Lei contra as drogas: eis o caso mais escandaloso de manipulação da notícia em muitos anos. Ou: O poderoso lobby em favor da descriminação das drogas distorce um texto correto e mente sobre seu conteúdo.
Blog do Reinaldo Azevedo
Caros leitores e senhores deputados federais,
não tenho memória de assistir a tamanho espetáculo de manipulação, de mentiras orquestradas e de desinformação como o que envolve o projeto do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), que melhora, e muito!, a Lei Antidrogas no Brasil. Este post é longo, mas vai às minúcias da fraude em curso. Veículos de comunicação, algumas lideranças políticas, um site de petições… Toda essa gente se uniu, alguns por ideologia, outros por desinformação e outros ainda por picaretagem, para produzir ruído em vez de produzir informação.
Vamos a uma tarefa um tanto longa, mas necessária. É impressionante a força que tem, especialmente na imprensa, o lobby dos defensores da descriminação das drogas, muito especialmente da maconha. Não estranha quem sabe como e por quem são feitas as salsichas… Até aí, tudo bem! As pessoas têm o direito de dizer o que bem entendem — quero-me entre os defensores intransigentes da liberdade de opinião e de expressão. Mas ninguém tem o direito de mentir, de distorcer, de manipular os fatos só para facilitar a sua crítica. Aí é desonestidade intelectual das mais grosseiras. O deputado Osmar Terra (PMDB-RS) apresentou o Projeto de Lei 7663/2010, que muda a Lei 11.343, conhecida como Lei Antidrogas. Os links estão aí. Noto que Osmar Terra passou a apanhar ao mesmo tempo em que se escondia o texto dos leitores. O que propõe o deputado?
– a definição clara das esferas de competência de cada um dos três entes da federação: municípios, estados, união;
– endurece a pena para traficantes;
– distingue as drogas de maior risco daquelas de menor risco;
– inclui as comunidades terapêuticas na rede de atendimento público — ou o estado dispõe de uma rede de serviços?;
– define as circunstâncias das internações voluntária, involuntária e compulsória.
É o que está lá. Sei que dá trabalho ler o projeto. É preciso fazê-lo recorrendo à lei em vigor. É complicado. Teve início, então, um formidável show de desinformação. Até o jornal O Globo fez a respeito o editorial que certamente entrará para a antologia dos mais equivocados de sua história, forçando a mão e citando dados que esqueceram de acontecer. O último a engrossar o coro fora do tom e dos fatos foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Vênia máxima ao grande político, certamente falou sem ler. Passou adiante o peixe que lhe venderam embrulhado. Como a sua opinião sobre as drogas não reflete o seu lado mais iluminado, o conjunto resultou em mais desinformação.
Os picaretas e vigaristas costumam pegar carona na onda dos equivocados. O site de petições Avaaz, comandado por Pedro Abramovay — aquele rapaz que, quando no governo, propôs que não se prendam pequenos traficantes —, mantém uma no ar com a seguinte proposição (tudo em maiúsculas, no original): “DIGA NÃO AO PROJETO DE LEI QUE VAI MANDAR USUÁRIOS DE DROGAS PARA A CADEIA”. Abramovay já deixou claro que o Avaaz, no Brasil, tem lado e ideologia. Só prosperam as petições que contam com a concordância dos “sócios”. Aí vale tudo! Inclusive, percebo agora, a mentira mais descarada. Essa petição se refere ao projeto de Osmar Terra. ATENÇÃO! É MENTIRA QUE O PROJETO DO DEPUTADO PROPONHA CADEIA PARA USUÁRIOS DE DROGAS. Pior: a página que está no ar traz, como citação, um trecho do editorial do Globo.
Mentiras formidáveis começaram a ser atribuídas ao projeto:
– ele criaria um cadastro de usuários de drogas. Não cria!
– ele mandaria para a cadeia os usuários. Falso! Não manda!
– obrigaria diretores de escola a criar um cadastro de alunos usuários. Mentira também.
– aumentaria a pena de usuários — trata-se de um exagero ridículo, e direi por quê.
