domingo, 28 de abril de 2013


Jovens e o desafio do álcool.
JAIRO BOUER - O Estado de S.Paulo.
"O que eu, pai ou mãe, devo fazer em relação ao fato de o meu filho, menor de idade, já beber?" Proibir radicalmente o consumo em casa e tentar vigiar 100% do tempo o comportamento dele em festas e baladas, ou pensar em alternativas para educar para o consumo responsável, mesmo antes dos 18?
Vamos aos fatos: o adolescente brasileiro de hoje já bebeu antes dos 18. Há poucas semanas, o Estado trouxe dados de uma nova pesquisa. A segunda edição do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas da Unifesp, de 2012, ainda não apresentou os números finais sobre os jovens (em fase de análise), mas em sua versão anterior, de 2006, já mostrava tendências bem claras. O início do contato com a bebida se dá de forma precoce, em torno dos 14 anos e, após cerca de 6 meses, o uso se torna regular para quase um terço dos jovens: 24% deles bebem pelo menos uma vez por mês e quase metade dos garotos bebe ao menos três doses.
Em um mundo ideal, os jovens não beberiam antes dos 18. Assim, estariam mais protegidos dos efeitos nocivos do álcool sobre um sistema nervoso ainda em desenvolvimento. Sabe-se que quanto mais cedo se dá o primeiro contato com a bebida, maiores as chances de o jovem evoluir para um padrão mais complicado de consumo, como o abuso (beber muito em um curto intervalo de tempo) e a dependência. Isso se dá tanto pela questões biológicas quanto pelas fragilidades emocionais dessa fase (insegurança, timidez, autoestima, entre outras).
Quanto mais tempo o jovem puder adiar o contato com álcool, melhor. Assim, começar a beber aos 18 é muito melhor do que aos 13 ou 15. Mas esperar que todos os jovens, com base no diálogo ou na proibição dos pais ou da lei, deixem de beber é acreditar em conto de fadas. Mesmo nos EUA, onde a idade legal é mais alta (aos 21) e a fiscalização mais severa, uma em cada quatro latinhas de cerveja é consumida por um adolescente.
Na última semana, o 1.º seminário brasileiro de resultados sobre iniciativas para redução do uso nocivo do álcool, que aconteceu na Faculdade de Medicina da USP, trouxe resultados bastante positivos. Iniciativas como a restrição de venda de bebidas para menores em algumas redes de supermercados e a nova lei de São Paulo, que proíbe não apenas a compra, mas o consumo de álcool por jovens em bares, boates e restaurantes, estão diminuindo a oferta de bebida para esse público.
Mas a demanda continua em alta! Pressionados pela cultura do beber, muito forte em nosso país, pela influência dos amigos, pela propaganda e pela urgência do momento, os jovens são "tentados" a experimentar. E, nessa situação, muitas vezes um gole ou outro não resolve. O "open bar" e o "beber até cair" parecem muito mais atraentes.
Do ponto de vista prático, é quase impossível impedir o contato do jovem com a bebida. Por mais que os pais proíbam o consumo em casa, é difícil um controle eficaz em todos os momentos de lazer, principalmente quando eles estão longe dos responsáveis. Outro dado interessante, trazido por uma série de pesquisas, é que o primeiro contato com bebida para uma parcela considerável dos jovens (de um terço até quase a metade deles, dependendo do trabalho) já se dá na casa de pais ou familiares.
Talvez o caminho, de fato, seja educar o jovem para o consumo. Isso não significa dar espuminha de cerveja ou vinho docinho para uma criança de 5 anos ir se "acostumando" com o álcool, como fazem de forma inadequada pais mal informados. Também não significa ter de dividir a cerveja ou a taça de espumante com o filho na hora da janta. Mas trazer para dentro essa discussão pode ser um caminho.
Assim, nas famílias em que os pais bebem, o início poderia ser eventualmente tolerado, desde que sob supervisão e atenção dos responsáveis. Isso não garante que, uma vez longe dos olhares atentos dos pais, eles nunca vão tomar um "porre," mas pode diminuir as chances de isso acontecer, já que eles teriam mais informações e experiência sobre a bebida. Proibidos pelos pais, eles talvez tenham de se "educar" na rua, ao sabor das pressões do grupo para que bebam mais e mais. Difícil escolha, mas, quando se trata de comportamento jovem, proibir quase sempre não é a melhor saída. Já conversar e negociar podem abrir uma possibilidade.


Brasil não está maduro para a descriminalização,
diz novo secretário nacional de drogas.
Jornal Extra Online - Globo
O secretário nacional de Políticas sobre Drogas, Vitore Maximiano Foto: Givaldo Barbosa / Agência O Globo
Vinicius Sassine - O Globo
BRASÍLIA — O defensor público de São Paulo Vitore André Zilio Maximiano assumiu a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), vinculada ao Ministério da Justiça, em meio a uma profusão de polêmicas. A chegada dele ao cargo na última segunda-feira, aliás, tem relação direta com uma dessas polêmicas: a pressão do Palácio do Planalto para que a Senad comece a liberar rapidamente os R$ 130 milhões reservados para comunidades terapêuticas religiosas, que abrigam dependentes químicos. A secretaria passou por uma debandada de técnicos, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) está esvaziado e um polêmico projeto de lei que altera a lei que instituiu o sistema de políticas públicas sobre drogas deve ser votado na Câmara nas próximas semanas. Soma-se a isso a análise do cenário de descriminalização dos usuários, um estudo em curso no próprio Conad.
 Vitore defende que a regulamentação das comunidades terapêuticas pode ser feita pelo próprio Executivo, sem a necessidade de uma alteração da lei. Ele também discorda da internação involuntária de dependentes nos moldes previstos no projeto. O novo secretário diz que vai dar continuidade à discussão sobre a descriminalização. Mas, para ele, o Brasil não tem condições por agora de alterar a lei e descriminalizar o usuário, como ocorreu em Portugal, onde a venda continua a se configurar tráfico e crime. “Sou antipático à repressão. No campo das drogas, acho que o usuário não deve ser tratado com repressão”, diz o secretário, que se define como “careta”: “Nunca usei drogas.” A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao GLOBO:
A ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, está fazendo reuniões interministeriais para tratar do projeto que prevê internações involuntárias de dependentes e novos financiamentos a comunidades terapêuticas. O senhor já tratou do assunto com a ministra?
Temos feito reuniões internas, no próprio Ministério da Justiça, e também a interface com os demais ministérios. Cada pasta tem apresentado seus pontos de divergência ou convergência. O projeto tem aspectos positivos, mas também aspectos preocupantes.
O senhor já esteve com a ministra?
Sim, houve uma reunião com todos, na segunda-feira (22).
A ministra vem defendendo o financiamento de comunidades terapêuticas com dinheiro público. O projeto de lei prevê quatro fontes de financiamento diferentes para essas entidades. Ela fez algum pedido nesse sentido?
Sobre esse assunto específico, não houve nenhuma abordagem. Outros pontos foram discutidos, como o acolhimento no âmbito das comunidades terapêuticas. Eu sei que a questão do financiamento é acompanhada de perto pelo governo. Não há dúvida de que existe uma rede que abarca as comunidades terapêuticas. Elas desempenham um importante trabalho. No que cabe à Senad, ao governo federal, o estímulo haverá, para que essa rede opere bem, ofereça serviços de qualidade.
A Senad concorda com a existência de quatro diferentes fontes de financiamento?
A Senad concorda em subsidiar financeiramente as comunidades terapêuticas que aqui se apresentarem e cumprirem as regras objetivas para a prestação desse serviço. Eu, pessoalmente, não conversei nada com a ministra sobre isso. A preocupação no projeto é que a Senad não seja o único agente financiador. Um aspecto positivo do projeto é tentar definir como deve ser o acolhimento numa comunidade. Mas a posição da Senad é contrária ao projeto, o que foi externado pelo próprio ministro da Justiça. Não vemos necessidade nos pontos que o projeto pretende mudar. A regulamentação das comunidades terapêuticas poderia ocorrer por meio de atos do Poder Executivo.
Então não há necessidade de um projeto de lei para essa regulamentação?
Não. Isso pode ser tratado no âmbito interno do Executivo. Mas se o projeto vingar e for transformado em lei, vamos seguir à risca.
Um grupo de trabalho no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) está discutindo o cenário de descriminalização do uso de drogas no Brasil. O colegiado está esvaziado, ainda não se reuniu neste ano. O que será feito em relação ao órgão?
Vamos retomar a agenda do Conad, travar todos os debates, editar as portarias e resoluções. A Senad não parou por conta dessas mudanças. O grupo de trabalho tem de concluir o relatório final. Não tenho a menor dificuldade em ouvir quem defende a repressão ao consumo de drogas e quem defende a descriminalização. A Senad tem de ouvir e apresentar possíveis políticas, mas não é ela que define as políticas. Quem define é a presidente, é o ministro. Com as recentes mudanças na legislação internacional, este é um cenário (o de descriminalização) que nós temos no mínimo que debater, com a comunidade científica, com a Polícia Federal, com os estados e a sociedade. Portugal descriminalizou o uso, mas é um país pequeno frente à extensão territorial do Brasil. Trata-se da mesma realidade lá e cá?
Há um pedido específico da presidente em relação a essa discussão sobre a descriminalização?
Hoje não há nenhum pedido do ministro, nenhuma ação em curso para que o governo apresente uma proposta de descriminalização. O que temos por obrigação e dever de ofício é estudar cenários, e seguiremos com essa análise. É preciso debater os efeitos da lei em curso, quais são os pontos positivos. Considero um ponto positivo, uma mudança radical, o fato de a Lei de Drogas deixar de prever pena privativa de liberdade em caso de porte. Depois de mais de seis anos, estamos experimentando os efeitos disso. E parece que caminhamos bem, ao deixar de tratar o usuário como um criminoso e vê-lo sob a atenção de saúde.
Haverá um prazo para que o grupo de trabalho apresente esses cenários?
Em respeito ao colegiado, os destinos do grupo de trabalho caberão ao Conad.
O senhor concorda, defende a descriminalização do uso de drogas no Brasil?
Sou antipático à repressão. No campo das drogas, acho que o usuário não deve ser tratado com repressão. Sou um entusiasta das penas alternativas, que permitem sanções sem a privação da liberdade.
A descriminalização do uso da maconha, como ocorre em Portugal, com a venda configurada como crime, é possível no Brasil?
O Brasil não está maduro para isso ainda. Esse debate tem de acontecer na sociedade brasileira e acredito que está acontecendo. O Brasil vai amadurecer bastante e vamos acompanhar o resultado em alguns anos. Não acho que essa decisão é pra já, não sei se vai acontecer. A Senad pode contribuir para esse debate sem um viés autoritário e sectário. Vamos chamar as polícias dos estados para debater. Grandes pensadores do país começam a levantar esse debate. Esse é o grande temor de todos nós. Tenho um filho de seis anos e desde já o grande medo que nos impõe é a questão das drogas. É um tema que causa intranquilidade em todos nós.
O projeto de lei a ser votado no plenário da Câmara é muito enfático em defesa das internações involuntárias. O que pensa a respeito?
A internação involuntária está acontecendo neste país e não há problemas com ela. Ela ocorre em São Paulo e conheço essa experiência. Familiares procuram a internação e o médico avalia o paciente. Este médico vai dizer se há necessidade ou não de internação, solicitada pela família. O problema está na internação compulsória, em que a Justiça decreta a a internação, sem a família solicitar, como vinha ocorrendo no Rio de Janeiro. É uma polêmica por si só. O Estado intervém na vida de uma pessoa, que não cometeu infração penal alguma, retira essa pessoa do seu convívio social, interna num hospital. Eu não gostaria de sofrer uma internação compulsória. O projeto não trata da compulsória, só da involuntária, mas precisa de mudanças. Tenho reservas com a previsão no projeto de que qualquer servidor público pode solicitar internação involuntária.
O senhor já experimentou alguma droga?
Não, nunca usei. Sou careta, do interior de São Paulo e de família católica. Aos 20 anos, já estava de terno e gravata na Faculdade de Direito.


