14
projetos no Congresso querem endurecer Lei de Drogas e 3 visam flexibilizar.
Atualmente, há 33 propostas
no parlamento sobre o assunto, sendo que outras 14 sugerem pequenas alterações
no texto atual; para especialistas, rigor da lei aumentou superlotação das
cadeias.
Por Bernardo Caram, Gustavo
Garcia e Renan Ramalho, G1, Brasília
Embora especialistas
avaliem que a Lei de Drogas é dura e responsável por parte da superlotação dos
presídios, 14 projetos em discussão no Congresso Nacional querem endurecer
ainda mais a atual legislação. Levantamento feito pelo G1 mostra que apenas 3
das 33 propostas em tramitação no parlamento defendem a flexibilização. Outras
14 não flexibilizam nem endurecem a lei, mas sugerem mudanças. Duas delas
endurecem de um lado, mas flexibilizam de outro.
Neste primeiro mês de 2017,
a crise no sistema penitenciário se tornou evidente, com rebeliões e massacres
em cadeias de Manaus (AM), Boa Vista (RR) e Natal (RN) que já levaram à morte
mais de 100 detentos. Para tentar conter o caos nos presídios, o governo
federal anunciou investimentos no setor e autorizou as Forças Armadas a
cumprirem operações específicas nas cadeias.
Além disso, o presidente da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu que, após o recesso, os deputados
dediquem uma semana para votar projetos relacionados à segurança pública.
Somente nos primeiros 15
dias do ano 142 morreram em presídios
A Lei de Drogas, que passou
a valer em 2006, prometia abrandar o tratamento penal dado ao usuário, mas, na
prática, acabou ocorrendo o efeito inverso, com muitos deles sendo enquadrados
como traficantes, denunciam especialistas.
Pela atual legislação, para
definir se o preso é um usuário de drogas ou um traficante, o juiz leva em
conta a quantidade apreendida, o local, as condições em que se desenvolveu a
ação, as circunstâncias sociais e pessoais, além da existência ou não de
antecedentes. Essa mesma interpretação é feita pelo policial, quando prende, e
pelo promotor, quando denuncia.
Informações do Ministério
da Justiça apontam que, em 2005, antes de a Lei de Drogas entrar em vigor, os
presos por tráfico representavam menos de 10% do total da população carcerária
do país.
"Não existe evidência de relação entre
o endurecimento da lei e a redução da criminalidade" (Bráulio Figueiredo,
pesquisador da UFMG)
Em 2014, o número de
detentos por tráfico de drogas mais que dobrou. À época, quase um terço dos
presos – 28% do total – foram condenados ou acusados de crimes ligados ao
tráfico. De acordo com pesquisadores, a maior parte desses detentos é formada
por jovens que vendem quantidades pequenas de drogas.
Dos 33 projetos em
discussão no Congresso que visam alterar a Lei de Drogas, 21 estão em
tramitação na Câmara. Os outros 12 estão nas mãos dos senadores.
A maior parte das propostas
à disposição dos parlamentares, porém, traz um endurecimento de regras, com
ampliação de penas e restrição para progressão de regime.
Um dos projetos – em
tramitação desde 2009 – pretende levar à prisão os usuários de droga. Pelo
texto, quem portar droga para consumo pessoal estará sujeito a uma pena de seis
meses a três anos na cadeia, mais multa. Um texto semelhante também tramita no
Senado.
Ao longo de quase oito anos
de tramitação, o texto da Câmara chegou a ser anexado a outras duas propostas
semelhantes, foi arquivado e desarquivado duas vezes. Nunca chegou a ser
votado, nem mesmo na Comissão de Segurança Pública da Câmara.
Outra proposta sob análise
dos deputados – apresentada no ano passado – estabelece que as penas de
condenados por tráfico não poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços,
mesmo que o preso seja réu primário, tenha bons antecedentes e não integre
organização criminosa. A proposta está parada em uma comissão da Casa.
Um texto semelhante tramita
no Senado e aguarda análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). No
colegiado, já foi apresentado um parecer pela rejeição da matéria.
Já aprovado pela Câmara, um
projeto que ainda precisa ser apreciado pelos senadores define que a pena para
o crime de tráfico de drogas aumentará de dois terços até o dobro se a
substância encontrada for o crack. Um relator para o texto foi designado em
setembro no ano passado, mas o parecer ainda não foi apresentado.
O senador Ciro Nogueira
(PP-PI) é autor de duas propostas que endurecem a legislação sobre drogas. Para
o parlamentar do PP, punições mais firmes para o consumo de entorpecentes podem
diminuir o tráfico.
“Não podemos liberalizar
uma série de crimes para evitar que as pessoas sejam presas. Nós temos que
trabalhar para que essas pessoas não cometam esses crimes. O caminho é punir
com penas mais severas”, ponderou Ciro Nogueira.
Para o senador piauiense, o
sentimento de impunidade leva as pessoas a consumir drogas. “A pessoa tem que
pensar nisso antes de cometer o crime [de consumo]. Não acredito que uma
pessoa, sabendo que vai ser presa, vai consumir ou comprar droga”, opinou.
Na avaliação do pesquisador
do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Bráulio Figueiredo o endurecimento
da lei tem apenas um efeito imediato: o aumento da população carcerária.
“Não existe evidência de
relação entre o endurecimento da lei e a redução da criminalidade”, enfatizou o
especialista.