O texto já passou por todas as comissões da Câmara, inclusive a de Constituição e Justiça, e está pronta para ir a plenário. Boa parte do PT torce o nariz. FHC pediu para os tucanos repensarem e coisa e tal. E o que propõe Osmar Terra?
O que é tráfico? O que é consumo?
A palavra de ordem da militância em favor da descriminação das drogas é a distinção clara, na lei — com definição de quantidade da substância —, entre consumo é tráfico. Trata-se de uma trapaça intelectual e de um passo em direção não à descriminação do consumo, mas à legalização das drogas. Na base dessa proposição, está a avaliação bucéfala de que, se a repressão, até agora, não acabou com o tráfico, que tal tentar o contrário? Nem a epidemia do crack, com seus efeitos trágicos Brasil afora, convenceu essa gente de que precisamos de menos drogas circulando, não de mais. O projeto de lei de Osmar Terra continua a deixar a critério do juiz, pesadas todas as circunstâncias, a avaliação. E, sim, continua a considerar crime o consumo de drogas — SÓ QUE ESSE CONSUMIDOR NÃO SERÁ SUBMETIDO À PENA DE PRISÃO.
Os “bacanas” defendem que a lei estabeleça a quantidade do que é tráfico e do que é consumo. A turma que elaborou a proposta aloprada do novo Código Penal, que tramita no Senado, acha que, se o sujeito portar drogas para cinco dias, isso não deve ser considerado tráfico. O deputado petista Paulo Teixeira (SP) quer mais: 10 dias. Há viciados em crack que fumam até 10 pedras por dia. No país de Teixeira, se alguém for surpreendido com 100 pedras, isso é coisa só de consumidor, não de traficante. QUE DEPUTADO É FAVORÁVEL A ISSO? QUE MOSTREM A CARA!
Imaginem os nossos congressistas à volta de uma mesa a definir quantos gramas de maconha seria “normal” consumir num dia para, então, estabelecer os gramas de cinco ou dez dias… Deem uma única boa razão para que os traficantes não se aproveitassem dessa janela e mandassem seus “vapores” sair por aí com a quantidade “permitida”…
O projeto de Terra não faz essa distinção — e, entendo, nem deve. Seria a porta aberta para legalização do tráfico. Afinal, o deputado, que é médico, elaborou um projeto para combater as drogas, não para legalizá-las.
Manda usuário para a cadeia?
Trata-se de uma mentira estúpida, divulgada pelo site Avaaz e por outros que fazem a apologia da maconha. Em seu estupefaciente editorial de dezembro do ano passado, afirma o Globo:
“Em qualquer lista dos mais equivocados projetos em tramitação no Congresso, um, do deputado Osmar Terra (PMDBRS), ganharia destaque. E com méritos, porque trata de aumentar o castigo penal do usuário de drogas, na contramão da tendência correta de se descriminalizar o usuário, tratando-o como uma questão de saúde pública e não de polícia.”
Em qualquer lista dos mais equivocados editoriais do Globo, este ganha destaque, com méritos. Em primeiro lugar, porque basta ler o texto (o link vai acima) para constatar que ele não faz outra coisa a não ser tratar o viciado como uma questão de… saúde pública! Em segundo lugar, em que consiste o “aumento do castigo penal do usuário”? Explico.
O Artigo 28 da lei que está em vigência estabelece a seguinte pena para quem for flagrado consumindo maconha ou portando uma quantidade que o juiz não considera tráfico (prestem atenção!):
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Esses são os grandes sofrimentos a que são submetidos os consumidores de substâncias ilícitas. No caso dos incisos II e III, a obrigação deve ser cumprida por cinco meses. Havendo reincidência, dez. A suposta fúria punitiva de Terra estende o primeiro período para seis meses; o reincidente pode ser submetido à medida por pelo menos 12 meses, podendo chegar a 24, com restrições a frequentar determinados lugares.
E isso é tudo.
Aumenta a pena do traficante
O que o projeto de lei do deputado faz, isto sim, é aumentar a pena do traficante. E cria ainda uma espécie de hierarquia entre as drogas. As de maior potencial destrutivo podem ser um fator de aumento da pena. Para que se entenda direito a sua proposta, é preciso visitar os artigos 33 a 37 da atual lei, que me permito transcrever (NOTEM QUE TODOS ELES DIZEM RESPEITO À AÇÃO DE TRAFICANTES, NÃO DE USUÁRIOS) — segue em azul.
