Dois estudos mostram os artifícios da indústria para tornar os cigarros
mais viciantes.
O Globo
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Flávia Milhorance
Flávia Milhorance
O ator americano Eric Lawson morreu recentemente, aos 72 anos.
Era jovem, atraente, trazia um aspecto viril e seguro quando, como um caubói,
fumava tranquilamente o seu cigarro em anúncios da indústria de tabaco dos anos
70. Difícil resistir ao apelo. Mas anos depois, Lawson foi diagnosticado com
uma doença pulmonar obstrutiva crônica (DPCO), ocasionada provavelmente por
este hábito que, no passado, agregava tantos adjetivos ao seu usuário.
Propagandas deste tipo hoje são proibidas, seus riscos à saúde se tornaram
inquestionáveis. E mais uma coisa mudou desde este período: os cigarros atuais
aumentam as chances de câncer de pulmão, DPCO e outras doenças, além de serem
mais viciantes, segundo dois novos estudos americanos.
Um destes é o relatório do “Office of the Surgeon General”,
órgão do governo americano, que traz uma revisão de sua primeira edição, de
1964, quando os efeitos nocivos do fumo estavam começando a ser revelados.
Cinquenta anos depois, além de associar o hábito a uma série de doenças, ele acrescenta
que os cigarros hoje são mais viciantes do que os das décadas anteriores. Não
porque tenham mais nicotina, mas porque o seu design vem sendo aperfeiçoado com
o objetivo de levar mais desta substância aos pulmões.
A nicotina é o principal agente do cigarro e é considerada pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) uma droga psicoativa que causa dependência.
Ao ser inalada, chega em poucos segundos ao cérebro e age no sistema nervoso
central. O relatório se baseou em documentos da indústria apresentados num
tribunal de 2006 mostrando como os cigarros foram projetados para este fim. As
táticas incluem projetar filtros mais eficientes, selecionar papéis para
maximizar a ingestão de nicotina e adicionar produtos químicos para tornar o
fumo menos pesado e mais fácil de inalar. Outro estudo recente da Universidade
de Massachusetts, publicado na revista “Nicotine and Tobacco Research” analisou
marcas vendidas nos Estados Unidos entre 1998 e 2012. Ele mostrou que embora a
quantidade de nicotina tenha se estabilizado neste período, a capacidade do
cigarro de levar a substância aos pulmões do fumante aumentou em até 15%. O
menor nível foi de 1,65 miligrama por cigarro em 1999, e o mais alto, de 1,89
miligrama, em 2011.
- Pelo menos com relação à recepção de nicotina, nossos
resultados vão contra o argumento das indústrias de cigarro, que dizem estar
estudando formas de garantir um cigarro menos prejudicial - observou, em
entrevista ao GLOBO por e-mail, Wenjun Li, professor do setor de Medicina
Preventiva e Comportamental da universidade e autor do estudo. A Souza Cruz,
empresa brasileira de cigarro, ressalta que o estudo extrapola a realidade do
país, uma vez que marcas e metodologias são distintas.
Disse ainda que há mais de dez anos a Anvisa exige que
fabricantes informem os valores de nicotina, além das características físicas
dos papéis e do filtro dos cigarros, tais como composição, permeabilidade e
gramatura dos papéis, ventilação do filtro e etc. Cigarro ‘aperfeiçoado’ pela
indústria Não é a primeira vez, no entanto, que este debate é suscitado.
Uma pesquisa de uma década atrás feita pela Escola de Medicina
de Harvard mostrou que o avanço no mecanismo do cigarro havia levado ao aumento
da inalação da substância em 11% em produtos fabricados entre 1997 e 2005, uma média
de 1,6% ao ano. - O investimento que se faz na tecnologia do produto é muito
grande e ocorre há muito tempo. O cigarro parece apenas uma porção de tabaco
enrolado em papel, mas é mais sofisticado do que uma Ferrari - comenta Paula
Johns, diretora-executiva da ONG Aliança de Controle do Tabagismo (ACT).
- Inclusive quando houve a primeira inciativa da FDA (agência
reguladora de remédios dos EUA) de limitar as emissões de alcatrão, nicotina e
outros aditivos, mais tarde foi descoberto que isto não significava nada,
porque havia outras formas de otimizar a liberação de nicotina. Segundo Paula,
“não existe um cigarro menos perigoso”. Ela cita estatísticas de que nove em
cada dez pessoas que fumam se tornam dependentes, uma proporção inversa ao
álcool, e o maior índice de vício entre todas as drogas. Uma história que se
tornou famosa, aliás, e rendeu até o prêmio Pulitzer de Jornalismo de 1996 ao
“Wall Street Journal”, é a de que os produtores evitavam elevar o conteúdo de
nicotina nos cigarros, mas usavam produtos químicos, em especial a amônia, para
aumentar a potência da substância inalada.
Cigarros com amônia, desta forma, liberavam mais nicotina, mas
tinham a mesma quantidade química que outros produtos sem o aditivo.
Interferência parecida com a que foi apontada nos estudos recém-divulgados, e
que, na verdade, vêm ocorrendo desde o início da industrialização do tabaco,
segundo Ronaldo Laranjeira, professor de Psiquiatria da Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp).
- Há mais de um século, o tabaco era mascado ou fumado na forma
de cigarro de palha. O consumo era pequeno e o impacto, restrito. O grande
avanço veio com a industrialização do cigarro, quando a absorção ficou mais
eficiente. E a indústria vem aperfeiçoando no ultimo século o produto no sentido
de causar mais dependência - alerta. Debate sobre maior controle do cigarro Nos
EUA, estas notícias levantaram a discussão sobre uma maior regulação da
indústria por parte do governo. Mas, para Laranjeira, focar no controle do
tabagismo pode trazer melhores resultados:
- O governo não consegue controlar o mercado lícito, nem
ilícito. Intensificar políticas para reduzir o fumo seria uma ação mais
sensata.
Já Paula defende a adoção de medidas de controle, como a
proibição de aditivos dos cigarros (cuja resolução da Anvisa entrou ano passado
em vigor) e restrições à propaganda e ao uso.
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