quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014




Dois estudos mostram os artifícios da indústria para tornar os cigarros mais viciantes.

O Globo
Latinstock 
Flávia Milhorance  

O ator americano Eric Lawson morreu recentemente, aos 72 anos. Era jovem, atraente, trazia um aspecto viril e seguro quando, como um caubói, fumava tranquilamente o seu cigarro em anúncios da indústria de tabaco dos anos 70. Difícil resistir ao apelo. Mas anos depois, Lawson foi diagnosticado com uma doença pulmonar obstrutiva crônica (DPCO), ocasionada provavelmente por este hábito que, no passado, agregava tantos adjetivos ao seu usuário. Propagandas deste tipo hoje são proibidas, seus riscos à saúde se tornaram inquestionáveis. E mais uma coisa mudou desde este período: os cigarros atuais aumentam as chances de câncer de pulmão, DPCO e outras doenças, além de serem mais viciantes, segundo dois novos estudos americanos.
Um destes é o relatório do “Office of the Surgeon General”, órgão do governo americano, que traz uma revisão de sua primeira edição, de 1964, quando os efeitos nocivos do fumo estavam começando a ser revelados. Cinquenta anos depois, além de associar o hábito a uma série de doenças, ele acrescenta que os cigarros hoje são mais viciantes do que os das décadas anteriores. Não porque tenham mais nicotina, mas porque o seu design vem sendo aperfeiçoado com o objetivo de levar mais desta substância aos pulmões.
A nicotina é o principal agente do cigarro e é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma droga psicoativa que causa dependência. Ao ser inalada, chega em poucos segundos ao cérebro e age no sistema nervoso central. O relatório se baseou em documentos da indústria apresentados num tribunal de 2006 mostrando como os cigarros foram projetados para este fim. As táticas incluem projetar filtros mais eficientes, selecionar papéis para maximizar a ingestão de nicotina e adicionar produtos químicos para tornar o fumo menos pesado e mais fácil de inalar. Outro estudo recente da Universidade de Massachusetts, publicado na revista “Nicotine and Tobacco Research” analisou marcas vendidas nos Estados Unidos entre 1998 e 2012. Ele mostrou que embora a quantidade de nicotina tenha se estabilizado neste período, a capacidade do cigarro de levar a substância aos pulmões do fumante aumentou em até 15%. O menor nível foi de 1,65 miligrama por cigarro em 1999, e o mais alto, de 1,89 miligrama, em 2011.
- Pelo menos com relação à recepção de nicotina, nossos resultados vão contra o argumento das indústrias de cigarro, que dizem estar estudando formas de garantir um cigarro menos prejudicial - observou, em entrevista ao GLOBO por e-mail, Wenjun Li, professor do setor de Medicina Preventiva e Comportamental da universidade e autor do estudo. A Souza Cruz, empresa brasileira de cigarro, ressalta que o estudo extrapola a realidade do país, uma vez que marcas e metodologias são distintas.
Disse ainda que há mais de dez anos a Anvisa exige que fabricantes informem os valores de nicotina, além das características físicas dos papéis e do filtro dos cigarros, tais como composição, permeabilidade e gramatura dos papéis, ventilação do filtro e etc. Cigarro ‘aperfeiçoado’ pela indústria Não é a primeira vez, no entanto, que este debate é suscitado.
Uma pesquisa de uma década atrás feita pela Escola de Medicina de Harvard mostrou que o avanço no mecanismo do cigarro havia levado ao aumento da inalação da substância em 11% em produtos fabricados entre 1997 e 2005, uma média de 1,6% ao ano. - O investimento que se faz na tecnologia do produto é muito grande e ocorre há muito tempo. O cigarro parece apenas uma porção de tabaco enrolado em papel, mas é mais sofisticado do que uma Ferrari - comenta Paula Johns, diretora-executiva da ONG Aliança de Controle do Tabagismo (ACT).
- Inclusive quando houve a primeira inciativa da FDA (agência reguladora de remédios dos EUA) de limitar as emissões de alcatrão, nicotina e outros aditivos, mais tarde foi descoberto que isto não significava nada, porque havia outras formas de otimizar a liberação de nicotina. Segundo Paula, “não existe um cigarro menos perigoso”. Ela cita estatísticas de que nove em cada dez pessoas que fumam se tornam dependentes, uma proporção inversa ao álcool, e o maior índice de vício entre todas as drogas. Uma história que se tornou famosa, aliás, e rendeu até o prêmio Pulitzer de Jornalismo de 1996 ao “Wall Street Journal”, é a de que os produtores evitavam elevar o conteúdo de nicotina nos cigarros, mas usavam produtos químicos, em especial a amônia, para aumentar a potência da substância inalada.
Cigarros com amônia, desta forma, liberavam mais nicotina, mas tinham a mesma quantidade química que outros produtos sem o aditivo. Interferência parecida com a que foi apontada nos estudos recém-divulgados, e que, na verdade, vêm ocorrendo desde o início da industrialização do tabaco, segundo Ronaldo Laranjeira, professor de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
- Há mais de um século, o tabaco era mascado ou fumado na forma de cigarro de palha. O consumo era pequeno e o impacto, restrito. O grande avanço veio com a industrialização do cigarro, quando a absorção ficou mais eficiente. E a indústria vem aperfeiçoando no ultimo século o produto no sentido de causar mais dependência - alerta. Debate sobre maior controle do cigarro Nos EUA, estas notícias levantaram a discussão sobre uma maior regulação da indústria por parte do governo. Mas, para Laranjeira, focar no controle do tabagismo pode trazer melhores resultados:
- O governo não consegue controlar o mercado lícito, nem ilícito. Intensificar políticas para reduzir o fumo seria uma ação mais sensata. 
Já Paula defende a adoção de medidas de controle, como a proibição de aditivos dos cigarros (cuja resolução da Anvisa entrou ano passado em vigor) e restrições à propaganda e ao uso.


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