“Endurecer a lei vai gerar
a prisão de mais pessoas. E vai colocar onde? Com a atual legislação, que já é
dura, já temos superlotação em todos os presídios”, complementou.
Para o sociólogo, a solução
do problema na segurança pública tem que passar por um plano maior,
fundamentado em prevenção ao uso de drogas e, sobretudo, uma política pública
focada em jovens e adolescentes.
Apenas três propostas em
análise pelos parlamentares promoveriam, de fato, uma flexibilização na lei
atual. Uma delas, de autoria do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), autoriza a
produção e o comércio da maconha, incluindo derivados e produtos, em todo o
território nacional e estabelece uma padronização da classificação, inspeção e
fiscalização da atividade.
Para o parlamentar do PSOL,
legalizar a maconha e acabar com a guerra às drogas é questão de segurança
pública e direitos humanos.
"O projeto de lei que
protocolei faz muito mais do que legalizar a maconha: ele propõe uma série de
mudanças radicais na política de drogas do Brasil. A proibição mata muito mais
do que o uso de qualquer droga", defendeu o deputado do Rio
"Essa nova 'crise
penitenciária' é a prova de que a política de drogas executada até hoje no
Brasil não reduziu o consumo das drogas ilícitas. A atual política de drogas –
proibicionista e racista – só serviu para fortalecer o tráfico de drogas",
analisou Wyllys.
No entanto, o parlamentar
oposicionista não acredita na aprovação de seu projeto, dada a atual composição
do Congresso, predominantemente conservadora.
“A maioria deste Congresso
Nacional, infelizmente, parece querer que as coisas continuem como estão”,
avaliou.
Outro projeto que está na
Câmara define a graduação de penas, de acordo com o grau de risco do
entorpecente traficado. Há ainda um texto que permite a concessão de liberdade
provisória a pessoas condenadas por tráfico de drogas. As duas matérias ainda
aguardam análise de comissão temática.
Está em debate no Supremo
Tribunal Federal (STF) a possibilidade de descriminalizar o porte de maconha
para uso próprio, além de critérios para distinguir usuários de traficantes. No
entanto, a morte do ministro Teori Zavascki deve atrasar ainda mais a tomada de
uma decisão sobre o assunto.
O julgamento começou em
agosto de 2015, mas, no mês seguinte, foi suspenso por tempo indeterminado em
razão de um pedido de vista (mais tempo para analisar o caso) de Teori, que
morreu em um acidente aéreo em Paraty (RJ).
Os ministros Roberto
Barroso, Luiz Edson Fachin e Gilmar Mendes já votaram a favor da
descriminalização do porte de maconha. Porém, outros oito ministros ainda
precisam se posicionar sobre o assunto.
Como o voto que suspendeu o
julgamento era justamente o de Teori, não há previsão de quando o caso voltará
a ser analisado no plenário da Suprema Corte. Antes de o tema voltar à pauta, o
substituto do ministro vítima da tragédia aérea terá de se informar sobre o
caso para ter condições de dar sua posição.
Ao votar, o ministro
Roberto Barroso propôs que quem for pego com até 25 gramas da cannabis seja
considerado usuário, pelo menos, até que a Câmara legisle sobre o tema para se
chegar a um peso definitivo.
Fachin se limitou a votar
pela retirada do caráter penal do processo, deixando para o parlamento a tarefa
de determinar a quantidade-limite para o uso pessoal.
Porém, o relator do
processo, ministro Gilmar Mendes, votou pela descriminalização de qualquer
droga, não somente a maconha.
A Lei de Drogas (Lei nº
11.343) – em vigor desde 2006 – endurece sanções penais para traficantes e
abranda para usuários. Atualmente, um usuário pode ser punido por meio de
advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade,
programa ou curso educativo, censura verbal ou multa, caso o agente se recuse a
cumprir as medidas prévias.
Em caso de tráfico, a pena
pode variar de reclusão de cinco a 15 anos e pagamento de multa. A lei, no
entanto, é pouco clara quanto à distinção entre usuário e traficante, ficando a
critério do juiz determiná-la baseando-se em fatores como quantidade da
substância apreendida, antecedentes penais e histórico do detido.
Para o cientista social
Robson Sávio, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a lei atual,
que é aplicada com uma guerra às drogas, aumenta a disputa entre facções e o
tráfico de armas. Segundo ele, pequenos vendedores e usuários acabam presos,
sendo cooptados por facções criminosas.
O pesquisador explica que a
aplicação da lei depende da interpretação da polícia e da Justiça. “Se a
polícia encontrar uma pessoa com 100 gramas de maconha em um bairro nobre, ela
certamente será enquadrada como usuária e voltará para casa. Se a mesma
quantidade for encontrada com uma pessoa na entrada da favela, será enquadrada,
presa e condenada como traficante”, disse.
ONG ressalta condição
precária do sistema prisional no Brasil
Para a ONG Human Rights
Watch, em relatório divulgado na última quinta-feira (12), a lei é um
fator-chave para o aumento da população carcerária no Brasil.
"Embora a lei tenha
substituído a pena de prisão para usuários de drogas por medidas alternativas,
como o serviço comunitário, o que deveria ter reduzido a população carcerária,
sua linguagem vaga possibilita que usuários sejam condenados como
traficantes", diz o documento.
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