realizado pelo Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (Inpad), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “O número de abstêmios se manteve estável, comparado com o do levantamento de 2006; o que vem mudando nesse período é a forma como os brasileiros bebem”, conta Clarice Sandi Madruga, coordenadora do Lenad.
A pesquisa, que ouviu 4.607 brasileiros acima de 14 anos em 149 municípios, registrou aumento de 20% na proporção de bebedores frequentes (que bebem uma vez por semana ou mais), de 45% em 2006 para 54% em 2012. As mulheres foram as que mais contribuíram para a subida do índice: 39% das bebedoras consumiam álcool com frequência em 2012, contra 29% em 2006.
Cresceu também o que os pesquisadores chamam de binge drinking, referindo-se à ingestão de grande quantidade de bebida alcoólica em curto espaço de tempo — quatro doses para mulheres e cinco doses para homens em até duas horas (uma dose é igual a uma lata de cerveja ou uma taça de vinho ou uma dose de destilado, por exemplo). Essa forma de beber foi relatada por 45% dos bebedores em 2006 e por 59% em 2012 — uma alta de 31%.
“Esse grupo é o que mais causa problemas à sociedade, por ser mais numeroso que o de dependentes. Não são doentes, mas adotam um padrão de uso do álcool associado a doenças crônicas e a comportamentos de risco, como dirigir embriagado”, comenta Clarice. A coordenadora do Lenad explica que a prática do binge drinking foi primeiramente detectada na Inglaterra: como os pubs fecham às 23h, os ingleses passaram a intercalar fermentado (cerveja) e destilado (vodca, tequila, uísque, licor) para sentir mais rapidamente o efeito entorpecente do álcool.

Mulheres são alvo.

Novamente, o levantamento detectou aumento maior dessa forma de beber entre as mulheres, de 36% para 49% das bebedoras — salto de 36%. A hipótese da pesquisadora para explicar o crescimento do consumo frequente e nocivo por elas é a expansão do mercado de bebidas voltadas para o público feminino, entre elas o ice, mistura de vodca com água gaseificada sabor limão, laranja ou abacaxi. “Acredito que tenha muito a ver com as campanhas publicitárias da indústria destinadas ao sexo feminino”, diz (ver matéria na pág. 16).
A alta no binge drinking também foi mais acentuada nas classes C (43%), D (43%) e E (48%), beneficiadas pelo crescimento econômico dos últimos anos. “Os brasileiros não começam a beber quando têm mais dinheiro, mas os que já bebiam passam a beber mais assim que a situação financeira melhora”, relaciona Clarice.
A dependência ou abuso de álcool atinge 11 milhões de pessoas no país ou 6,8% da população — entre os homens, a taxa chega a 10,5%. “Essa questão deveria receber mais atenção do governo, afinal leva-se em média 11 anos para se estabelecer dependência. É possível identificar precocemente os casos de uso abusivo e existem técnicas para intervenção precoce”, avalia Ana Regina Noto, coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Saúde e Uso de Substâncias (Nepsis), da Unifesp.

Custos para o SUS.

O álcool bate à porta do SUS via emergência: 16,3% dos atendimentos por acidentes e violências em serviços públicos de urgência e emergência em 2011 envolviam pessoas embriagadas, segundo o Inquérito Viva (Vigilância de Violências e Acidentes), do Ministério da Saúde, que ouviu 47 mil pessoas em 71 hospitais de todas as capitais e do Distrito Federal. O estudo aponta que 49% dos pacientes atendidos por terem sofrido agressão haviam bebido — a maioria homens com idade entre 20 e 39 anos (ver matéria na pág. 19). Também estavam alcoolizados 36,5% dos atendidos por lesão autoprovocada e 21,2% dos atendidos por acidente de trânsito.
“Existe um equívoco em termos de política pública, com o estabelecimento de prioridade para o combate ao crack, enquanto se permite a propaganda de outra droga”, analisa Ana Regina, para quem a política de álcool deveria seguir o bem-sucedido exemplo do tabaco, que teve como efeito a diminuição significativa de fumantes no Brasil (Radis 131), a partir do aumento de preços e da proibição de propaganda, entre outras medidas.
“Políticas de álcool são praticamente inexistentes no Brasil e as poucas leis que existem para regular a indústria não são bem aplicadas”, complementa o coordenador do Centro de Referência em Pesquisa, Intervenção e Avaliação em Álcool e Outras Drogas (Crepeia), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Telmo Ronzani (ver entrevista na pág. 24).
A elaboração da política de drogas brasileira cabe à Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), ligada ao Ministério da Justiça. Uma busca no site da Senad pode indicar qual é a dimensão do álcool nessa política, o resultado chama a atenção: a palavra álcool leva a 42 textos; crack leva a 125. No Ministério da Saúde, a ação relativa ao consumo de álcool é o tratamento de dependentes, nos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) (ver matéria na pág. 23).
“Há tolerância com o consumo de álcool no país, uma postura de aceitação, uma naturalização do beber, incorporado à nossa cultura”, observa o antropólogo Mauricio Fiore, pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Neip). “Metade da população brasileira consome bebidas alcoólicas com alguma frequência, sem que tenha percepção clara de que álcool também é droga: está no limiar entre droga, alimento e combustível da alegria”.
Fiore também cita as campanhas antitabagistas como exemplo a ser seguido: “O cigarro estava igualmente incorporado à cultura brasileira até o Estado começar a afirmar que era, sim, uma droga que provocava sérias consequências à saúde”. O antropólogo diz observar a construção de processo semelhante, de “desnaturalização do álcool”, no mundo. Mas ressalva que esse é mais lento do que o do tabaco, especialmente no Brasil. “Há alguma pressão por uma política pública mais clara, com limitação de venda e publicidade de bebidas, só que infelizmente não ganha velocidade”, diz.
Para a OMS, uma das maneiras mais efetivas de reduzir os problemas associados ao álcool é aumentar o preço das bebidas, a partir de taxação. “Análise recente de 112 estudos sobre o efeito do aumento de impostos nesse setor mostra que, quando as taxas aumentam, o consumo diminui, inclusive entre bebedores problemáticos e jovens”, informa o relatório global da organização. Outras medidas recomendadas são a implementação e a fiscalização de idade mínima para uso e de limites para beber e dirigir, juntamente com restrições à propaganda.
“O Brasil é um país desregulado nessa questão”, opina Clarice, ressaltando que a proibição de venda de álcool para menores de idade não é seguida e que falta regulação de pontos de venda e de publicidade. “Não à toa a AmBev (fabricante de bebidas) é a empresa que mais cresce no país, na ausência de limites para essa indústria”.
“Precisamos desnaturalizar, desbanalizar, tirar o consumo de álcool dessa posição de conforto, como parte da festa e da refeição, ingerido na frente de crianças e adolescentes como se não fosse uma droga”, defende Fiore. “Não se deve demonizar, porque isso não funciona, mas educar para o consumo com algum nível de controle, porque é uma droga”.
Autor: Bruno Dominguez, Elisa Batalha e Liseane Morosini