Leia mais: http://extra.globo.com/noticias/brasil/brasil-nao-esta-maduro-para-descriminalizacao-diz-novo-secretario-nacional-de-drogas-8219229.html#ixzz2RfTgsoMd

quinta-feira, 25 de abril de 2013

 



Leigos

RUY CASTRO

Todo mundo no Brasil dá palpite sobre drogas: deputados, advogados, juízes, burocratas, ministros, "técnicos", leigos em geral e até um ex-presidente sem pauta. À menor solicitação empregam palavras que acabaram de aprender e não sabem direito o que significam, como dependência química ou síndrome de abstinência. Problemas como combate ao tráfico, internação, tratamento das vítimas do crack e outros são discutidos por seus aspectos legais, como se estes fossem os únicos que importassem.
Ao mesmo tempo, há duas categorias quase ausentes nessa discussão: os médicos (já que a dependência é uma doença, não um crime) e os dependentes que deixaram de usar drogas e adquiriram enorme tarimba a respeito (e nem por isso admitem ser chamados de ex-dependentes; são apenas dependentes que deixaram de usar drogas). Em algumas clínicas, os próprios médicos são esses dependentes, e quem pode saber mais do que eles?
Outro dia, sete ex-ministros da Justiça vieram a público pregar a descriminalização da maconha. Ótimo, é a visão jurídica. Mas, e a visão médica? Fiquei esperando pela opinião de sete ex-ministros da Saúde. Em vão. Talvez porque sejam igualmente leigos e, quando ministros, não se interessaram em se instruir sobre o assunto. Tivessem feito isto, a situação da droga no país estaria longe do atual descalabro.
Também há dias, alguém propôs que o período máximo para a "desintoxicação" em caso de internação involuntária fosse de 60 a 90 dias. Até pelo uso da palavra, vê-se o amadorismo da proposta. A "desintoxicação" é só a base da internação --depois é que o tratamento começa.
Um homem quase terminal como Michael Jackson, se chegasse a ser internado, poderia ter se "desintoxicado" em até menos tempo. Mas, se tratado a sério, não passaria menos de dois anos numa instituição.

segunda-feira, 22 de abril de 2013



Lei contra as drogas: eis o caso mais escandaloso de manipulação da notícia em muitos anos. Ou: O poderoso lobby em favor da descriminação das drogas distorce um texto correto e mente sobre seu conteúdo.
Blog do Reinaldo Azevedo

