Prisões
no Paraguai apontam elo internacional entre PCC e narcotráfico do RS.
UOL Notícias - Flávio Ilha
Integrantes da quadrilha
gaúcha Anti-Bala são detidos no Paraguai, em 2016
O assassinato de um casal
de traficantes brasileiros no Paraguai, no dia 2 de janeiro de 2017, levou a
Polícia Civil do Rio Grande do Sul a detectar uma conexão entre grupos
criminosos do Estado e o PCC (Primeiro Comando da Capital), que disputaria a
hegemonia do tráfico de drogas no Brasil com o Comando Vermelho, segundo
investigações.
A ação do PCC no Paraguai,
onde possui bases desde o final dos anos de 1990, se acentuou com a presença
dos brasileiros Carlos Antonio Caballero e Jarvis Chimenes Pavão a partir dos
anos 2000, diz a polícia.
Tidos como
"embaixadores" da facção paulista no país vizinho, os dois
traficantes foram presos em Concepción em 2009 -- Caballero, conhecido como
Capillo, foi extraditado para o Brasil na semana passada.
Fontes policiais ouvidas
pela reportagem do UOL identificaram ligações entre dois líderes de facções
rivais do Rio Grande do Sul com membros do PCC no Paraguai, especialmente nas
cidades de Capitán Bado e Pedro Juan Caballero.
Os narcotraficantes gaúchos
migraram para o país vizinho há pouco mais de um ano, em busca de um ambiente seguro
para liderarem seus grupos, mas acabaram presos num intervalo de seis meses.
Confronto entre Anti-Bala e
Bala na Cara
Acusado de um duplo
homicídio ocorrido em Assunção (capital paraguaia) no começo do ano, Jackson
Peixoto Rodrigues – conhecido como Nego Jackson – é um dos líderes da quadrilha
Anti-Bala, que combate o grupo ligado ao PCC no Rio Grande do Sul. Ele foi
preso no dia 5 de janeiro em Pedro Juan Caballero. A facção Anti-Bala foi
formada em 2014 a partir de um "consórcio" de grupos menores
incomodados com o poderio dos Bala na Cara, facção que controla o narcotráfico
gaúcho.
Segundo fontes policiais,
os Bala na Cara são comandados por José Dalvani Nunes Rodrigues, o Minhoca, de
dentro da PASC (Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas). Há pelo menos
três anos, Minhoca vem estabelecendo acordos "pontuais e informais"
com o PCC, especialmente para o tráfico de armas e de drogas vindas do
Paraguai. A quadrilha Bala na Cara se notabilizou por usar métodos extremamente
violentos nas suas abordagens.
Minhoca, assim como Nego
Jackson, também foi preso no Paraguai, em agosto de 2016, em Ciudad del Este. A
polícia gaúcha não revela quem são os contatos dos grupos do outro lado da
fronteira, mas sustenta que sua presença no país vizinho é um indício dessa
conexão.
"Os dois criminosos
gaúchos [Minhoca e Jackson] já estavam com bases formais de operação no
Paraguai, o que indica uma sofisticação da atividade. Não temos ainda as
evidências dos vínculos formais com o PCC, mas é claro que a presença no país
vinha estimulando os negócios entre as quadrilhas", informou o delegado
Arthur Raldi, do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), que
comandou a captura do traficante Nego Jackson.
Proximidade com
fornecedores pode ser vantagem
São nove pedidos de prisão
preventiva expedidos contra Nego Jackson no Rio Grande do Sul, e a polícia
gaúcha protocolou na Justiça um pedido de sua expulsão do Paraguai, logo após
sua prisão. Como Jackson é acusado de duplo homicídio, o pedido pode ser negado
para que o criminoso seja julgado no país vizinho.
Minhoca, que foi preso por
suspeita de tráfico de drogas e armas, foi expulso do Paraguai três dias depois
de ser preso.
O delegado Felipe
Bringhenti, do GEI (Gabinete de Inteligência e Assuntos Estratégicos) da
Secretaria de Segurança Pública gaúcha, disse que as duas quadrilhas são
bastante articuladas e que cresceram exponencialmente, a partir de 2014, pelos
métodos violentos de ação.
"As duas facções
arregimentaram muitos soldados em curto espaço de tempo devido à recompensa que
a violência extrema propicia. É um poder paralelo, uma tentação para os jovens.