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I – importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
II – semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III – utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
§ 2o Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.
§ 3o Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.
§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. (Vide Resolução nº 5, de 2012)
Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.
Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.
Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa.
Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa.
Voltei
Muito bem. O Artigo 40 dessa lei estabelece quando as penas acima definidas podem ser acrescidas de um sexto a até dois terços (são os chamados fatores agravantes). Vejam se vocês discordam de alguma:
I – a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;
II – o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância;
III – a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
IV – o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;
V – caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;
VI – sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;
VII – o agente financiar ou custear a prática do crime.
Osmar Terra, esse homem malvado, acrescentou aos sete incisos acima mais dois. A pena também seria agravada quando:
VIII – o crime envolve drogas de alto poder de causar dependência, de acordo com a classificação prevista na alínea “c” do inciso I, do parágrafo único, do art. 1º desta Lei; e
IX – o crime envolve a mistura de drogas como forma de aumentar a capacidade de causar dependência.”
Terra é mesmo um homem mau!!!
O cadastro único dos usuários
Até eu cheguei a recear que houvesse mesmo na lei a proposta de criação de um cadastro único de usuários de drogas. Se houvesse, seria, obviamente, contra. Mas isso não está lá. É conversa mole. É papo furado. Contaram esse negócio para FHC, e ele acreditou. Ligou para deputados tucanos para fazer pressão.
Cadastro? Vamos ver o que vai no texto (em azul):
“§ 4º Todas as internações e altas de que trata esta Lei deverão ser registradas no Sistema Nacional de Informações sobre Drogas às quais terão acesso o Ministério Público, Conselhos de Políticas sobre Drogas e outros órgãos de fiscalização, na forma do regulamento.
§ 5º É garantido o sigilo das informações disponíveis no sistema e o acesso permitido apenas aos cadastrados e àqueles autorizados para o trato dessas informações, cuja inobservância fica sujeita ao disposto no Artigo 39-A desta lei”
ISSO É CADASTRO DE USUÁRIOS?
Ora, tenham a santa paciência! Reconhecendo-se que o estado tem a obrigação de tratar o dependente, reconhecendo-se que o programa precisa de acompanhamento, reconhecendo-se que é preciso avaliar se as medidas estão ou não adequadas, o que se pretende? Eu não gosto, deixo claro, é dos tais “outros órgãos de fiscalização”. Quais órgãos?
Quer dizer que devemos fazer uma política pública à matroca? Os bacanas que defendem o “uso medicinal” da maconha não querem ter até carteirinha? Não se trata de criar “cadastro de usuários”, mas de uma lista, então, de doentes. Não é esse o entendimento firmado sobre o assunto? Quer dizer que o estado pode ter listados os pacientes de câncer, de tuberculose, de hanseníase, mas não os das drogas? A gritaria trai má consciência e fraude intelectual: no fundo, essa gente acha que “ser drogado” é um direito, e o estado tem a obrigação de arcar permanentemente com os custos do tratamento, mas “sem controle”…
Internações
E há a grita também porque o projeto de lei disciplina, no que faz muito bem, as internações. Reproduzo o texto:
“Art. 23-A A internação de usuário ou dependente de drogas obedecerá ao seguinte:
I – será realizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina (CRM) do Estado onde se localize o estabelecimento no qual se dará a internação e com base na avaliação da equipe técnica;
II – ocorrerá em uma das seguintes situações:
a) internação voluntária: aquela que é consentida pela pessoa a ser internada;
b) internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
c) internação compulsória: aquela determinada pela
Justiça.
§ 1º A internação voluntária:
I – deve ser precedida da elaboração de documento que formalize, no momento da admissão, a vontade da pessoa que optou por esse regime de tratamento; e
II – seu término dar-se-á por determinação do médico responsável ou por solicitação escrita da pessoa que deseja interromper o tratamento.
§ 2º A internação involuntária:
I – deve ser precedida da elaboração de documento que formalize, no momento da admissão, a vontade da pessoa que solicita a internação; e
II – seu término dar-se-á por determinação do médico responsável ou por solicitação escrita de familiar, ou responsável legal.