Caros leitores e senhores deputados federais,
não tenho memória de assistir a tamanho espetáculo de manipulação, de mentiras orquestradas e de desinformação como o que envolve o projeto do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), que melhora, e muito!, a Lei Antidrogas no Brasil. Este post é longo, mas vai às minúcias da fraude em curso. Veículos de comunicação, algumas lideranças políticas, um site de petições… Toda essa gente se uniu, alguns por ideologia, outros por desinformação e outros ainda por picaretagem, para produzir ruído em vez de produzir informação.
Vamos a uma tarefa um tanto longa, mas necessária. É impressionante a força que tem, especialmente na imprensa, o lobby dos defensores da descriminação das drogas, muito especialmente da maconha. Não estranha quem sabe como e por quem são feitas as salsichas… Até aí, tudo bem! As pessoas têm o direito de dizer o que bem entendem — quero-me entre os defensores intransigentes da liberdade de opinião e de expressão. Mas ninguém tem o direito de mentir, de distorcer, de manipular os fatos só para facilitar a sua crítica. Aí é desonestidade intelectual das mais grosseiras. O deputado Osmar Terra (PMDB-RS) apresentou o Projeto de Lei 7663/2010, que muda a Lei 11.343, conhecida como Lei Antidrogas. Os links estão aí. Noto que Osmar Terra passou a apanhar ao mesmo tempo em que se escondia o texto dos leitores. O que propõe o deputado?
– a definição clara das esferas de competência de cada um dos três entes da federação: municípios, estados, união;
– endurece a pena para traficantes;
– distingue as drogas de maior risco daquelas de menor risco;
– inclui as comunidades terapêuticas na rede de atendimento público — ou o estado dispõe de uma rede de serviços?;
– define as circunstâncias das internações voluntária, involuntária e compulsória.
É o que está lá. Sei que dá trabalho ler o projeto. É preciso fazê-lo recorrendo à lei em vigor. É complicado. Teve início, então, um formidável show de desinformação. Até o jornal O Globo fez a respeito o editorial que certamente entrará para a antologia dos mais equivocados de sua história, forçando a mão e citando dados que esqueceram de acontecer. O último a engrossar o coro fora do tom e dos fatos foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Vênia máxima ao grande político, certamente falou sem ler. Passou adiante o peixe que lhe venderam embrulhado. Como a sua opinião sobre as drogas não reflete o seu lado mais iluminado, o conjunto resultou em mais desinformação.
Os picaretas e vigaristas costumam pegar carona na onda dos equivocados. O site de petições Avaaz, comandado por Pedro Abramovay — aquele rapaz que, quando no governo, propôs que não se prendam pequenos traficantes —, mantém uma no ar com a seguinte proposição (tudo em maiúsculas, no original): “DIGA NÃO AO PROJETO DE LEI QUE VAI MANDAR USUÁRIOS DE DROGAS PARA A CADEIA”. Abramovay já deixou claro que o Avaaz, no Brasil, tem lado e ideologia. Só prosperam as petições que contam com a concordância dos “sócios”. Aí vale tudo! Inclusive, percebo agora, a mentira mais descarada. Essa petição se refere ao projeto de Osmar Terra. ATENÇÃO! É MENTIRA QUE O PROJETO DO DEPUTADO PROPONHA CADEIA PARA USUÁRIOS DE DROGAS. Pior: a página que está no ar traz, como citação, um trecho do editorial do Globo.
Mentiras formidáveis começaram a ser atribuídas ao projeto:
– ele criaria um cadastro de usuários de drogas. Não cria!
– ele mandaria para a cadeia os usuários. Falso! Não manda!
– obrigaria diretores de escola a criar um cadastro de alunos usuários. Mentira também.
– aumentaria a pena de usuários — trata-se de um exagero ridículo, e direi por quê.
O texto já passou por todas as comissões da Câmara, inclusive a de Constituição e Justiça, e está pronta para ir a plenário. Boa parte do PT torce o nariz. FHC pediu para os tucanos repensarem e coisa e tal. E o que propõe Osmar Terra?
O que é tráfico? O que é consumo?
A palavra de ordem da militância em favor da descriminação das drogas é a distinção clara, na lei — com definição de quantidade da substância —, entre consumo é tráfico. Trata-se de uma trapaça intelectual e de um passo em direção não à descriminação do consumo, mas à legalização das drogas. Na base dessa proposição, está a avaliação bucéfala de que, se a repressão, até agora, não acabou com o tráfico, que tal tentar o contrário? Nem a epidemia do crack, com seus efeitos trágicos Brasil afora, convenceu essa gente de que precisamos de menos drogas circulando, não de mais. O projeto de lei de Osmar Terra continua a deixar a critério do juiz, pesadas todas as circunstâncias, a avaliação. E, sim, continua a considerar crime o consumo de drogas — SÓ QUE ESSE CONSUMIDOR NÃO SERÁ SUBMETIDO À PENA DE PRISÃO.
Os “bacanas” defendem que a lei estabeleça a quantidade do que é tráfico e do que é consumo. A turma que elaborou a proposta aloprada do novo Código Penal, que tramita no Senado, acha que, se o sujeito portar drogas para cinco dias, isso não deve ser considerado tráfico. O deputado petista Paulo Teixeira (SP) quer mais: 10 dias. Há viciados em crack que fumam até 10 pedras por dia. No país de Teixeira, se alguém for surpreendido com 100 pedras, isso é coisa só de consumidor, não de traficante. QUE DEPUTADO É FAVORÁVEL A ISSO? QUE MOSTREM A CARA!
Imaginem os nossos congressistas à volta de uma mesa a definir quantos gramas de maconha seria “normal” consumir num dia para, então, estabelecer os gramas de cinco ou dez dias… Deem uma única boa razão para que os traficantes não se aproveitassem dessa janela e mandassem seus “vapores” sair por aí com a quantidade “permitida”…
O projeto de Terra não faz essa distinção — e, entendo, nem deve. Seria a porta aberta para legalização do tráfico. Afinal, o deputado, que é médico, elaborou um projeto para combater as drogas, não para legalizá-las.
Manda usuário para a cadeia?
Trata-se de uma mentira estúpida, divulgada pelo site Avaaz e por outros que fazem a apologia da maconha. Em seu estupefaciente editorial de dezembro do ano passado, afirma o Globo:
“Em qualquer lista dos mais equivocados projetos em tramitação no Congresso, um, do deputado Osmar Terra (PMDBRS), ganharia destaque. E com méritos, porque trata de aumentar o castigo penal do usuário de drogas, na contramão da tendência correta de se descriminalizar o usuário, tratando-o como uma questão de saúde pública e não de polícia.”
Em qualquer lista dos mais equivocados editoriais do Globo, este ganha destaque, com méritos. Em primeiro lugar, porque basta ler o texto (o link vai acima) para constatar que ele não faz outra coisa a não ser tratar o viciado como uma questão de… saúde pública! Em segundo lugar, em que consiste o “aumento do castigo penal do usuário”? Explico.
O Artigo 28 da lei que está em vigência estabelece a seguinte pena para quem for flagrado consumindo maconha ou portando uma quantidade que o juiz não considera tráfico (prestem atenção!):
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Esses são os grandes sofrimentos a que são submetidos os consumidores de substâncias ilícitas. No caso dos incisos II e III, a obrigação deve ser cumprida por cinco meses. Havendo reincidência, dez. A suposta fúria punitiva de Terra estende o primeiro período para seis meses; o reincidente pode ser submetido à medida por pelo menos 12 meses, podendo chegar a 24, com restrições a frequentar determinados lugares.
E isso é tudo.
Aumenta a pena do traficante
O que o projeto de lei do deputado faz, isto sim, é aumentar a pena do traficante. E cria ainda uma espécie de hierarquia entre as drogas. As de maior potencial destrutivo podem ser um fator de aumento da pena. Para que se entenda direito a sua proposta, é preciso visitar os artigos 33 a 37 da atual lei, que me permito transcrever (NOTEM QUE TODOS ELES DIZEM RESPEITO À AÇÃO DE TRAFICANTES, NÃO DE USUÁRIOS) — segue em azul.
Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1o  Nas mesmas penas incorre quem:
I – importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
II – semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III – utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
§ 2o  Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.
§ 3o  Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.
§ 4o  Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. (Vide Resolução nº 5, de 2012)
Art. 34.  Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.
Art. 35.  Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
Parágrafo único.  Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.
Art. 36.  Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa.
Art. 37.  Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa.
Voltei
Muito bem. O Artigo 40 dessa lei estabelece quando as penas acima definidas podem ser acrescidas de um sexto a até dois terços (são os chamados fatores agravantes). Vejam  se vocês discordam de alguma:
I – a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;
II – o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância;
III – a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
IV – o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;
V – caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;
VI – sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;
VII – o agente financiar ou custear a prática do crime.
Osmar Terra, esse homem malvado, acrescentou aos sete incisos acima mais dois. A pena também seria agravada quando:
VIII – o crime envolve drogas de alto poder de causar dependência, de acordo com a classificação prevista na alínea “c” do inciso I, do parágrafo único, do art. 1º desta Lei; e
IX – o crime envolve a mistura de drogas como forma de aumentar a capacidade de causar dependência.”
Terra é mesmo um homem mau!!!
O cadastro único dos usuários
Até eu cheguei a recear que houvesse mesmo na lei a proposta de criação de um cadastro único de usuários de drogas. Se houvesse, seria, obviamente, contra. Mas isso não está lá. É conversa mole. É papo furado. Contaram esse negócio para FHC, e ele acreditou. Ligou para deputados tucanos para fazer pressão.
Cadastro? Vamos ver o que vai no texto (em azul):
“§ 4º Todas as internações e altas de que trata esta Lei deverão ser registradas no Sistema Nacional de Informações sobre Drogas às quais terão acesso o Ministério Público, Conselhos de Políticas sobre Drogas e outros órgãos de fiscalização, na forma do regulamento.
§ 5º É garantido o sigilo das informações disponíveis no sistema e o acesso permitido apenas aos cadastrados e àqueles autorizados para o trato dessas informações, cuja inobservância fica sujeita ao disposto no Artigo 39-A desta lei”
ISSO É CADASTRO DE USUÁRIOS?
Ora, tenham a santa paciência! Reconhecendo-se que o estado tem a obrigação de tratar o dependente, reconhecendo-se que o programa precisa de acompanhamento, reconhecendo-se que é preciso avaliar se as medidas estão ou não adequadas, o que se pretende? Eu não gosto, deixo claro, é dos tais “outros órgãos de fiscalização”. Quais órgãos?
Quer dizer que devemos fazer uma política pública à matroca? Os bacanas que defendem o “uso medicinal” da maconha não querem ter até carteirinha? Não se trata de criar “cadastro de usuários”, mas de uma lista, então, de doentes. Não é esse o entendimento firmado sobre o assunto? Quer dizer que o estado pode ter listados os pacientes de câncer, de tuberculose, de hanseníase, mas não os das drogas? A gritaria trai má consciência e fraude intelectual: no fundo, essa gente acha que “ser drogado” é um direito, e o estado tem a obrigação de arcar permanentemente com os custos do tratamento, mas “sem controle”…
Internações
E há a grita também porque o projeto de lei disciplina, no que faz muito bem, as internações. Reproduzo o texto:
“Art. 23-A A internação de usuário ou dependente de drogas obedecerá ao seguinte:
I – será realizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina (CRM) do Estado onde se localize o estabelecimento no qual se dará a internação e com base na avaliação da equipe técnica;
II – ocorrerá em uma das seguintes situações:
a) internação voluntária: aquela que é consentida pela pessoa a ser internada;
b) internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
c) internação compulsória: aquela determinada pela
Justiça.
§ 1º A internação voluntária:
I – deve ser precedida da elaboração de documento que formalize, no momento da admissão, a vontade da pessoa que optou por esse regime de tratamento; e
II – seu término dar-se-á por determinação do médico responsável ou por solicitação escrita da pessoa que deseja interromper o tratamento.
§ 2º A internação involuntária:
I – deve ser precedida da elaboração de documento que formalize, no momento da admissão, a vontade da pessoa que solicita a internação; e
II – seu término dar-se-á por determinação do médico responsável ou por solicitação escrita de familiar, ou responsável legal.
§ 3º A internação compulsória é determinada, de acordo
com a legislação vigente, pelo juiz competente.
Comento
A internação compulsória já é possível na atual legislação. O texto não inova nesse particular. Em seu editorial de dezembro, escreve o Globo, num trecho notável que nega o que afirma:
“está provado que o sucesso em internações compulsórias ocorre apenas em 2% a 3% dos casos. Há situações em que não existe alternativa, e a coação serve para proteger o próprio drogado. Mas não pode ser a primeira e única alternativa. Portugal, um dos mais avançados na Europa na descriminalização, constata a queda no consumo de drogas.”
O projeto de Terra, obviamente, trata das situações em que não há alternativa. Sei que isso dispensa o jornal de apresentar, então, uma alternativa, mas deveria dizer o que há de errado com o projeto do deputado nesse particular. Ainda tratarei da grita contra as internações involuntárias, uma das faces mais perversas do suposto humanismo dos que querem descriminar ou legalizar as drogas. Há um indisfarçável traço de classe nessa história. Os pobres não têm como descansar, de vez em quando, em clínicas de bacanas. A alternativa é a sarjeta. Terra fez um projeto que integra a rede de tratamento a viciados no sistema público de saúde. Ora, se não for isso, será o quê? A turma do miolo mole da “antipsiquiatria” conseguiu acabar com as instituições públicas para internais doentes assim, quando o certo seria humanizá-las. Reitero que voltarei a esse particular em outros textos.
Caminhando para a conclusão
Eis aí. Essas são as grandes maldades do texto de Osmar Terra, que está sendo combatido com unhas, dentes e mentiras. É mentira, também, que o texto queira obrigar diretores de escola a denunciar alunos consumidores. Alguém sugeriu que os estabelecimentos de ensino fossem obrigadas a denunciar o tráfico em suas dependências ou algo assim — o que, parece-me, é obrigação de qualquer um, mas deve ficar fora dessa lei.
O texto de Terra está sendo tratado com óbvio preconceito e má vontade por aqueles que não concordam com ele — ou porque acham que o certo é descriminalizar, talvez legalizar, ou porque se oponham às internações. Que apontem, então, um caminho. Lá no Ministério da Justiça, parece, discute-se a possibilidade de oferecer maconha a viciados em crack, numa suposta estratégia de redução de danos… É um jeito de ver o mundo…
Encerro lembrando mais um trecho do editorial do Globo:
“Portugal, um dos mais avançados na Europa na descriminalização, constata a queda no consumo de drogas.” Seria bom para a tese se fosse verdade — além, claro!, de ser uma revolução na lógica. Pela primeira vez na história da humanidade, ao se facilitar enormemente a circulação de uma determinada substância, haveria queda da exposição das pessoas à dita- cuja. Os números de Portugal desmentem a afirmação, não eu. De resto, ainda que verdade fosse, seria uma mentira: a parte continental de Portugal, com o mar a oeste e ao sul, tem uma costa de 1.230 km apenas; ao norte e ao leste, um único vizinho: a Espanha. Banânia tem 9.230 km de litoral a serem vigiados e faz fronteira com nove países. Quatro deles são produtores de cocaína: Colômbia, Venezuela, Peru e Bolívia. E o Paraguai é origem de parte considerável na maconha que circula no Brasil. A população de Portugal inteiro é menor do que a da cidade de São Paulo.
Evoque-se, então, em nome da responsabilidade e da razoabilidade, um único país com características similares às do Brasil que tenha descriminado o consumo de drogas, e aí começaremos a conversar. O editorial do Globo, num dado momento, chega até a ter laivos de antiamericanismo: “A paquidérmica ONU, influenciada pelos Estados Unidos, defensores da militarização do problema da droga, apesar da legalização em alguns estados americanos, formalmente não se moveu.”
Meio tarde para enveredar por esse caminho, não?
Que os deputados votem com responsabilidade e sem temer a patrulha. E que votem no texto, não no que dizem estar no texto.