Em alguns casos, a adesão vem por pagamento em dinheiro mesmo", afirmou o
delegado.
Bringhenti evita revelar
dados estratégicos dos grupos, como número de "sócios" ou
"irmãos", mas informa que as duas facções disputam o tráfico na
região metropolitana e em várias cidades do interior do Estado.
O deslocamento de Jackson e
Minhoca para o Paraguai também está relacionado à proteção, além de negócios.
Mais distantes do cenário de "guerra local" provocado pelo controle
dos pontos de venda de drogas, os dois chefes ficam à vontade para comandar os
negócios à distância. "Pela proximidade com os fornecedores, pode até
haver vantagem econômica", ponderou o delegado.
Decapitações e
esquartejamentos
A disputa pelo controle das
áreas de fronteira do Paraguai se acentuou em junho de 2016, quando o
narcotraficante Jorge Rafaat Toumani foi assassinado em Pedro Juan Caballero.
Apesar de brasileiro, Rafaat era tido como o maior traficante em atividade no Paraguai.
A responsabilidade por sua morte foi atribuída pelo Ministério Público
paraguaio a membros do PCC.
"O mais grave dessa
guerra particular é a violência que ela faz transbordar para as ruas. Porto
Alegre, por exemplo, registrou 16 decapitações no ano passado, o que representa
1% do total de homicídios. Tecnicamente, é um índice de país em guerra civil,
como a Síria", disse o pesquisador Francisco Amorim, do grupo de estudos
Violência e Cidadania, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Outro dado que também
assusta os estudiosos do tema: foram registradas 15 chacinas em 2016 na região
metropolitana de Porto Alegre, com mais de 50 mortes no total. Amorim detecta
nessas estatísticas um indício de que a disputa pelos pontos de venda de drogas
pode estar levando grupos rivais a processos de associação com facções
nacionais, como PCC ou Comando Vermelho.
"As decapitações são o
ápice da violência simbólica contra o inimigo, o máximo da humilhação. Quando
chegamos nesse estágio, é sinal de que há comunicação sobre práticas usadas em
outras regiões, por outros grupos. E isso indica colaboração", disse.
Paraguai virou base forte
do PCC, diz pesquisador
Quando foi preso no
Paraguai, em agosto do ano passado, Minhoca portava documentos paraguaios e
dirigia uma caminhonete Toyota IST. Ele era considerado foragido do semiaberto
no Rio Grande do Sul desde janeiro de 2016.
Nego Jackson também migrou
para o Paraguai no mesmo ano. Foi preso em uma casa com piscina. Com ele, foram
apreendidos 22 celulares, três pistolas e dinheiro.
"O Paraguai virou uma
base forte do PCC, especialmente na fronteira com o Brasil. A estratégia dos
Anti-Bala, neste momento, parece ser abrir redes de acordos informais com o
PCC, que não tem uma ligação formal com os Bala na Cara, para enfraquecer a
posição do inimigo. É uma guerra particular de traficantes locais que pode
migrar para um conflito de outras proporções", advertiu o pesquisador da
UFRGS.
Tiros no rosto marcaram
quadrilha
O bando dos Bala na Cara
surgiu em 2007 nas vielas da Vila Bom Jesus, zona leste de Porto Alegre. O nome
vem do primeiro assassinato de vulto dos seus integrantes, ocorrido num abrigo
da prefeitura em março daquele ano. Os tiros no rosto do desafeto marcaram a
quadrilha.
A facção cresceu e se
intensificou em violência no Presídio Central de Porto Alegre, onde tem mais de
mil integrantes, segundo fontes policiais ouvidas pela reportagem do UOL.
Também há criminosos arregimentados na PASC e na PEJ (Penitenciária Estadual do
Jacuí).
"Trata-se de uma
quadrilha perigosa, por ser muito numerosa e atuar em várias regiões da
cidade", definiu a promotora Lúcia Helena Callegari, da 1ª Vara do Júri de
Porto Alegre.
Os Anti-Bala, por sua vez,
surgiram em 2014 como dissidentes dos Bala na Cara: Nego Jackson foi da
quadrilha até começar a matar inimigos na Vila Jardim, zona norte de Porto
Alegre.
"Ele foi responsável
por unir vários grupos contra os Bala na Cara e pela intensificação da guerra
atual entre as facções. Para mim, era a prisão mais importante que o Estado
tinha que fazer neste momento", completou a promotora.
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