§ 3º A internação compulsória é determinada, de acordo
com a legislação vigente, pelo juiz competente.
Comento
A internação compulsória já é possível na atual legislação. O texto não inova nesse particular. Em seu editorial de dezembro, escreve o Globo, num trecho notável que nega o que afirma:
“está provado que o sucesso em internações compulsórias ocorre apenas em 2% a 3% dos casos. Há situações em que não existe alternativa, e a coação serve para proteger o próprio drogado. Mas não pode ser a primeira e única alternativa. Portugal, um dos mais avançados na Europa na descriminalização, constata a queda no consumo de drogas.”
O projeto de Terra, obviamente, trata das situações em que não há alternativa. Sei que isso dispensa o jornal de apresentar, então, uma alternativa, mas deveria dizer o que há de errado com o projeto do deputado nesse particular. Ainda tratarei da grita contra as internações involuntárias, uma das faces mais perversas do suposto humanismo dos que querem descriminar ou legalizar as drogas. Há um indisfarçável traço de classe nessa história. Os pobres não têm como descansar, de vez em quando, em clínicas de bacanas. A alternativa é a sarjeta. Terra fez um projeto que integra a rede de tratamento a viciados no sistema público de saúde. Ora, se não for isso, será o quê? A turma do miolo mole da “antipsiquiatria” conseguiu acabar com as instituições públicas para internais doentes assim, quando o certo seria humanizá-las. Reitero que voltarei a esse particular em outros textos.
Caminhando para a conclusão
Eis aí. Essas são as grandes maldades do texto de Osmar Terra, que está sendo combatido com unhas, dentes e mentiras. É mentira, também, que o texto queira obrigar diretores de escola a denunciar alunos consumidores. Alguém sugeriu que os estabelecimentos de ensino fossem obrigadas a denunciar o tráfico em suas dependências ou algo assim — o que, parece-me, é obrigação de qualquer um, mas deve ficar fora dessa lei.
O texto de Terra está sendo tratado com óbvio preconceito e má vontade por aqueles que não concordam com ele — ou porque acham que o certo é descriminalizar, talvez legalizar, ou porque se oponham às internações. Que apontem, então, um caminho. Lá no Ministério da Justiça, parece, discute-se a possibilidade de oferecer maconha a viciados em crack, numa suposta estratégia de redução de danos… É um jeito de ver o mundo…
Encerro lembrando mais um trecho do editorial do Globo:
“Portugal, um dos mais avançados na Europa na descriminalização, constata a queda no consumo de drogas.” Seria bom para a tese se fosse verdade — além, claro!, de ser uma revolução na lógica. Pela primeira vez na história da humanidade, ao se facilitar enormemente a circulação de uma determinada substância, haveria queda da exposição das pessoas à dita- cuja. Os números de Portugal desmentem a afirmação, não eu. De resto, ainda que verdade fosse, seria uma mentira: a parte continental de Portugal, com o mar a oeste e ao sul, tem uma costa de 1.230 km apenas; ao norte e ao leste, um único vizinho: a Espanha. Banânia tem 9.230 km de litoral a serem vigiados e faz fronteira com nove países. Quatro deles são produtores de cocaína: Colômbia, Venezuela, Peru e Bolívia. E o Paraguai é origem de parte considerável na maconha que circula no Brasil. A população de Portugal inteiro é menor do que a da cidade de São Paulo.
Evoque-se, então, em nome da responsabilidade e da razoabilidade, um único país com características similares às do Brasil que tenha descriminado o consumo de drogas, e aí começaremos a conversar. O editorial do Globo, num dado momento, chega até a ter laivos de antiamericanismo: “A paquidérmica ONU, influenciada pelos Estados Unidos, defensores da militarização do problema da droga, apesar da legalização em alguns estados americanos, formalmente não se moveu.”
Meio tarde para enveredar por esse caminho, não?
Que os deputados votem com responsabilidade e sem temer a patrulha. E que votem no texto, não no que dizem estar no texto.
Texto publicado originalmente às 5h39
Por Reinaldo Azevedo