Texto publicado originalmente às 5h39
Por Reinaldo Azevedo


sábado, 20 de abril de 2013


Mulheres têm mais dificuldade para se tratar contra drogas, diz pesquisa.
Estudo foi desenvolvido por pesquisadora da USP de Ribeirão Preto (SP). Usuárias disseram se sentir envergonhadas ao procurar tratamento.
Do G1 Ribeirão e Franca
Pesquisa desenvolvida pela Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto revela que mulheres usuárias de cocaína e crack têm mais dificuldade para procurar tratamento contra o vício. A tese de doutorado da enfermeira psiquiátrica Josélia Carneiro Domingos foi realizada com 95 dependentes químicos atendidos pelo Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps-AD) de Ribeirão Preto - 42 de cocaína e 53 de crack. Entre as usuárias de cocaína, 71,4% procuraram tratamento por iniciativa própria. No caso das viciadas em crack, o índice diminiu, com 62% de procura voluntária.
"A mulher sofre um estigma social muito grande. O que a leva a buscar tratamento pode ser um situação de busca de vínculo perdido com os filhos ou pais, por exemplo. Muitas delas relataram que tinham vergonha por estar fazendo tratamento em local específico para dependentes químicos. Isso às vezes as constrangia", afirma Josélia.
O psicólogo do Caps-AD, Eber de Matos, explica que a resistência pela procura do tratamento deve-se à forma como a sociedade reage diante da mulher usuária de drogas. "A sociedade parece tolerar mais homens que bebam muito, que usem muitas drogas. Isso cria um problema para as mulheres, porque elas se envergonham mais desse uso do que o homem. Elas deixam de procurar ajuda porque supoem que serão estigmatizadas", diz.
Pensando no auxílio às mulheres dependentes, o Caps-AD criou há cinco anos espaços de tratamento destinados exclusivamente ao público feminino, como salas de discussão e oficinas. "As mulheres que chegavam ao Caps começavam a conversar entre si e passaram a se sentir mais acolhidas e mais à vontade para falar sobre família, filhos e o próprio problema da dependência", afirma Matos. Segundo o psicólogo, após a criação dos espaços, o número de mulheres que procura pelo serviço aumentou em cinco vezes.
Faixa etária
Além do direcionamento às mulheres dependentes, a pesquisa revelou que, entre os entrevistados, a incidência maior de crack está em pessoas entre 30 a 49 anos de idade. Já a cocaína atinge os mais jovens, na faixa etária entre 18 e 29 anos. Na maioria das vezes, segundo a pesquisa, os usuários sofrem com a falta de apoio da família para buscar tratamento.


