FÁBRICA DE ALUCINAÇÕES -NOVAS DROGAS
SINTÉTICAS COLOCAM AUTORIDADES EM ALERTA NO ESTADO.
Kamila Almeida
Com variação de fórmulas,
elas passam ilesas pela legislação e entram e saem do país com facilidade.
Dificuldade
em detectar a presença das novas drogas dá falsa impressão de que elas não
estão disseminadas
A
cada três dias uma nova droga é descoberta no mundo. Elas são
pequenas e se confundem com remédios inofensivos, como os analgésicos. Entram e
saem do país com facilidade e circulam em festas de alto padrão. Com tantas
variações em suas fórmulas, passam ilesas pela legislação brasileira.
E é
por embaralharem a percepção da polícia que as drogas
sintéticas colocam agora o Estado em alerta: o número de apreensões de
comprimidos não-identificados aumentou três vezes de janeiro a setembro de
2013, comparado com todo o ano passado.
Das
75 amostras de apreensões supostamente de ecstasy enviadas para análise do
Instituto-geral de Perícias (IGP), neste ano, 30% deram negativo para esta
substância e positivo para outras, o que também ocorreu com metade das 25 doses
de LSD.
Conhecidas
como "designer drugs", estes novos tóxicos são desenvolvidos em
laboratório à base de anfetamina e metanfetamina e custam cinco vezes mais do
que a maconha.
—
Aquilo que antes era uma forma de apresentação característica do LSD agora
também aparece impregnado com DOB (brolamfetamina), substância de uso proscrito
no Brasil. Os comprimidos, que antes eram característicos de ecstasy, também
têm surgido com outras drogas, sozinhas ou uma combinação entre elas, tais como
ketamina — detalha a farmacêutica Paulini Braun Wegner, chefe-substituta da
Divisão de Química Forense do IGP.
Apreensões
no Salgado Filho ainda são incomuns, diz PF
No
Estado, uma unidade para tratar dependentes de drogas sintéticas deve ser
lançada no Hospital de Clínicas de Porto Alegre ao longo de 2014. A necessidade
surgiu após uma pesquisa feita entre 2010 e 2011 constatar que mais de 60% dos
entrevistados no Clínicas, usuários de ecstasy ou LSD, sofriam de estresse
pós-traumático ligado a casos de estupros.
Apesar
de o Brasil não aparecer entre países onde mais circulam as drogas modificadas
em laboratório, como ocorre na Europa, o governo federal pretende criar, até o
ano que vem, um sistema de alerta rápido para o ingresso de novas substâncias
entorpecentes no país. A ideia é aumentar o rigor frente à comercialização, já
que as fórmulas químicas destas substâncias são usadas em outras áreas, como
medicina, veterinária e agropecuária, e o tráfico não se dá nas esquinas como
ocorre com os entorpecentes tradicionais. Luis Fernando Martins Oliveira atuou
no Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) por oito
anos e diz que essas drogas podem estar em maior quantidade do que se pensa
pela dificuldade na repressão:
— Não
são pessoas que fazem do tráfico a sua sobrevivência.
Nos
últimos três anos, o diretor do (Denarc), Heliomar Franco, viu um aumento de
47% das apreensões de entorpecentes como cocaína, maconha e crack, o que
explica o foco das investigações:
— As
outras drogas, pelo alto custo, ficam reduzidas a um pequeno nicho
socioeconômico. Elas também não causam a lesividade social do crack e da
cocaína, que induzem ao crime — diz Franco, alertando que a principal rota dos
produtos tem origem na Holanda e passa por Santa Catarina até chegar ao Estado.
Apreensões
de drogas trazidas do exterior, porém, são incomuns. Nenhuma droga sintética
foi apreendida no Aeroporto Salgado Filho.
—
Temos treinamento, mas é claro que é mais difícil de identificar o comprimido —
revela o delegado José Antonio Dornelles de Oliveira, chefe do Núcleo de
Polícia Aeroportuária da Polícia Federal.
Hospital
de Clínicas terá ambulatório para viciados
O Rio
Grande do Sul pode ser o primeiro Estado brasileiro a ter um ambulatório para
tratar dependentes de drogas sintéticas, como ecstasy, LSD e suas variações.
Está em andamento um projeto do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do
Hospital de Clínicas de Porto Alegre para que, até 2014, o espaço possa receber
pacientes.
