quinta-feira, 26 de janeiro de 2017





Prisões no Paraguai apontam elo internacional entre PCC e narcotráfico do RS.


UOL Notícias - Flávio Ilha

Integrantes da quadrilha gaúcha Anti-Bala são detidos no Paraguai, em 2016

O assassinato de um casal de traficantes brasileiros no Paraguai, no dia 2 de janeiro de 2017, levou a Polícia Civil do Rio Grande do Sul a detectar uma conexão entre grupos criminosos do Estado e o PCC (Primeiro Comando da Capital), que disputaria a hegemonia do tráfico de drogas no Brasil com o Comando Vermelho, segundo investigações.

A ação do PCC no Paraguai, onde possui bases desde o final dos anos de 1990, se acentuou com a presença dos brasileiros Carlos Antonio Caballero e Jarvis Chimenes Pavão a partir dos anos 2000, diz a polícia.

Tidos como "embaixadores" da facção paulista no país vizinho, os dois traficantes foram presos em Concepción em 2009 -- Caballero, conhecido como Capillo, foi extraditado para o Brasil na semana passada.

Fontes policiais ouvidas pela reportagem do UOL identificaram ligações entre dois líderes de facções rivais do Rio Grande do Sul com membros do PCC no Paraguai, especialmente nas cidades de Capitán Bado e Pedro Juan Caballero.

Os narcotraficantes gaúchos migraram para o país vizinho há pouco mais de um ano, em busca de um ambiente seguro para liderarem seus grupos, mas acabaram presos num intervalo de seis meses.
Confronto entre Anti-Bala e Bala na Cara

Acusado de um duplo homicídio ocorrido em Assunção (capital paraguaia) no começo do ano, Jackson Peixoto Rodrigues – conhecido como Nego Jackson – é um dos líderes da quadrilha Anti-Bala, que combate o grupo ligado ao PCC no Rio Grande do Sul. Ele foi preso no dia 5 de janeiro em Pedro Juan Caballero. A facção Anti-Bala foi formada em 2014 a partir de um "consórcio" de grupos menores incomodados com o poderio dos Bala na Cara, facção que controla o narcotráfico gaúcho.

Segundo fontes policiais, os Bala na Cara são comandados por José Dalvani Nunes Rodrigues, o Minhoca, de dentro da PASC (Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas). Há pelo menos três anos, Minhoca vem estabelecendo acordos "pontuais e informais" com o PCC, especialmente para o tráfico de armas e de drogas vindas do Paraguai. A quadrilha Bala na Cara se notabilizou por usar métodos extremamente violentos nas suas abordagens.

Minhoca, assim como Nego Jackson, também foi preso no Paraguai, em agosto de 2016, em Ciudad del Este. A polícia gaúcha não revela quem são os contatos dos grupos do outro lado da fronteira, mas sustenta que sua presença no país vizinho é um indício dessa conexão.

"Os dois criminosos gaúchos [Minhoca e Jackson] já estavam com bases formais de operação no Paraguai, o que indica uma sofisticação da atividade. Não temos ainda as evidências dos vínculos formais com o PCC, mas é claro que a presença no país vinha estimulando os negócios entre as quadrilhas", informou o delegado Arthur Raldi, do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), que comandou a captura do traficante Nego Jackson.
Proximidade com fornecedores pode ser vantagem

São nove pedidos de prisão preventiva expedidos contra Nego Jackson no Rio Grande do Sul, e a polícia gaúcha protocolou na Justiça um pedido de sua expulsão do Paraguai, logo após sua prisão. Como Jackson é acusado de duplo homicídio, o pedido pode ser negado para que o criminoso seja julgado no país vizinho.

Minhoca, que foi preso por suspeita de tráfico de drogas e armas, foi expulso do Paraguai três dias depois de ser preso.

O delegado Felipe Bringhenti, do GEI (Gabinete de Inteligência e Assuntos Estratégicos) da Secretaria de Segurança Pública gaúcha, disse que as duas quadrilhas são bastante articuladas e que cresceram exponencialmente, a partir de 2014, pelos métodos violentos de ação.

"As duas facções arregimentaram muitos soldados em curto espaço de tempo devido à recompensa que a violência extrema propicia. É um poder paralelo, uma tentação para os jovens. Em alguns casos, a adesão vem por pagamento em dinheiro mesmo", afirmou o delegado.

