Internação involuntária
Darléa Zacharias
Muitas vezes nos perguntamos se estamos sendo duros
demais com nossos
adictos ao tomarmos
a decisão de interná-los; mas existe um momento em que precisamos ser firmes e fazer por eles
o que não conseguem fazer sozinhos.
Eu estou me
referindo ao dilema
que muitas vezes compartilhamos, ao levá-los, contra a própria vontade, às
internações involuntárias. Ao agirmos de
tal modo, poderemos nos sentir
o pior dos
seres humanos, covardes
e cruéis, mas não é bem assim. Sabemos que, embora não os compreendamos,
os amamos, e amá-los com todas as nossas
forças significa resguardá-los. Mesmo que não entendam
desta forma, mesmo
assim, precisamos fazê-lo
o quanto antes. Precisamos
urgentemente protegê-los deles mesmos.
Quando fui internada
contra minha própria vontade, no ano de 1998, só eu e Deus sabemos
o que senti naquele momento. Eu me senti
o pior dos seres humanos! Eu achava que
era uma vítima
da covardia e
de um grande complô. Eu achei que
a minha família havia desistido
de mim, e que me internar à força era uma boa forma de se livrarem do peso que
me tornei em suas vidas. O
tempo passou, eu fiquei limpa, amadureci, perdoei e fui perdoada e pude
ver, através dos olhos da recuperação, o quanto me amavam e como foi difícil
para eles tomarem a decisão de me internar
involuntariamente. Eu percebi
que agiram certo, na
hora certa e,
com firmeza, no momento mais crítico da minha
vida eles me resguardaram
das minhas insanidades e salvaram-me.
Olhar o ato da retirada de circulação de um adicto em plena
queda para a morte e
julgar um familiar que toma esta
complicada decisão é
fácil, mas somente quem
tem nas mãos uma
batata quente como
esta pode entender como
é torturante se
perguntar se está
fazendo a coisa certa ou não.
Anos mais tarde, passei pelo mesmo drama novamente, só que
desta vez em lados opostos da situação, e eu precisei optar pela mesma decisão
que minha família teve que tomar um dia,
em relação a mim. Eu vi o meu sobrinho que tanto amo
morrendo nas garras do crack, e coloquei em
prática a experiência
que eu mesma havia
vivido no passado e o internei
involuntariamente. Ele chorava, dizia que aquele lugar era horrível, que lá
usavam drogas e que ele era muito mal tratado. Eu precisei ser forte, pois eu
já conhecia muito bem aquele autopiedoso discurso. Muitas vezes eu
narrei a mesma história
na esperança de
que a minha família tivesse pena
de mim e me levasse para casa.
Por várias vezes durante as visitas voltei para casa
chorando, me perguntando se era verdade o que ele me dizia, mas qualquer coisa
que ele vivenciasse ali internado, seria melhor do que a morte que teimava em
levá-lo a céu aberto.
Eu me mantive firme em meus propósitos e ele ficou internado
por alguns meses. Quando saiu de lá, eu o levei imediatamente a uma reunião
de 12 passos,
e hoje, ele se
encontra limpo há 6 meses. Ele está trabalhando, se reformulando e
crescendo. Estancou o processo
obsessivo-compulsivo.
Imaginem se eu não tivesse
feito o que precisava ser feito, no momento certo? Hoje, estaríamos com
certeza, chorando a sua morte.
Sei que ele
não tinha sanidade
nem forças para
levar adiante o afastamento das drogas por si só, por isso, entrei
em ação.
Mesmo que meus planos e
minha decisão de interná-lo
não funcionassem, eu
precisava fazer a minha parte, pois a pior coisa que poderia acontecer,
seria perdê-lo e levar comigo, pela
vida inteira, a culpa por não tê-lo internado, mesmo contra própria
vontade. Precisei fazer o que era certo, mesmo que o machucasse demais, e tal
ato fosse de encontro a tudo que eu pensava e acreditava. Eu precisava rever os meus
conceitos de amor porque muito
pior do que deixá-lo na reabilitação, muito pior seria chorar a sua morte, sem
ao menos tentar de uma forma, drástica mas eficientemente capaz de ajudá-lo. Eu
precisava manter a minha mente aberta e ter a certeza que fiz a minha parte até
o fim e funcionou.
Sei que ele
não pararia de
usar se não
quisesse, mas tenho a consciência tranqüila de que fiz o que precisava
ser feito.
Hoje, agradeço imensamente
minha mãe e
meu ex-marido por terem feito por
mim o que eu não pude fazer.
"Amar
é abdicar de si mesmo e das próprias verdades.
É
fazer o que tiver que ser feito, é ter coragem para modificar aquelas coisas
que podemos com sabedoria.
É
colocar a razão em primeiro lugar,
e não agir
guiado pela emoção. Os
caminhos do coração
são tortuosos e
o da razão é, com certeza, sempre
o mais sensato."
Só por hoje!
Trecho do livro "Drogas: a apnéia da vida" ainda
em fase de edição.