segunda-feira, 16 de janeiro de 2012



Internação involuntária
 Darléa Zacharias
Muitas vezes nos perguntamos se estamos sendo duros demais  com  nossos  adictos  ao  tomarmos  a  decisão  de interná-los; mas  existe um momento  em que precisamos ser firmes e fazer por eles o que não conseguem fazer sozinhos.
Eu  estou  me  referindo  ao  dilema  que  muitas  vezes compartilhamos, ao  levá-los, contra a própria vontade, às internações  involuntárias. Ao agirmos de tal modo, poderemos  nos  sentir  o  pior  dos  seres  humanos,  covardes  e cruéis, mas não é bem assim. Sabemos que, embora não os compreendamos, os amamos, e amá-los com todas as nossas  forças  significa  resguardá-los. Mesmo que não  entendam  desta  forma,  mesmo  assim,  precisamos  fazê-lo  o quanto  antes. Precisamos urgentemente protegê-los deles mesmos.
Quando  fui  internada  contra minha  própria  vontade, no ano de 1998, só eu e Deus sabemos o que senti naquele momento. Eu me  senti o pior dos  seres humanos! Eu achava  que  era  uma  vítima  da  covardia  e  de  um  grande complô. Eu  achei que  a minha  família havia desistido de mim, e que me internar à força era uma boa forma de se livrarem do peso que me  tornei em  suas vidas. O  tempo passou, eu fiquei limpa, amadureci, perdoei e fui perdoada e pude ver, através dos olhos da recuperação, o quanto me amavam e como foi difícil para eles tomarem a decisão de me internar  involuntariamente.  Eu  percebi  que  agiram certo,  na  hora  certa  e,  com  firmeza,  no momento mais crítico  da minha  vida  eles me  resguardaram  das minhas insanidades e salvaram-me.
Olhar o ato da retirada de circulação de um adicto em plena queda para  a morte  e  julgar um  familiar que  toma esta  complicada  decisão  é  fácil, mas  somente  quem  tem nas  mãos  uma  batata  quente  como  esta  pode  entender como  é  torturante  se  perguntar  se  está  fazendo  a  coisa certa ou não.
Anos mais tarde, passei pelo mesmo drama novamente, só que desta vez em lados opostos da situação, e eu precisei optar pela mesma decisão que minha família  teve que tomar um dia, em  relação  a mim. Eu vi o meu sobrinho que tanto amo morrendo nas garras do crack, e coloquei em  prática  a  experiência  que  eu mesma  havia  vivido  no passado e o internei involuntariamente. Ele chorava, dizia que aquele lugar era horrível, que lá usavam drogas e que ele era muito mal tratado. Eu precisei ser forte, pois eu já conhecia muito bem aquele autopiedoso discurso. Muitas vezes  eu  narrei  a mesma  história  na  esperança  de  que  a minha família tivesse pena de mim e me levasse para casa.
Por várias vezes durante as visitas voltei para casa chorando, me perguntando se era verdade o que ele me dizia, mas qualquer coisa que ele vivenciasse ali internado, seria melhor do que a morte que teimava em levá-lo a céu aberto.
Eu me mantive firme em meus propósitos e ele ficou internado por alguns meses. Quando saiu de lá, eu o levei imediatamente a uma  reunião  de  12  passos,  e  hoje,  ele  se encontra limpo há 6 meses. Ele está trabalhando, se reformulando  e  crescendo.  Estancou o  processo  obsessivo-compulsivo.  Imaginem  se eu não  tivesse  feito o que precisava ser feito, no momento certo? Hoje, estaríamos com certeza, chorando a sua morte.
Sei  que  ele  não  tinha  sanidade  nem  forças  para  levar adiante o afastamento das drogas por si só, por isso, entrei em  ação.  Mesmo  que  meus  planos  e  minha  decisão  de interná-lo  não  funcionassem,  eu  precisava  fazer  a minha parte, pois a pior coisa que poderia acontecer, seria perdê-lo e  levar comigo, pela vida  inteira, a culpa por não  tê-lo internado, mesmo contra própria vontade. Precisei fazer o que era certo, mesmo que o machucasse demais, e tal ato fosse de encontro a tudo que eu pensava e acreditava. Eu precisava  rever os meus  conceitos de  amor porque muito pior do que deixá-lo na reabilitação, muito pior seria chorar a sua morte, sem ao menos tentar de uma forma, drástica mas eficientemente capaz de ajudá-lo. Eu precisava manter a minha mente aberta e ter a certeza que fiz a minha parte até o fim e funcionou.
Sei  que  ele  não  pararia  de  usar  se  não  quisesse, mas tenho a consciência tranqüila de que fiz o que precisava ser feito.
Hoje,  agradeço  imensamente  minha  mãe  e  meu  ex-marido por terem feito por mim o que eu não pude fazer.
"Amar é abdicar de si mesmo e das próprias verdades.
É fazer o que tiver que ser feito, é ter coragem para modificar aquelas coisas que podemos com sabedoria.
É colocar a  razão  em  primeiro  lugar,  e  não  agir  guiado  pela emoção. Os caminhos  do  coração  são  tortuosos  e  o  da razão é, com certeza, sempre o mais sensato."
Só por hoje!
Trecho do livro "Drogas: a apnéia da vida" ainda em fase de edição.

Nenhum comentário:

Postar um comentário