domingo, 12 de janeiro de 2014



DOS MALES, O MENOR.

Há coisas que tenho dificuldade de entender. Uma delas é a importância que adquiriu a maconha no mundo contemporâneo. Políticos de importância internacional, intelectuais de destaque e até presidente da República preocupam-se com ela, com seu consumo, com sua influência sobre a sociedade e sobre a juventude, principalmente.
Quem diria, digo a mim mesmo, já que, na minha terra natal -São Luís do Maranhão-, quando menino, maconha se chamava diamba e não gozava do menor prestígio: marginais e alguns rapazes do subúrbio fumavam diamba. Só soube disso porque, lá por meus 13 anos, jogava bilhar num botequim da praia do Caju e de lá fui levado a dar uns tragos num cigarro de maconha. Quase vomitei, tinha gosto de mato velho.
Depois, nunca mais ouvir falar dela. No Rio, onde cheguei em 1951, não ouvia falar de drogas e nem sabia de alguém que fumasse maconha. Isso mudou, mais de uma década depois, quando os Beatles e os Rolling Stones tornaram o consumo de drogas expressão de rebeldia.
A guitarra elétrica veio completar a onda de delírio que arrastou boa parte dos jovens daqueles anos, inclusive no Brasil. Juntas, essa dupla, guitarra e droga, transformaram os shows musicais em manifestações que contrapunham a barbárie à civilização burguesa bem comportada. Uma bravata que levou muitos desses rebeldes sem causa à morte precoce.
Apesar disso, passada essa fase heroica, as drogas mantiveram pelo menos parte do terreno conquistado. Nesse quadro, a maconha foi ganhando posição privilegiada, porque possibilitava o barato sem levar o usuário à destruição psíquica, como o fazem a cocaína, a heroína e o crack. Dos males, o menor.
É isso aí. Ignorar o efeito altamente destrutivo das drogas é impossível, mas, por outro lado, opor-se a elas é careta e velho, uma vez que, entre outras virtudes, as drogas se tornaram um sinal de juventude.
Não foram os jovens que as introduziram na sociedade contemporânea? E não foram os velhos babacas que as condenaram? Opor-se às drogas, hoje, pega mal; tolerá-las pega bem.
Isso da boca para fora. Ou seja, a teoria na prática é diferente. Por isso mesmo, a maconha é a solução: fumando-a o cara mostra-se avançado, sem se destruir rápida e inevitavelmente. Não falo dos que são psiquicamente dependentes e que, quase sempre, terminam aderindo às drogas pesadas.
Faz sentido, mas não explica tudo. Por exemplo, governantes de Estados norte-americanos a legalizaram sob o pretexto de que ela é inofensiva ou até mesmo medicinal. Ótimo calmante.
Sucede que existem muitos calmantes que se vendem nas farmácias e não são alucinógenos como a maconha. Devemos concluir que é exatamente por ser alucinógena que ela é legalizada? Tenho uma possível explicação para isso: muitas das pessoas que hoje têm poder de decisão na sociedade são os jovens daquela época, hoje com seus 50 a 60 anos de idade. As drogas fazem parte de sua história, ainda que já não as consumam. Tampouco as condenam para que não se pense que se tornaram iguais aos velhos babacas daquela época.
Legalizar cocaína pega mal, mas a maconha dá pé.
Esse talvez não seja o caso de José Mujica, presidente do Uruguai, que não apenas propôs a legalização da marijuana como pretende ter o controle total da produção, venda e consumo dessa droga em seu país. Vai criar uma espécie de "Maconhabras".
No caso de Mujica, as intenções são as melhores possíveis, pois acredita que, assumindo o controle total da droga, anulará a ação dos traficantes. Seu projeto prevê que cada consumidor terá direito a fumar 40 cigarros de marijuana por mês, desde que se inscreva oficialmente como maconheiro.
Como chegou ele a esse número, não sei, mas pode ocorrer que o maconheiro não se contente com essa quantidade de baganas. Nada impede que uma legião de falsos consumidores se inscreva para ter direito a esses 40 cigarros, que se tornarão milhares (e no total milhões), obrigando assim o governo a aumentar incessantemente a produção de marijuana.
Em breve, o Uruguai se tornará o maior produtor mundial de maconha, para a felicidade e enriquecimento dos traficantes. Espero, sinceramente, estar enganado.
Ferreira Gullar é cronista, crítico de arte e poeta. Escreve aos domingos na versão impressa de "Ilustrada".

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