Os
caminhos da cocaína que sai do Brasil para a Europa 13.
UOL Notícias - Clarissa
Neher
Polícia Rodoviária Federal
apreende em carretas centenas de quilos de cocaína e de maconha, em Alto
Paraíso (PR)
Facções criminosas
brasileiras lutam pelo controle de um mercado crescente, que movimenta bilhões
de reais, tem participação do crime organizado de vários países e conta com
rotas complexas por terra, ar e mar.
A onda de violência em
penitenciárias, que deixou mais de cem mortos em motins no Norte e Nordeste do
país no início deste ano, chamou a atenção para a força do narcotráfico no
Brasil e para a guerra travada pelas facções pelo controle de um mercado
crescente, estimado em bilhões de reais.
Nos últimos anos, o Brasil
se tornou o principal país de trânsito para o escoamento da cocaína
sul-americana para a Europa – a droga que vai para os EUA, outro grande
mercado, passa sobretudo pela América Central.
Segundo levantamento de
2016 da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, a cocaína movimenta,
por ano, R$ 4,6 bilhões no Brasil. "Há dez anos, o comércio entre a
América do Sul e a Europa vem crescendo, e os traficantes usam essa
oportunidade para esconder a cocaína entre as mercadorias", afirma Laurent
Laniel, analista do setor de mercados, crimes e redução de fornecimento do
Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (EMCDDA).
Até 2008, a Venezuela era o
principal país de trânsito da cocaína rumo à Europa, com 51% do volume
transportado, como mostrou o relatório anual do Escritório das Nações Unidas
sobre Drogas e Crimes (UNODC), publicado em 2010. Na época, o Brasil era responsável
por apenas 10% do tráfico marítimo. Com o declínio da produção na Colômbia,
maior produtora mundial, e o aumento na Bolívia e no Peru, o Brasil foi
ganhando destaque nesse mercado ilegal.
Em 2012, a UNODC já
indicava uma possível mudança nas rotas do tráfico, incluindo a África como
ponto de trânsito. "Nesta época, a mudança indicava um controle maior na
rota do Caribe, o que dificultou o transporte por lá. A África Ocidental é
muito próxima da América do Sul, e a situação política em vários países da
região facilitava o suborno de autoridades para que a mercadoria desembarcasse
livremente", diz Judith Vorrath, pesquisadora do Instituto Alemão para
Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP).
Em 2015, a UNODC apontou o
Brasil como a principal porta de saída na rota de escoamento da cocaína
sul-americana em direção à Europa e, em 2016, numa revisão dos dados, indicou
que o Brasil já havia assumido essa posição em 2009. Laniel afirma que, além da
proximidade do Brasil com regiões produtoras, a corrupção em portos e
aeroportos nos dois lados do Atlântico contribui para impulsionar o tráfico de
cocaína em direção à Europa.
Crime organizado
internacional
Neste mercado, que
movimenta pelo menos 5,7 bilhões de euros por ano na Europa, segundo uma estimativa
do EMCDDA, traficantes brasileiros operam em conjunto com organizações
criminosas internacionais, como a máfia italiana.
Em 2014, uma operação
deflagrada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal (MPF) revelou
a ligação de traficantes com a máfia Ndrangheta, da Calábria, que contava,
inclusive, com intermediadores no Brasil. O esquema usava o Porto de Santos
para o escoamento da droga.
"A máfia italiana tem
apenas players num mercado muito competitivo. Diferentes atores participam de
uma ou duas fases na cadeia do tráfico. O mercado de drogas é um mercado
aberto, onde é impossível estabelecer monopólios ou mesmo oligopólios",
afirma Francesco Calderoni, pesquisador do Centro de Pesquisa sobre Crimes
Transnacionais da Universidade Católica de Milão.
Além da Ndrangheta, há
indícios de envolvimento da máfia Camorra, de Nápoles, no tráfico. O grupo é
ativo especialmente na cidade portuária alemã de Hamburgo. "A máfia
italiana tem capacidade de trazer grandes quantidades de drogas e distribuí-las
na Europa, porque tem uma rede grande de contatos no Brasil e em países
produtores de cocaína e cooperam com organizações criminosas de outros países
europeus, como França, Alemanha, Holanda e Reino Unido", explica Laniel.