Bringhenti evita revelar dados estratégicos dos grupos, como número de "sócios" ou "irmãos", mas informa que as duas facções disputam o tráfico na região metropolitana e em várias cidades do interior do Estado.

O deslocamento de Jackson e Minhoca para o Paraguai também está relacionado à proteção, além de negócios. Mais distantes do cenário de "guerra local" provocado pelo controle dos pontos de venda de drogas, os dois chefes ficam à vontade para comandar os negócios à distância. "Pela proximidade com os fornecedores, pode até haver vantagem econômica", ponderou o delegado.
Decapitações e esquartejamentos

A disputa pelo controle das áreas de fronteira do Paraguai se acentuou em junho de 2016, quando o narcotraficante Jorge Rafaat Toumani foi assassinado em Pedro Juan Caballero. Apesar de brasileiro, Rafaat era tido como o maior traficante em atividade no Paraguai. A responsabilidade por sua morte foi atribuída pelo Ministério Público paraguaio a membros do PCC.

"O mais grave dessa guerra particular é a violência que ela faz transbordar para as ruas. Porto Alegre, por exemplo, registrou 16 decapitações no ano passado, o que representa 1% do total de homicídios. Tecnicamente, é um índice de país em guerra civil, como a Síria", disse o pesquisador Francisco Amorim, do grupo de estudos Violência e Cidadania, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Outro dado que também assusta os estudiosos do tema: foram registradas 15 chacinas em 2016 na região metropolitana de Porto Alegre, com mais de 50 mortes no total. Amorim detecta nessas estatísticas um indício de que a disputa pelos pontos de venda de drogas pode estar levando grupos rivais a processos de associação com facções nacionais, como PCC ou Comando Vermelho.

"As decapitações são o ápice da violência simbólica contra o inimigo, o máximo da humilhação. Quando chegamos nesse estágio, é sinal de que há comunicação sobre práticas usadas em outras regiões, por outros grupos. E isso indica colaboração", disse.
Paraguai virou base forte do PCC, diz pesquisador

Quando foi preso no Paraguai, em agosto do ano passado, Minhoca portava documentos paraguaios e dirigia uma caminhonete Toyota IST. Ele era considerado foragido do semiaberto no Rio Grande do Sul desde janeiro de 2016.

Nego Jackson também migrou para o Paraguai no mesmo ano. Foi preso em uma casa com piscina. Com ele, foram apreendidos 22 celulares, três pistolas e dinheiro.   

"O Paraguai virou uma base forte do PCC, especialmente na fronteira com o Brasil. A estratégia dos Anti-Bala, neste momento, parece ser abrir redes de acordos informais com o PCC, que não tem uma ligação formal com os Bala na Cara, para enfraquecer a posição do inimigo. É uma guerra particular de traficantes locais que pode migrar para um conflito de outras proporções", advertiu o pesquisador da UFRGS.
Tiros no rosto marcaram quadrilha

O bando dos Bala na Cara surgiu em 2007 nas vielas da Vila Bom Jesus, zona leste de Porto Alegre. O nome vem do primeiro assassinato de vulto dos seus integrantes, ocorrido num abrigo da prefeitura em março daquele ano. Os tiros no rosto do desafeto marcaram a quadrilha.

A facção cresceu e se intensificou em violência no Presídio Central de Porto Alegre, onde tem mais de mil integrantes, segundo fontes policiais ouvidas pela reportagem do UOL. Também há criminosos arregimentados na PASC e na PEJ (Penitenciária Estadual do Jacuí).

"Trata-se de uma quadrilha perigosa, por ser muito numerosa e atuar em várias regiões da cidade", definiu a promotora Lúcia Helena Callegari, da 1ª Vara do Júri de Porto Alegre.

Os Anti-Bala, por sua vez, surgiram em 2014 como dissidentes dos Bala na Cara: Nego Jackson foi da quadrilha até começar a matar inimigos na Vila Jardim, zona norte de Porto Alegre.

"Ele foi responsável por unir vários grupos contra os Bala na Cara e pela intensificação da guerra atual entre as facções. Para mim, era a prisão mais importante que o Estado tinha que fazer neste momento", completou a promotora.




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