Especialistas criticam eficácia de programa de redução de danos da Prefeitura de BH, que incentiva os dependentes a usar substâncias como álcool e tabaco para se livrar da pedra.
Jornal O Estado de Minas
Sandra Kiefer
O modelo da redução de danos proposto pela Prefeitura de Belo Horizonte, com incentivo ao uso de drogas lícitas por dependentes, como alternativa à internação compulsória adotada em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, divide especialistas da área. Como mostrou ontem reportagem do Estado de Minas, na capital mineira a administração defende a substituição progressiva do uso do crack por substâncias como álcool, tabaco, opiáceos e remédios controlados, até o paciente atingir a abstinência completa.
Robert William, presidente da organização não governamental Defesa Social, voltada para o atendimento a dependentes químicos, posiciona-se contra a política defendida pela PBH. “Atendi esta semana o caso de G., de 34 anos, usuária de crack há cinco anos. Ela contou que estava sendo atendida no Cersam-AD e que não quer ir mais para lá. Disse que as pessoas usam droga lá dentro e que tem até um estande com distribuição gratuita de cigarros. Falou que quer ajuda para se internar, mas não encontra vaga em BH”, afirmou. Segundo ele, no trabalho de abordagem da entidade nas ruas, os usuários de crack manifestam vontade de se internar, com raras exceções.
Para o psiquiatra forense Paulo Repsold, que acumula a diretoria financeira da Associação Médica de Minas Gerais e da Associação Mineira de Psiquiatria, a redução de danos não deveria ser aplicada ao crack, que está longe de ser uma droga consumida socialmente. “Com o crack, não há uso social, como aquele cara que toma sua cervejinha no fim de semana. A pessoa que usa 10 pedras não vai se contentar com uma só. Estou falando do dependente químico, que perde a vontade própria e se torna escravo da droga, com deterioração física e mental”, adverte.
Repsold avalia que as ações não estão ocorrendo de acordo com a rapidez e o tamanho que merece a população de BH. “Estamos travados diante de uma discussão ideológica, com pouco rigor científico”, critica. Para ele, é simples acabar com a epidemia do crack. “Não entendo por que nada acontece. É simples criar enfermarias, leitos em hospitais, fechar convênios com o terceiro setor. Mas é preciso gastar dinheiro, não dá para fazer uma omelete sem quebrar os ovos”, completa.
Para o administrador Marcelo Teixeira, secretário municipal de Saúde, Belo Horizonte não está paralisada em relação ao enfrentamento do crack, apesar de ainda haver entraves para a implantação do programa Crack: É Possível Vencer, pactuado com o governo federal. Segundo ele, a verba repassada pelo Ministério da Saúde a título de custeio de um Cersam-AD gira em torno de R$ 75 mil mensais, o equivalente a 29% dos R$ 260 mil necessários para as despesas. “Para decidir pela implantação de mais um Cersam-AD na capital, a prefeitura precisa assumir o restante dos gastos.”
Um deles, o Cersam-AD do Barreiro, será inaugurado este sábado, mas chegou a ser anunciado como certo para entrar em funcionamento no ano passado. Segundo Marcelo Teixeira, já estava tudo pronto para a inauguração da unidade, mas ela teve de ser adiada devido à campanha pela reeleição do prefeito Marcio Lacerda (PSB). “Cheguei a consultar a Procuradoria do Município e havia o risco de tornar o prefeito inelegível se fôssemos contratar novos profissionais da área de saúde no segundo semestre.”
Em 29 de junho de 2012, a prefeitura lançou o Projeto Recomeço, adequando-se ao programa do governo federal e ao projeto Aliança pela Vida, do estado. O projeto municipal prevê a inauguração de mais três Cersams-AD na capital. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, em junho virá o Cersam-AD da região Nordeste, que funcionará em local estratégico, nas proximidades da cracolândia da Lagoinha.

sexta-feira, 19 de abril de 2013


Senado aprova projeto que torna crime venda de bebida a menor.
GABRIELA GUERREIRO
DE BRASÍLIA


O Senado aprovou nesta terça-feira projeto que criminaliza a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, com pena de dois a quatro anos de detenção. Apesar de a venda de bebidas alcoólicas a crianças e adolescentes já ser proibida pela legislação, o projeto modifica o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) para explicitar o álcool como produto que causa dependência física e psíquica.
O estatuto criminaliza produtos com essa característica, mas não há menção específica em relação às bebidas alcoólicas. Por isso, em alguns casos, a Justiça determina manda aplicar para esses crimes a Lei de Contravenções Penais, que prevê penas mais brandas para a comercialização da bebida.
O projeto também fixa multa de R$ 3.000 a R$ 10 mil para os estabelecimentos comerciais que venderem bebida alcoólica a menores. O texto prevê que, enquanto a multa não for recolhida, o estabelecimento deve permanecer fechado.
Como o texto foi aprovado em caráter terminativo pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, segue para votação na Câmara dos Deputados --se não houver recurso para que seja analisado no plenário.
Autor do projeto, o senador Humberto Costa (PT-PE) diz que seu objetivo é solucionar a "controvérsia judicial" sobre as penas aplicadas para quem desrespeitar a legislação --se a venda da bebida deve ser tratada como contravenção ou crime.
"Essa medida será fundamental no combate ao consumo de bebida alcoólica, que ocorre cada dia mais cedo no país, contribuindo para a formação de uma sociedade mais dependente dessa substância", disse Costa.
Com base em estudo do Inpad (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas de Álcool e Outras Drogas), o senador disse que houve aumento de 20% na proporção frequente de pessoas consumidoras de bebidas alcoólicas que subiram de 45% para 54% entre 2006 e 2012.
"Os bebedores frequentes são aqueles que bebem uma vez por semana ou mais. São 11,7 milhões de pessoas no Brasil dependentes de álcool. O consumo excessivo da bebida provoca problemas sociais e de saúde para o consumidor, com reflexos negativos sobre a sua família e a sociedade", disse o senador.


Ocorrências de tráfico aumentam 154% em SP.

Última Instância - OPINIÕES
Luiz Flávio Gomes

Esse aumento poderia ser de 200, 300 ou 1.000%. O aumento do número de ocorrências (boletins elaborados sobre tráfico de drogas) fica sempre por conta de quanto a polícia quer prender e de quem ela quer prender. É só uma questão de planejamento e de vontade. Os presos são quase sempre das classes sociais baixas. Se a polícia (que exerce o efetivo poder punitivo) quiser aumentar assustadoramente o número de ocorrências, basta deliberar que vai prender também gente das classes sociais média e alta. Se ela quiser explodir os presídios paulistas só com traficantes, ela tem esse poder. O que não falta é gente envolvida com as drogas (de todas as camadas sociais).
Diariamente são praticados milhares atos que significam, pela lei ou pelo critério policial, traficância. Trata-se de um campo muito fértil para a fabricação de uma delinquência que não significa necessariamente criminalidade. Há muitos usuários que são enquadrados como traficantes. Os critérios legais (para a diferenciação) são bastante flácidos. Os pobres e desdentados, incultos e marginalizados, com frequência recebem o carimbo de traficantes. São delinquentes fabricados, que se distinguem muito do verdadeiro criminoso traficante (chamados de grandes traficantes, que raramente aparecem na estatística policial).
De acordo com a Secretária de Segurança Pública de São Paulo, o número de ocorrências por tráfico de entorpecentes no estado apresentou uma evolução de 154%, entre 2005 e 2012. Nesse período, 217.479 casos. O aumento das ocorrências (12,6%) não significa absolutamente nada para retratar a quantidade de movimentação das drogas, que aumenta a cada dia em razão da fortíssima demanda. Quase 8% da população brasileira já experimentou maconha e cerca de 3% (uns 5 milhões de pessoas) fazem uso frequente.
O tráfico constitui um grave problema de Segurança Pública, já que a ele estão associados uma gama enorme de outros crimes como homicídios, latrocínios, furtos, roubos, estupros e corrupção, transformando-se em causa e consequência de gravíssimos problemas sociais. A grande polêmica hoje, mundial, é se a maconha deve ou não ser legalizada (no Uruguai há proposta neste sentido).
Segundo a UNODC, estima-se que, da população mundial, que já atingiu 7 bilhões de pessoas, cerca de 230 milhões usam, pelo menos uma vez ao por ano, alguém tipo de droga. Isso representa cerca de 1 em cada 20 pessoas entre 15 e 64 anos, em todo mundo.
Apesar da forte política repressiva desencadeada pelos norte-americanos, nos anos 70, por razões, sobretudo, ideológicas (a droga foi vinculada com a juventude que poderia ser cooptada pelo regime comunista), o crime de tráfico de entorpecentes nunca diminuiu. O comunismo foi embora, o neoliberalismo norte-americano se difundiu pelo mundo todo e as drogas continuam firmes, porque há muita demanda. Conclusão: a única política eficiente nessa área é a preventiva. Assim como diminuíram os fumantes de tabaco, também é possível reduzir drasticamente o número de usuários de drogas: tudo é uma questão de educação e conscientização. Fora disso, a droga só gera desgraça para quem a usa, riqueza para alguns comerciantes dessa substância bastante apreciada e grande corrupção (dos órgãos repressivos).


