O PAPA E AS DROGAS.
O mundo vem se surpreendendo
com o papa Francisco, suas demonstrações de humildade e também, talvez
principalmente, com sua firme disposição em promover reformas na Igreja,
punindo severamente práticas de pedofilia e desvios de dinheiro do banco do
Vaticano.
Entre
os temas controversos e considerados tabus, Francisco já disse que os gays não
deveriam ser julgados por sua opção.
Sobre
as drogas, o papa deixou clara sua crítica aos que discutem a liberalização dos
entorpecentes, afirmando que não é por este caminho, como se discute em países
da América Latina, que será possível diminuir a difusão da dependência.
Quando
visitou o Brasil, Francisco visitou um centro de recuperação e reconheceu o
"santuário do sofrimento humano" que ocorre nesses locais.
A
mensagem do papa ponderou, entretanto, que os dependentes são os principais
protagonistas de sua recuperação, e que, apesar de a Igreja e muitas pessoas
estarem do lado dos usuários de drogas, ninguém pode fazer a "subida"
no lugar deles.
É
consenso, tanto do ponto de vista da Igreja como dos líderes políticos da
América Latina, e mesmo de integrantes da OEA, que a criminalização do uso de
drogas, com severa punição dos usuários, é um modelo que fracassou na região.
Vejo,
no entanto, com muita preocupação as tentativas de se liberar o comércio de
crack, cocaína, maconha, ecstasy e outros entorpecentes. Tal medida, sob o
argumento de neutralizar o tráfico, combater os traficantes e a influência que
exercem sobre os dependentes, abre um caminho sem volta para que mais pessoas
tornem-se reféns das drogas.
No
Estado de São Paulo, o programa Recomeço, de combate à dependência química, em
especial à epidemia do crack que reina nas principais capitais e regiões
metropolitanas brasileiras, segue diretriz bem similar à nova visão mundial
sobre o enfrentamento desta problemática, tratando o tema menos como uma
questão de polícia e mais de saúde pública e resgate da cidadania.
O
governo paulista vem promovendo uma verdadeira revolução na assistência aos
dependentes de crack, com expressiva ampliação dos leitos de enfermaria para
internação dos casos mais graves, articulação e integração com outros serviços
de saúde e assistência social de perfis complementares, como os Caps Ad
(Centros de Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas), comunidades terapêuticas e
moradias assistidas.
Na
capital paulista, o Plantão Judiciário e a Unidade Social implantados no Cratod
(Centro de Referência em Álcool Tabaco e outras Drogas) vem proporcionando
agilidade a processos de encaminhamento dos dependentes tanto para assistência
ambulatorial quanto para internações voluntárias, involuntárias e compulsórias,
todas previstas em lei. E a oferta de leitos de enfermaria para tratamento dos
dependentes no Estado mais do que duplicou desde 2011.
Já o
Cartão Recomeço soma esforços ao financiar uma fase importante do tratamento de
alguns pacientes em comunidades terapêuticas, período em que, após a
desintoxicação, é necessário um tempo para que o dependente reaprenda como é o
mundo sem a droga.
A
estruturação e a expansão da rede Recomeço são essenciais para oferecer todas
as alternativas terapêuticas possíveis visando à recuperação e reinserção
social dos dependentes químicos. Mas o esforço próprio de cada paciente é que
determinará se o final da caminhada será ou não bem sucedida.
RONALDO
LARANJEIRA, 58, psiquiatra e professor titular de psiquiatria da Unifesp, é
coordenador do Programa Recomeço, do governo do Estado de São Paulo
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