quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014



Como e onde tratar adolescentes usuários de drogas?


Adolescentes usuários de drogas não são todos iguais. As drogas de abuso também não. Existe um sem-número de possibilidades de combinação entre os diversos indivíduos adolescentes e as diversas drogas de abuso e as formas de usá-las.
Entender essa diversidade de diagnóstico é fundamental para não incorrer no risco de ser simplista e ingênuo ao achar que existe um tipo de tratamento único que atenda a todos os perfis e subgrupos de usuários. Existe o grupo dos usuários experimentais; dos usuários frequentes; dos usuários que tiveram problemas social, familiar e educacional; dos que têm suporte familiar; dos que não têm nenhum suporte etc.
Portanto, o leitor deve desconfiar de qualquer política que se proponha a resolver o problema de uso de drogas com ações simples e únicas. É preciso formar uma rede de proteção e tratamento que atenda o adolescente de forma integral: saúde física, psíquica, educação e proteção social; de preferência que isso seja feito no mesmo espaço e de forma integrada. Não adianta planejar a psicoterapia em um lugar, com o médico em outro endereço, o esporte em outro bairro. A logística complicada piora a adesão e os resultados.
A meta deve ser abstinência. Não existem, até o momento, pesquisas que mostrem que qualquer quantidade de droga – de qualquer droga, mesmo álcool e tabaco – seja segura para a saúde do adolescente.
Qual é o tipo de equipamento de saúde existente no Brasil, hoje, com essas características? Nenhum.
Os Centros de Assistência Psicossocial (CAPS) se propõem a realizar a assistência de saúde e suporte social utilizando os recursos existentes na comunidade. Mas as conexões com os diversos serviços de saúde, lazer, educação e sociais são frágeis e de logística de difícil execução, senão impraticáveis, principalmente para aquele grupo de pacientes cujas famílias já estão desagregadas e a figura do cuidador é frágil ou ausente.
É preciso então inovar e pensar em outro modelo que complemente os serviços dos CAPS. Não que substitua, e sim que complemente. Mas não podemos criar um modelo com base apenas no que acreditamos ou confiando em uma lógica teórica e idealizada. É preciso investir em modelos que sejam custo-efetivos, isto é, que sejam testados na prática e comparados com outros modelos para determinar a efetividade. E esses serviços precisam ter um valor que possa ser custeado pela sociedade. De nada adianta um serviço efetivo que custe tão caro que seja inviável. Assim como nossa conta bancária, os recursos públicos também são finitos.
Nos próximos posts,vou discorrer aqui sobre alguns modelos inovadores para o tratamento de adolescentes que encontram base em evidências científicas.
Hoje gostaria apenas de lembrar que é preciso ter uma gama de serviços e/ou que esses serviços sejam o mais completos e abrangentes possível, já que existem vários subgrupos de adolescentes usuários de drogas. Vou ainda descrever os princípios científicos que qualquer serviço para tratar adolescentes deve possuir. Esses princípios foram escritos com base em inúmeras pesquisas científicas, pelo National Institute on Drug Abuse(NIDA), instituto americano que congrega hoje o maior número de pesquisadores em dependência química do mundo e reúne recursos financeiros alocados na ordem do que é gasto com todas as pesquisas em todas as áreas do conhecimento aqui no Brasil. São 13 princípios descritos a seguir.
Princípio 1: O uso de substâncias psicoativas na adolescência precisa ser identificado e tratado o mais rápido possível.
Princípio 2: Os adolescentes usuários de substâncias psicoativas podem se beneficiar de uma intervenção para o uso de drogas mesmo que eles não sejam dependentes ainda.
Princípio 3: Consultas de rotina podem ser boas oportunidades para rastrear o uso de drogas na adolescência.
Princípio 4: Intervenções judiciais e pressão familiar desempenham importante papel na admissão e na manutenção do adolescente no tratamento.
Princípio 5: O tratamento deve ser adaptado às necessidades específicas de cada adolescente. O tratamento deve ser individualizado e um plano deve ser traçado com base nas necessidades específicas. Alguns precisarão de monitoramento do uso de droga, outros não. Alguns precisarão de medicamentos, outros não, e assim por diante.
Princípio 6: O tratamento deve atender às necessidades integrais dos adolescentes, e não apenas ter foco no uso de substância. É preciso pensar em educação, tratamento familiar etc. Não adianta manter o adolescente internado em um hospital por seis meses sem escola, por exemplo.
Princípio 7: Terapia comportamental é eficaz no tratamento do uso de drogas na adolescência. Os adolescentes respondem bem aos incentivos motivacionais, principalmente os reforços positivos, que recompensam comportamentos positivos, como a abstinência.
Princípio 8: Incluir a família e a comunidade é um aspecto importante do tratamento. A família é responsável pelo adolescente. Não é possível transferir essa responsabilidade para o Estado, para o médico, para o psicólogo, para a escola ou para o professor. Mas a família às vezes adoece junto e precisa ser incentivada e ajudada para que possa cumprir a responsabilidade de cuidar de seus adolescentes e seguir as orientações dos profissionais.
Princípio 9: Para que o tratamento seja efetivo, é importante identificar e tratar quaisquer outras condições de saúde mental que os adolescentes possam ter. Uma avaliação médica é muito importante. Existem doenças que tratadas melhoram muito o prognóstico.
Princípio 10: Questões sensíveis, como violência, abuso e risco de suicídio, devem ser pesquisadas, identificadas e tratadas em todos os adolescentes usuários de substância.
Princípio 11: É importante monitorar o uso de drogas durante o tratamento de adolescentes. Existem testes rápidos de urina ou de fio de cabelo, que ajudam nesse monitoramento.
Princípio 12: Permanecer em tratamento por um período de tempo adequado e manter continuidade são aspectos importantes. O adolescente e a família precisam ser incentivados a se manter em tratamento. Tratamentos que não têm controles eficazes de frequência e busca ativa têm baixa adesão e falham.
Princípio 13: É importante realizar testes para doenças sexualmente transmissíveis, principalmente HIV, hepatite B e hepatite C.
Qualquer serviço precisa desses ingredientes básicos. Nas próximas semanas, prosseguiremos essa discussão aprofundando dois assuntos: os diversos subgrupos de adolescentes usuários de drogas e as possibilidades de serviços para tratá-los.

Dr. Cláudio Jerônimo da Silva – psiquiatra e Diretor Técnico do UNAD

Nenhum comentário:

Postar um comentário