Além de cooperações, as
organizações criminosas de diversos países europeus também competem entre si
neste mercado. Segundo Laniel, nos últimos anos, o crime organizado albanês vem
ganhando espaço. O especialista acrescenta que a cadeia do tráfico é
extremamente especializada, com organizações responsáveis por diferentes fases,
desde a compra da cocaína junto ao produtor até a venda para o consumidor
europeu. Essa divisão conta ainda com grupos que prestam serviços de segurança
aos envolvidos no processo.
Principais rotas
Segundo a coordenadora da
Câmara Criminal do MPF, a subprocuradora-geral da República Luiza Frinscheisen,
há várias dinâmicas no tráfico da cocaína para a Europa, que incluem diferentes
rotas e meios de escoamento. Autoridades internacionais identificaram duas
rotas principais: a direta e a que passa por países africanos.
Na primeira, a droga chega
em navios, aviões de carga ou com "mulas" – que levam a mercadoria
escondida no corpo ou na bagagem. Apesar da vantagem do desembarque da
mercadoria direito no país de destino, a via aérea é menos utilizada por
traficantes brasileiros. Sua rota preferida é a marítima, pois possibilita o
envio de um grande volume de drogas escondido em contêineres.
A cocaína costuma ser
embarcada nos portos de Santos e Paranaguá, entre outros. Seu destino são
portos em Portugal, Espanha, Alemanha, Holanda, Bélgica, Itália, França e Reino
Unido, com destaque para o porto holandês de Roterdã, onde grandes apreensões
foram feitas nos últimos anos.
"A princípio, tudo que
não parece suspeito é usado com esconderijo para a droga. Na maioria das vezes,
a cocaína é camuflada em outros produtos, como móveis, artigos de decoração,
alimentos perecíveis, máquinas e também no próprio navio. Encontramos cocaína
em todas as mercadorias clássicas que são transportadas", afirma Wolfgang
Schmitz, porta-voz da Alfândega da Alemanha.
Com milhões de contêineres
desembarcando anualmente e a grande concorrência entre portos, que procuram
oferecer a liberação mais rápida dos produtos para atrair clientes, o controle
minucioso das mercadorias é limitado na Europa. "Uma inspeção demora, e há
muitas mercadorias perecíveis que precisam ser liberadas rapidamente, por isso,
é preciso ter uma suspeita muito grande para que seja feita uma vistoria
abrangente num contêiner", ressalta Laniel.
Rodovia 10
A segunda rota utilizada
por traficantes brasileiros é mais sofisticada e inclui países da África
Ocidental como pontos de trânsito. Através do caminho que ficou conhecido como
Rodovia 10, em referência ao paralelo 10, a cocaína é transportada do Brasil à
costa ocidental africana, e de lá segue para a Europa.
Assim como no caminho
direto, a droga é escoada, principalmente, em navios, descarregada em portos ou
na costa antes de atracar. Os países de entrada são, principalmente, Guiné,
Guiné-Bissau, Gana e Nigéria, além de Cabo Verde e Ilhas Canárias.
"A Nigéria é
importante na rota, porque, por um lado, há muito contrabando pelo país e, por
outro, há redes de crime organizado nigerianas que alcançam a América do Sul e
chegam até a Europa", conta Vorrath, que é especialista em crime
organizado.
Dos países africanos, a
mercadoria é transportada por navio, aviões e também por terra através do
continente em direção ao destino europeu. A geografia é uma grande vantagem do
transporte terrestre. Rotas de contrabando por meio do Saara são usadas por
traficantes. Esses caminhos, em direção ao norte, exigem conhecimento local.
Espanha e Itália são as principais portas de entrada europeia nesse percurso.
Já na Europa, tanto por uma
ou pela outra rota, a droga é distribuída pelos países por via terrestre,
escondida em caminhões e vans, mas há também quem use caminhos marítimos que
levam a cocaína para outros portos da região.
E, nesse percurso todo, o
valor da cocaína explode. O quilo, que no Brasil custava em média cerca 8,5 mil
euros – segundo dados da agência da ONU de 2011 – chega à Alemanha, por
exemplo, a 90 mil euros, dependendo da pureza da droga.
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