NÃO PRODUZIR PROVAS CONTRA SI MESMO: GARANTIA FUNDAMENTAL OU OBSTRUÇÃO À
JUSTIÇA?
Última Instância - Por João Novaes
Após
as modificações do Código Brasileiro de Trânsito introduzidas pela Lei 11.705,
apelidada de “Lei Seca”, veio à tona nos noticiários que cobriam a aplicação
das medidas que restringiam o consumo de bebidas alcoólicas para condutores de
automóveis o preceito jurídico de “não produzir provas contra si mesmo”. Ou
seja, motoristas se recusavam a realizar testes de embriaguez, na época
realizados somente através de etilômetros (ou “bafômetros”) pois encontravam
respaldo jurídico através desse princípio, o que obrigou a uma posterior
alteração na redação da lei. Clique aqui para
acessar a íntegra da lei.
Ocorre
que esse princípio não está explícito em nenhum trecho da Constituição Federal
ou em qualquer código de lei brasileiro. A garantia da não autoincriminação é,
no entanto, encontrada fartamente na jurisprudência de decisões do Supremo
Tribunal Federal e na doutrina processual penal. Está também sempre apoiada por
entendimentos mais abrangentes de dispositivos como o artigo 5.° da
Constituição, inciso LXIII (“o preso será informado de seus direitos, entre os
quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e
de advogado”), do artigo 186 do Código Processual Penal, sobre o direito de
permanecer calado, com destaque ao adendo no parágrafo único (“o
silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em
prejuízo da defesa”).
Ele
também é usado como argumento em tratados internacionais, como a Convenção
Interamericana de Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de San José, na
Costa Rica (artigo 8, inciso 2.° alínea G), e na Declaração Universal de
Direitos Humanos.
No
entanto, é a amplitude de sua aplicação que provoca discordância entre juristas
brasileiros. Especialistas consultados pelo site Última
Instância comentaram os acertos e exageros desse princípio.
Para
o assessor jurídico do Ministério Público Federal e professor de direito
constitucional da Damásio Educacional, Erival da Silva Oliveira, o princípio é
extremamente adequado e previsto em toda e qualquer legislação de Direitos
Humanos. “Nos casos de bafômetro ou de exames de sangue em suspeita de infração
de trânsito, tratam-se decisões de esfera íntima do indivíduo. Ninguém é
obrigado nem deve produzir prova contra si próprio. Isso, no entanto, não
impede que o policial tenha outros recursos para concluir que determinado
motorista esteja embriagado, como sonolência, postura cambaleante, etc.”,
afirmou.
Oliveira
lembra que, se os acusados gozam de alguma prerrogativa, cabe aos
investigadores se aperfeiçoarem na busca de alternativas. Ele lembra, por
exemplo, do caso do psiquiatra Eugênio Chipkevitch, condenado a 114 anos de
prisão em regime fechado em 2003 por atentado violento ao pudor e corrupção de
menores, ao abusar sexualmente de crianças em adolescentes em seu consultório
em São Paulo. A prova-chave usada contra ele foram 35 fitas de vídeo
encontradas em um saco de lixo encontradas pelo técnico de uma empresa telefônica
que as repassou para a imprensa.
Já
André Estefam, promotor e coordenador da pós-graduação em Direito Penal da
Damásio Educacional considera que a interpretação que se dá ao princípio é
muito mais ampla do que deveria. Para ele, o artigo 5.° da Constituição, inciso
LXIII prevê apenas o direito de permanecer em silêncio, mas acabou sendo
estendido para outros aspectos.
“A
tendência dos tribunais é dar uma visão mais favorável aos acusados”, afirma.
“Essa interpretação, no que diz respeito às normas de trânsito, coloca em risco
a vida das pessoas”.
No
caso das regras de trânsito, Estefam entende que o motorista está submetido a
certas regras de segurança; portanto, a obrigatoriedade do uso do etilômetro em
verificações policiais deveria ser inerente a quem dirige. “Fazer o teste não é
nenhuma invasão, nem viola a dignidade humana. Em 2012, passou a ser autorizada
a coleta de material genético desde que não ferisse a dignidade”, lembrou.
Estefam
lembra que já houve decisão de segunda instância no TJ-SP (Tribunal de Justiça
de São Paulo) que aceitou o princípio para justificar um caso em que um
motorista atropelou uma pessoa e fugiu do local.
Limite
No
entanto, há limites na alegação de ter o direito de não produzir provas contra
si mesmo. Um exemplo é o que ocorreu recentemente com a construtura Delta,
empreiteira que apareceu nos noticiários durante a CPI do Cachoeira, que
investigou as relações do bicheiro goiano com agentes públicos e
empresas.
Segundo
a Polícia Federal, a Delta estaria resistindo em franquear o acesso à
documentação da empresa, mesmo que esta tenha conseguido autorização para
analisar documentos dentro da sede da empresa. Segundo reportagem do jornal
Folha de S.Paulo, publicada na última segunda-feira (06/01), a PF obteve
decisão judicial que determinou que a empresa apresentasse as informações
requeridas à polícia. Posteriormente, a Delta conseguiu liminar suspendendo a
decisão, alegando que esta violava o princípio da não autoincriminação.
Os
dois professores, comentando em tese, sem entrar no mérito do caso, são
unânimes em dizer que o princípio de produzir provas contra si próprio não deve
ser aplicado em qualquer caso de obstrução às investigações. “Impedir um
oficial de justiça de entrar em determinado local munido de ordem judicial é um
ato criminoso que pode implicar em várias infrações”, explica Estefam.
“Não se pode fraquear a entrada de agentes da polícia ou da Receita”, diz
Oliveira.
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