Defensor público assumirá Secretaria Nacional de Drogas.
O Globo
Ministro da Justiça afirma que novo titular apóia financiamento de comunidades terapêuticas
Vinicius Sassine / Jailton de Cravalho.
José Gregori entrega documento assinado por ex-ministro dos governos FH e Lula ao ministro do STF Gilmar MendesGivaldo Barbosa / Givaldo Barbosa BRASÍLIA — O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, escolheu o novo secretário nacional de políticas sobre drogas e o nomeará ao cargo no início da próxima semana. Em entrevista ao GLOBO, o ministro revelou que o defensor público em São Paulo Vitore André Maximiano será o novo titular da secretaria, vinculada ao Ministério da Justiça. O anúncio da escolha foi feito no mesmo dia que reportagem do GLOBO revelou a pressão do Palácio do Planalto para que a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) libere R$ 130 milhões a comunidades terapêuticas, entidades vinculadas à Igreja Católica e a igrejas evangélicas que acolhem dependentes químicos.
Em meio à pressão, a secretária nacional Paulina do Carmo Duarte e dois diretores subordinados a ela decidiram deixar a secretaria, que vem sendo comandada por um interino. Para evitar a continuidade do esvaziamento da Senad, Cardozo escolheu o novo titular, que tem “concordância total” com o financiamento às comunidades terapêuticas e que se comprometeu em atender a recomendação de acelerar os repasses de dinheiro público.
— Já o conheço há muitos anos e a relação é de absoluta confiança. O novo secretário tem uma sensibilidade grande para esse assunto e concordância total com o plano e o papel das comunidades terapêuticas — disse Cardozo.
O ministro afirmou que Vitore foi um dos responsáveis por estruturar a Defensoria Pública em São Paulo.
Votação de projeto é novamente adiada
Cardozo reiterou que o Ministério da Justiça é contrário à aprovação do projeto de lei 7.663, de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), prestes a ser votado no plenário da Câmara. Segundo o ministro, a posição da pasta é a que está contida em nota técnica assinada por Paulina quando era secretária de Políticas sobre Drogas. Na nota, a então secretária critica a internação compulsória “indiscriminada” de dependentes.
O ministro da Justiça diz ter discutido alterações no texto com o autor do projeto de lei e faz referência à possibilidade de veto pela presidente Dilma Rousseff. A votação do projeto de lei estava prevista para ontem, mas a pressão de líderes partidários levou o presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), a não incluir a proposta na pauta. Henrique Alves diz ter conversado com a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, que o informou sobre uma reunião amanhã com e o relator do projeto, deputado Givaldo Carimbão (PSB-AL).
Manifesto pela descriminalização do consumo
Na segunda-feira, a assessoria da ministra afirmou que cabe à Secretaria de Relações Institucionais a discussão sobre o projeto de lei. Ontem, a assessoria disse que a ministra é convidada muitas vezes para essas discussões e que o assunto é de interesse da Casa Civil, que coordena o programa “Crack, é possível vencer”. Até o início da noite, segundo a assessoria, a reunião com Terra e Carimbão não constava da agenda da ministra.
Ontem, o ex-ministro da Justiça José Gregori entregou ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), manifesto pela descriminalização do consumo de drogas. O texto é assinado por seis ex-ministros da Justiça dos governo Lula e Fernando Henrique, entre eles o próprio Gregori. O documento deverá ser incluído no processo em que o STF deverá decidir sobre essa questão. Gilmar não fez comentários sobre o conteúdo do texto, mas disse que examinará as ponderações com a devida atenção.
“Considerando que o Brasil é um Estado constitucional fundado na dignidade humana e na pluralidade política, e que cada cidadão tem liberdade para construir seu próprio modo de vida desde que respeite o mesmo espaço dos demais, não é legítima a criminalização de comportamentos praticados dentro da esfera de intimidade do indivíduo, que não prejudique terceiros”, diz o texto assinado pelos ex-ministros Márcio Thomaz Bastos, José Carlos Dias, Miguel Reale Júnior, Aloysio Nunes Ferreira, Tarso Genro e Gregori.
Os ex-ministros argumentam que experiências em Portugal, Espanha, Colômbia, Argentina, Itália e Alemanha “demonstram que a descriminalização do uso de entorpecentes foi um importante passo para racionalizar uma política de combate ao narcotráfico”.

quinta-feira, 18 de abril de 2013


A batalha das garrafas.
Revista Galileu
Em público, fabricantes de bebidas alcoólicas dizem que querem limitar o consumo excessivo de álcool. Por trás dos panos, ignoram as melhores estratégias para fazer isso.
Imagine beber 33 litros de vodca. Não é fácil. Mas, no Reino Unido, essa é a quantidade de álcool que cada adulto consome por ano, em média. No Brasil, bebemos o equivalente a “só” 23 litros de destilado por ano. Dividindo o volume apenas pela metade de brasileiros que bebe, toma-se quase uma garrafa de cachaça por semana. Na Bósnia devem achar pouco. Seus bebedores consomem o álcool de 2,7 litros de pinga por semana.

Parece muito, e é mesmo. Segundo a OMS, o consumo abusivo de álcool mata 2,5 milhões de pessoas por ano, o dobro das vítimas do trânsito. O álcool em excesso é o terceiro maior fator de risco para a saúde — perde apenas para a pressão alta e o cigarro. O quadro é tão assustador que fez a OMS se mexer. Na verdade, até os produtores de bebidas alcoólicas, que faturam com elas cerca de US$ 1 trilhão por ano, admitem que o consumo abusivo é um problema e que eles têm dever de agir. Mas, nos bastidores, os dois grupos travam uma guerra pelo controle das políticas públicas de álcool.
O mantra dos produtores de álcool é “beba com responsabilidade”. Sua receita é uma mistura de moderação pessoal e autorregulamentação do setor: trabalhar com alcoolistas, lutar contra o álcool ao volante e adotar códigos voluntários para impedir os anúncios direcionados a crianças. Quem pode ser contra essas ideias?

O problema é que essas políticas não são as mais eficazes. Uma grande quantidade de pesquisas indica que as melhores estratégias são aquelas impostas por governos: aumento de preços, restrição da oferta e proibição de publicidade.

Um observador desatento poderia acreditar que essa guerra é balela. Em vez de confrontar a OMS diretamente, os produtores falam em termos de “responsabilidade social”. Eles também usam o linguajar científico, com foco especial em um centro de pesquisas em Washington chamado International Center for Alcohol Policies (ICAP, Centro Internacional de Políticas do Álcool). O órgão é financiado por alguns dos maiores produtores de bebidas alcoólicas do mundo.

Os críticos reclamam que as publicações do ICAP minimizam as evidências sobre preço e disponibilidade ou afirmam que os temas são controversos entre os pesquisadores quando, na verdade, não são. “Eles são especialistas em turvar a imagem científica”, diz David Jernigan, da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, nos EUA, que publicou recentemente uma análise crítica do trabalho científico do ICAP e suas estratégias utilizadas para influenciar políticas públicas.

A história parece familiar? São mais ou menos as mesmas táticas que a indústria tabagista desenvolveu para lutar contra as restrições de venda e publicidade de seus produtos, mas com uma diferença fundamental.

“A indústria do cigarro cometeu um erro tático enorme quando adotou a posição de que seus produtos não têm efeitos nocivos”, explica James Mosher, um consultor de políticas públicas do álcool em Felton, Califórnia. Essa abordagem saiu pela culatra na década de 1990, depois que estados americanos processaram as empresas de cigarro para recuperar os gastos com saúde causados pelo tabagismo. O processo revelou documentos internos que provavam que os executivos entendiam os fatos científicos perfeitamente bem, mas ainda assim adotaram uma estratégia agressiva de negação.

Os documentos também revelaram tentativas secretas de manipular a ciência, incluindo a contratação de consultores para publicar artigos favoráveis ao setor em revistas científicas e até mesmo a criação de uma sociedade dedicada a questionar evidências sobre o fumo passivo.