A
psicóloga Lysa Remy, pesquisadora do Centro, passou um mês em Londres, em
setembro de 2012, para conhecer o serviço de uma clínica — chamada Club Drug
Clinic — e adaptá-la à realidade gaúcha. O projeto conta com a parceria do
Laboratório de Toxicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
para identificar o tipo exato de droga consumida, o que deve ampliar também o
conhecimento a respeito destas modificações químicas que circulam no Estado.
A
ideia surgiu depois que um estudo foi realizado com 240 usuários de ecstasy e
LSD entre 2010 e 2011 no Hospital de Clínicas.
— Não
se sabe a prevalência do uso na nossa população jovem, mas se sabe que o grupo
de usuários tem prejuízos graves — conta Lysa.
A
pesquisa revelou tratar-se de um grupo muito vulnerável: 60% apresentaram
estresse pós-traumático.
— Foi
uma surpresa. Percebemos que eles relatavam alguma experiência de abuso sexual,
o que é explicado pelo conceito do ecstasy, conhecido como a "droga do
amor" — disse Lysa.
Para
tratar dos efeitos físicos e emocionais, além da desintoxicação, será
necessária uma equipe de 10 profissionais altamente treinados.
Rede
rápida de comunicação
Preocupado
com um possível aumento de circulação de novas drogas no Brasil, o secretário
nacional de Políticas Antidrogas do Ministério da Justiça, Vitore André Zílio
Maximiano, visitou o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência para
conhecer o sistema de alerta rápido e se inspirar. A ideia é criar uma rede
rápida de comunicação: sempre que houver a apreensão de uma substância que não
está relacionada na portaria da 344 da Anvisa, que estabelece as drogas
proibidas no país pelo nome do princípio ativo, e que a polícia local não tenha
conseguido identificar, uma amostra deve ser enviada à Polícia Federal, em
Brasília, para averiguação.
— A
droga sintética, como é manufaturada, passa por processo químico muito
sofisticado e, por isto, exige uma análise laboratorial ainda mais apurada para
identificá-la. Investiremos em tecnologia para que esta investigação seja feita
com rapidez — diz Maximiano.
Caso
a análise farmacológica identifique elementos que possam causar dependência
física ou psíquica, a Anvisa poderá incluí-la na portaria.
DESCONHECIDAS
E PERIGOSAS
—
Cápsula do vento: conhecida por conter a brolanfetamina (DOB), é vendida
geralmente em cápsulas gelatinosas transparentes. No Estado, foram analisadas apenas
na forma de micropontos de papel rígido, semelhantes ao LSD. Seu efeito
alucinógeno leva mais tempo para se iniciar, o que estimula doses maiores.
—
Sucesso: espécie de lança-perfume de segunda linha, é feito à base de gás
freon (usado em refrigeradores). A sensação inicial é de ansiedade instantânea
e de curta duração.
—
Special Key: cápsulas ou comprimidos feitos à base de analgésico líquido
para cavalo. Para o delegado Heliomar Franco, ela tem um dos efeitos mais
preocupantes, pois provoca paralisia corporal, seguida de sensação de viagem
fora do corpo e amnésia.
— Crystal
ou ice: à base de metanfetamina, é muito usada nos Estados Unidos e, aos
poucos, está chegando ao Brasil. Com alto potencial lesivo à saúde, deixa os
usuários viciados em pouco tempo.
—
Falsa heroína: em 2010, o delegado Luís Fernando Martins Oliveira, que
atuava no Denarc, pensou estar diante da primeira apreensão de heroína no
Estado. Descobriu uma jovem de classe média que enviava sacos plásticos
contendo uma substância parecida com grão de areia para São Paulo. Análise
laboratorial mostrou se tratar de dimetiltriptamina (DMT) — produto extraído da
raiz da planta ayahuasca, utilizada em ritos da seita do Santo Daime. Além de
ataques de pânico, a droga pode causar danos irreversíveis ao cérebro.
OS
RISCOS DOS NOVOS ENTORPECENTES
— Podem
matar, seja pelo efeito farmacológico, seja pelo estado mental alterado que
induzem.
— São
projetadas para que tenham o máximo de efeitos alucinógenos com o mínimo de
efeitos colaterais. Pequenas modificações na sua estrutura já caracterizam uma
droga diferente, o que dificulta a fiscalização.
—
Muitas pessoas chegam às emergências e não recebem tratamento adequado porque
médicos não conseguem identificar que substância foi utilizada.
—
Conforme a pesquisadora do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do Hospital de
Clínicas Lysa Remy, mortes estão ocorrendo em função destas drogas e poucas são
documentadas.
ZERO
HORA
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