Em contraste com os segredos e mistérios da indústria tabagista, os produtores de bebidas alcoólicas reconhecem há muito tempo que o consumo excessivo pode ser nocivo e sempre deixaram claro seu apoio ao ICAP. Parece dar certo. Hoje, as empresas tabagistas são párias, mas os produtores de bebidas mantêm uma imagem pública positiva e influenciam muitos políticos poderosos.

Mas ainda temos motivo para nos preocupar. A posição do ICAP é claramente favorável ao setor. Jernigan reclama que as políticas de sucesso comprovado são negligenciadas. E eles nunca falam sobre a eficácia de aumentos de preços, restrições de disponibilidade e proibição de anúncios, por exemplo. Em vez disso, enfatizam a incerteza. Por exemplo, a análise do ICAP sobre impostos diz: “O impacto e a eficácia da tributação como política de saúde pública continuam a provocar debates”. Mas, quando é pressionado sobre o assunto, o ICAP não nega que aumentar taxas pode reduzir os efeitos sociais nocivos.

PREÇO ALÉM DA CONTA
Está claro que aumentar preço funciona, apesar de a tática funcionar menos entre quem mais abusa do álcool. É o que concluiu uma pesquisa que revisou 112 estudos sobre o tema, divulgada em 2009 na revista Addiction, uma das principais publicações sobre dependência do mundo.

Os controles de preço e disponibilidade funcionam bem porque limitam o consumo de álcool de forma geral, atrasando o avanço de doenças como a cirrose hepática entre os que mais bebem, ao mesmo tempo que impedem outros bebedores de adotarem níveis perigosos de uso.

Apesar das evidências científicas sobre a eficácia dessas medidas, os executivos do setor se esquivam delas. “Elas podem reduzir o consumo total, mas teriam impacto mínimo entre dependentes e menores”, defende Guy Smith, vice-presidente de relações corporativas da Diageo, a maior produtora de destilados do mundo.

Quando analisamos quem bebe e o quanto, não é surpresa que os fabricantes têm medo de políticas que limitem o consumo excessivo. “Eles basicamente vivem do uso abusivo”, afirma Jürgen Rehm, do Centre for Addiction and Mental Health, no Canadá. Na Grã-Bretanha, por exemplo, os 10% que mais bebem consomem cerca de 45% das bebidas alcoólicas vendidas no país; nos EUA, esse número pula para 55%.

Os ativistas da saúde pública estão especialmente preocupados com a influência do setor no Sul da Ásia, na África e na América Latina. Esses territórios representam a maior oportunidade de crescimento para os produtores de bebidas alcoólicas e são onde suas atividades de marketing e lobby não param de crescer. Comprovar uma relação entre elas e a promoção de políticas públicas que favorecem seus interesses é difícil, mas pelo menos um caso foi documentado.

Em 2008, Øystein Bakke e Dag Endal, membros da ONG norueguesa Forut, analisaram versões preliminares de políticas públicas sobre álcool sendo desenvolvidas em Botsuana, Lesoto, Uganda e Malawi. Em linhas gerais, os documentos seguiam as recomendações do ICAP e os textos eram incrivelmente semelhantes entre si. Em dois casos, os arquivos de Microsoft Word indicavam que o “autor” era Mitch Ramsey, gerente de políticas da filial africana da cervejaria SABMiller, um dos patrocinadores do ICAP. Os documentos praticamente ignoravam as políticas recomendadas pela OMS.

O caso pode ter envergonhado algumas pessoas e empresas, mas não impediu ninguém no setor de promover suas políticas preferidas. Com uma iniciativa chamada Ações Globais Contra o Abuso do Álcool, diversas das maiores empresas estão apoiando esforços liderados pelo ICAP para defender a autorregulamentação ao redor do mundo, incluindo grandes mercados emergentes como o Brasil, o México, a China e a Índia.

Os críticos temem que a posição dos fabricantes será dominante em muitos países. “Eles estão investindo recursos tremendos na promoção da autorregulamentação”, diz Thomas Babor, especialista em álcool e saúde pública da Universidade Connecticut, nos EUA. 
Por ora, os sinais mais animadores vêm de países que já colhem frutos devastadores de décadas de políticas públicas favoráveis ao setor. Um grande exemplo é a Escócia, onde o consumo dobrou nas últimas 5 décadas, à medida que o preço das bebidas alcoólicas caiu e os controles sobre vendas se reduziam. Os problemas de saúde relacionados ao álcool custam R$ 11,3 bilhões por ano, em um país com apenas 5,25 milhões de habitantes. “Em 1960, a Escócia tinha um dos menores índices de morte por cirrose hepática da Europa Ocidental. Hoje, temos um dos maiores”, diz Evelyn Gillan, da Alcohol Focus Scotland.

Agora, em uma decisão corajosa, o governo escocês pretende impôr um preço mínimo de R$ 1,57 por cada 10 ml de álcool a partir de abril — cada latinha de uma cerveja regular custaria no mínimo R$ 2,79 e um litro de vodca, R$ 63. De acordo com as simulações econômicas produzidas por uma equipe da Universidade de Sheffield, Grã-Bretanha, a medida reduziria o consumo geral em 5,7%.

O uso de preços mínimos tem uma vantagem crucial em relação ao aumento de taxas: parte dos impostos pode ser absorvida por produtores e varejistas, mas a estratégia do preço mínimo sacrifica necessariamente o bolso do consumidor.

É claro que a medida já enfrenta processos judiciais de organizações ligadas aos fabricantes, como a Associação Escocesa de Uísque. Em sua defesa, elas questionam as evidências de que os preços mínimos reduzem o consumo e dizem que o projeto de lei viola a legislação de livre concorrência da União Europeia. A primeira audiência aconteceu em 15 de janeiro e a briga deve se arrastar por alguns meses. No mínimo, vai atrasar os planos do governo escocês.

Mas a ideia fundamental já se espalhou: o primeiro-ministro britânico, David Cameron, já se manifestou a favor de adotar a medida em todo o Reino Unido, caso ela seja aprovada nos tribunais escoceses. A Irlanda também afirmou que pretende seguir o exemplo escocês. E o resto do mundo está de olho. A saúde de milhões de pessoas pode depender do resultado.
 Joe Camel sabia pegar os jovens. O personagem de desenho era a imagem pública dos cigarros Camel, abandonado em 1997 pela empresa tabagista R. J. Reynolds devido a processos judiciais e críticas de que Joe fora criado para atrair os consumidores infantis. Agora, argumentos parecidos atacam a venda de bebidas alcoólicas, especialmente as com sabor, como as do tipo “ice”. Críticos afirmam que elas atraem bebedores menores de idade, que depois transferem sua lealdade para marcas relacionadas.

Uma marca-alvo de muitas investigações é a Smirnoff Ice, da Diageo. As vendas de vodca Smirnoff deram um salto após o lançamento da Ice, em 1999, mas a Diageo nega a sugestão de que o produto é anunciado para bebedores menores de idade. “A Diageo não anuncia para menores de idade”, diz Guy Smith, vice-presidente executivo de relações corporativas da empresa.

James Mosher, consultor em políticas públicas do álcool que atua na Califórnia (EUA), analisou o marketing da marca e cita evidências de que, em 2005, mais de 10% dos anúncios de TV da Smirnoff Ice e da vodca Smirnoff nos EUA foram veiculados em programas com 30% ou mais de audiência infanto-juvenil.

Mas, agora que o foco está passando para as mídias sociais, esse debate pode já estar defasado. Em 2011, por exemplo, a Diageo creditou sua "parceria estratégica" com o Facebook pelo aumento de 20% nas vendas de cinco grandes marcas nos EUA.

"O uso de novas mídias é preocupante devido ao seu apelo para o público jovem e a relativa falta de regulamentação", conclui um relatório de 2010 do Institute for Social Marketing da Universidade de Stirling, Grã-Bretanha.



Deputado critica apoio de ex-ministros à descriminalização de drogas.
O autor do projeto que altera a lei antidrogas, deputado Osmar Terra (PMDB-RS), considerou nesta terça-feira “inócua” a ação de sete ex-ministros da Justiça que decidiram apoiar a campanha a favor da descriminalização do porte de droga para consumo próprio. Para o deputado, o ato não ajuda a resolver o problema e ainda “joga contra” o combate às drogas.
“É um ato inócuo, que não ajuda a resolver os problemas, aliás, é importante saber o que esses ex-ministros fizeram quando eram ministros para enfrentar esse problema. Acho que estamos vivendo hoje a falta de ação de governos”, disse Terra.
 Segundo ele, a presidente Dilma Rousseff vem tentando implementar programas de combate às drogas, principalmente ao crack, mas enfrenta resistências dentro do próprio governo. “A presidenta foi a primeira a fazer um programa abrangente que é o Crack é Possível Vencer, mas ela tem resistências internas. O primeiro escalão do Ministério da Saúde e o segundo escalão do Ministério da Justiça são a favor da liberação das drogas. Então, eles jogam contra (o combate às drogas)”, analisou.
 Apesar de enfrentar resistências, em especial à proposta de internação involuntária de usuários, Osmar Terra avaliou que é necessário votar a proposta de atualização da lei antidrogas. “Precisamos de um corpo legal, de leis que representem a vontade da população. Maioria no Congresso, consenso, não vai ter nunca. Mas são questões que têm que ser resolvidas no voto, no plenário.”
 Pronto para ser votado pelo plenário da Câmara, o projeto que altera a atual lei antidrogas prevê o aumento da pena para o tráfico, a possibilidade de internação involuntária de usuários a pedido da família e a isenção fiscal às empresas que derem emprego a dependentes químicos em recuperação. A proposta também obriga as empresas a ofertarem vagas para ex-usuários em todos os contratos fechados com recursos públicos.
 O texto, que pode ser colocado em votação na tarde de hoje, prevê também a responsabilização administrativa dos três níveis de governo: o municipal fará a prevenção; o estadual, o atendimento e a repressão e o federal, as ações de atendimento e repressão de maior complexidade. Também fazem parte das mudanças a criação do Sistema Nacional de Avaliação e Monitoramento e a maior taxação de cigarros e bebidas para auxiliar no financiamento.

Agência Brasil


Política antidrogas do Brasil não é eficiente, diz ex-ministro da Justiça.
Débora Zampier
Repórter da Agência Brasil
Brasília – O ex-ministro da Justiça José Gregori, que atuou no segundo mandato do então presidente Fernando Henrique Cardoso, disse hoje (16) que a atual política brasileira antidrogas não é eficiente para evitar a adesão de novos consumidores, especialmente jovens. Ele falou com jornalistas antes de audiência com o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que relata processo sobre o tema.
Na segunda-feira (15), sete ex-ministros da Justiça das gestões FHC e Luiz Inácio Lula da Silva encaminharam ofício ao STF apoiando o fim da punição a usuários que portam drogas para consumo próprio. Além de Gregori, também assinaram o documento Nelson Jobim, José Carlos Dias, Aloysio Nunes, Miguel Reale Júnior, Márcio Thomaz Bastos e Tarso Genro.
De acordo com Gregori, o Brasil avançou em 2006 ao aprovar a primeira Lei Antidrogas, mas falhou ao manter uma estrutura policialesca em relação aos dependentes. “A juventude fica ainda menos acessível quando se tem uma receita impositiva, uma receita policial, para querer tirar de um mau encaminhamento que ele [o jovem] deu para a vida”.
O ex-ministro disse que todos os signatários ficaram insatisfeitos com as políticas sobre drogas em vigor durante suas gestões, mas que agora o país está mais preparado para discutir o tema. “O fato de as estatísticas criminais serem tão altas mostra que temos que reavaliar políticas, e sem dúvida uma questão muito sensível à violência é a questão das drogas”, disse.
Gregori defende a revogação da prerrogativa policial de determinar quais são as quantidades para consumo próprio e para tráfico. Ele acredita que o STF pode explicitar esses limites ao julgar processo sobre o tema. Para o ex-ministro, a manifestação da Corte não seria uma atuação legislativa indevida no momento em que o Congresso discute alterações na Lei Antidrogas de 2006.
Gregori acredita que a liberação do porte de drogas para uso próprio não aumentará o consumo e o tráfico no país, pois o Estado dará outro tratamento ao dependente. “Ele vai se convencer de que realmente a mão que está chegando perto dele é uma mão para ajudá-lo, não como agora, que é uma mão para puni-lo, para discriminá-lo, para marginalizá-lo. Então não temos dúvida de que vai diminuir o consumo”.
Gregori também acredita que a descriminalização do porte de drogas não é um caminho automático para a liberação do fornecimento de determinados entorpecentes mais leves, como já ocorre em alguns países. Segundo ele, as melhores estatísticas em experiências antidrogas passam apenas pela descriminalização do porte.
Perguntado se a inovação autorizaria usuários a produzir sua própria droga, como plantar maconha em casa, o ministro afirmou que isso seria possível dentro do novo contexto pleiteado no STF. “Qualquer problema de utilização de drogas, seja que ele [o usuário] comprou ou que ele produziu, vai ficar debaixo do mesmo guarda-chuva, vai obedecer essa nova ótica”.
Edição: Fernando Fraga
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terça-feira, 16 de abril de 2013

 

Nova droga sintética chega às baladas do Vale.

Agência O Vale
Delegado alerta: antes restrita à capital, metanfetamina já é achada em casas noturnas da região. 

Globos espelhados, luzes coloridas e pista de dança lotada. A euforia toma conta das casas noturnas frequentadas pela nata da sociedade. Mas a festa das classes A e B foi invadida por uma nova droga, com um altíssimo poder de destruição: a metanfetamina.
A substância, tão ou mais devastadora do que o crack, já circula em boates do Vale do Paraíba. O delegado do Denarc (Departamento de Investigações sobre Narcóticos), Reinaldo Correa, explica que a novidade chegou este ano à região. Antes, ficava restrita às baladas da capital paulista.
O alto custo da droga -- que varia entre R$ 70 e R$ 200, deixa o produto restrito aos jovens de alto poder aquisitivo. Vendida em formato de comprimido, pó ou até mesmo pedra, ela apresenta um grande potencial de dependência química.
Euforia/ O efeito provocado pela metanfetamina chega a durar 20 horas no usuário.
"A droga causa a mesma sensação do ecstasy, que é uma droga sintética. Quem experimenta a metanfetamina fica eufórico, sem cansaço, com a autoestima lá em cima e com muito apetite sexual. Depois que o efeito passa, vem um grande sentimento de depressão", disse o delegado.
Segundo ele, o uso crônico nova droga torna o usuário mais violento, principalmente quando têm delírios, semelhantes às paranóias apresentadas pelos usuários de crack.
A metanfetamina era usada para tratar problemas de déficit de atenção até julho do ano passado, quando se tornou proibida pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Fruto do seu mau uso na noite paulistana.
O médico Marcelo Ribeiro, especialista em dependência química, explica que o consumo pode levar ao suicídio em casos extremos. Ele desenvolveu um estudo sobre esse tipo de anfetamina.
Social/ "Pessoas que querem melhorar o desempenho social usam anfetaminas", disse. "A tentativa de abandonar ou diminuir o uso resulta em depressão. O uso crônico torna a pessoa distante da realidade. Pode haver suicídio decorrente do uso ou da depressão."
 
Traficante é rico, jovem e popular
Jovem, rico e popular entre os frequentadores de balada. Este é o perfil do traficante de metanfetamina, segundo o delegado do Denarc, Reinado Correa. De acordo com ele, o vendedor da droga costuma ser 'playboy' --gíria usada para o rapaz que tem dinheiro e anda com roupas da moda.
O delegado ainda destaca que prendê-lo nem sempre é uma tarefa fácil para a polícia.
"Essas drogas são vendidas no interior da balada, que é um lugar muito escuro e de difícil acesso. Para conseguir encontrar metanfetamina, os policiais precisariam entrar na casa noturna, pedir para acender as luzes e ir procurando. Quem vai permitir que isso aconteça?", perguntou o delegado.

Por conta dessas dificuldades, a polícia não registrou apreensões da droga na região nos últimos meses.
Polícia/ Houve apenas apreensão de ecstasy, uma droga parecida. Em outubro do ano passado, por exemplo, a Polícia Militar fechou um laboratório do tráfico no Residencial Righi, zona leste de São José dos Campos. No local havia 310 comprimidos de ecstasy.

EFEITOS DA DROGA
Depressão
A droga, que no início causa euforia, provoca depressão no usuário logo após o efeito da substância química passar.
Violência
O uso crônico torna o usuário mais violento, principalmente quando têm delírios, semelhantes às paranoias apresentadas pelos usuários de crack.
Aparência
O uso crônico torna a pessoa distante da realidade, irritada e impulsiva, descuidada da aparência es compromissos.
Corpo
Feridas e cicatrizes começam a aparecer. A droga tira o apetite, o que leva o viciado à desnutrição. O dente perde o esmalte e a gengiva fica destruída