As escolas que transformam ex-dependentes em terapeutas.
Cursos utilizam a experiência com as drogas em técnicas de reabilitação. “Do fundo do poço nascem exemplos bons”, diz Mauro, que venceu o crack.
Os dois heróis de Mauro estão mortos. O primeiro, um tio traficante, foi assassinado bem ao seu lado e deixou o cheiro de pólvora nas narinas do jovem por muitos anos. O segundo, um dependente químico em recuperação, perdeu a vida num acidente de carro antes de poder conviver com Mauro limpo, longe das drogas. Esta morte deixou vazio.
O fato de ter testemunhado os dois óbitos quando não tinha nem 19 anos também aparece entre os motivos para Mauro, hoje com 42, ter procurado formação específica para virar terapeuta. Hoje, ele ajuda a tratar pessoas que, assim como ele, tentam diariamente ficar longe do crack, da cocaína e do álcool.
Os três vícios o acompanharam por quase três décadas (desde os 14 anos) e, depois de uma coleção de perdas acumuladas no período, ele sonha um dia ser apontado como herói por ao menos um dos inúmeros pacientes que agora ajuda. Um herói que não vende mais drogas e que quer estar vivo para ver a transformação daqueles que passou a acompanhar.
"Eu quero ser exemplo de que é possível renascer, mesmo após anos de uma vida anulada pela dependência química", diz antes de começar as nove horas diárias de trabalho que exerce na Clínica Maia, há sete meses.
Os serviços de tratamento psiquiátrico passaram a enxergar em ex-dependentes como Mauro uma ferramenta importante para tratar pessoas que ainda estão envolvidas com drogas. Hoje, as clínicas utilizam esta mão de obra como "coringa" na terapia que mescla medicamentos, abstinência e abordagens psicológicas.
A Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (Febract) detectou esta estratégia e criou cursos de capacitação específicos para a formação de ex-usuários em terapia holística.
Até o final do ano, devem ser capacitados para a função 900 ex-dependentes. Em 2011, foram 705 formados na instituição e, no ano anterior, 500. Outros centros acadêmicos, como o da Universidade Federal de São Paulo, também atuam nesta formação.
“Em média, 95% das pessoas que nos procuravam para a capacitação já haviam tido envolvimento com as drogas”, afirma Juliano da Silva Marfim, coordenador administrativo da Febract, e ele próprio uma confirmação da tendência.
“Eu mesmo, até virar terapeuta, fui paciente. Sou alcoólatra e estou limpo há 5 anos e 11 meses”, conta Marfim, 29 anos.
“Trabalhava em uma multinacional e depois que terminei o tratamento fui demitido. Atuar com os dependentes, após o treinamento específico, foi uma forma de voltar ao mercado e também ajudar os profissionais de saúde a traçar estratégias mais efetivas de recuperação. Por isso, o treinamento é tão importante.”
Segundo os médicos, os ex-dependentes fazem da vivência um “medicamento” importante para ampliar os índices de recuperação de viciados. As taxas que mensuram este renascimento ainda são modestas e não superam a casa dos 30%, de acordo com os levantamentos catalogados pelo Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psciotrópicas (Cebrid).
Por outro lado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) informou em seu último boletim que o consumo de drogas, especialmente a cocaína, é crescente no mundo todo. No Brasil, a Previdência Social também mapeou que as licenças trabalhistas para tratar a dependência, de profissionais de todas as áreas, está em ascensão.
O trabalho deles
A psiquiatra Ana Cecília Marques, conselheira da Associação Brasileira de Estudos sobre Drogas e Álcool (Abead), explica que a relevância da atuação dos ex-dependentes é expressada já no início do tratamento dos novatos.
“A motivação dos dependentes é instável nos primeiros meses. Tal recurso pode ser aplicado para ajudar a manejar uma doença tão complexa.”
A complexidade do tratamento, explica o coordenador Juliano Marfim, é que não existe um “tratamento universal” para o problema das drogas.
“Este é o grande desafio da capacitação dos ex-dependentes. O que mostramos nas aulas e nos estágios monitorados é que o que funcionou para eles pode não ter o mesmo efeitoem outros. Por isso, eles precisam ter um conhecimento integral das técnicas. Para apresentar este leque de possibilidades às pessoas que chegam à reabilitação”, afirma.
Fundo do poço
Mauro confirma que uma das grandes dificuldades é constatar que a fórmula que o tirou da “vida miserável”, muitas vezes não se aplica aos jovens, tão parecidos com ele, que chegam à clínica.
“Às vezes dá raiva, sensação de impotência. Porque um cara cheio de potencial não segura, com todas as forças, a corda que você oferece a ele. Mas talvez ele precise de outra forma de resgate. É um trabalho longo e nos ajudamos os psiquiatras e os psicólogos nisso”.
Nestes sete meses em que virou terapeuta, ele diz que ainda se surpreende sobre como “o fundo do poço pode ser terreno fértil para nascer exemplos bons”.
“Eu estudei nos melhores colégios, tinha casa na praia, roupa de marca. Ganhei meu primeiro carro zero aos 18 anos e troquei por dois quilos de cocaína duas semanas depois. Deixei o conforto da minha casa para morar em um barraco na favela só para ficar mais próximo das drogas. Quem apostaria fichas em mim?”, questiona.
“Até eu duvidava. Mas estou aí. Mostrando que a vida não precisa acabar na dependência.”
A favela da zona sul paulistana onde Mauro morou e presenciou a morte de seus dois heróis ainda é frequentada por ele.
“Volto sempre lá com meu filho, que está com 8 anos, para conversar com as crianças e com os adolescentes. Gosto do que sou agora. E quero mostrar que não é preciso se espelhar no homem que eu já fui.”
Fonte: IG
O fato de ter testemunhado os dois óbitos quando não tinha nem 19 anos também aparece entre os motivos para Mauro, hoje com 42, ter procurado formação específica para virar terapeuta. Hoje, ele ajuda a tratar pessoas que, assim como ele, tentam diariamente ficar longe do crack, da cocaína e do álcool.
Os três vícios o acompanharam por quase três décadas (desde os 14 anos) e, depois de uma coleção de perdas acumuladas no período, ele sonha um dia ser apontado como herói por ao menos um dos inúmeros pacientes que agora ajuda. Um herói que não vende mais drogas e que quer estar vivo para ver a transformação daqueles que passou a acompanhar.
"Eu quero ser exemplo de que é possível renascer, mesmo após anos de uma vida anulada pela dependência química", diz antes de começar as nove horas diárias de trabalho que exerce na Clínica Maia, há sete meses.
Os serviços de tratamento psiquiátrico passaram a enxergar em ex-dependentes como Mauro uma ferramenta importante para tratar pessoas que ainda estão envolvidas com drogas. Hoje, as clínicas utilizam esta mão de obra como "coringa" na terapia que mescla medicamentos, abstinência e abordagens psicológicas.
A Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (Febract) detectou esta estratégia e criou cursos de capacitação específicos para a formação de ex-usuários em terapia holística.
Até o final do ano, devem ser capacitados para a função 900 ex-dependentes. Em 2011, foram 705 formados na instituição e, no ano anterior, 500. Outros centros acadêmicos, como o da Universidade Federal de São Paulo, também atuam nesta formação.
“Em média, 95% das pessoas que nos procuravam para a capacitação já haviam tido envolvimento com as drogas”, afirma Juliano da Silva Marfim, coordenador administrativo da Febract, e ele próprio uma confirmação da tendência.
“Eu mesmo, até virar terapeuta, fui paciente. Sou alcoólatra e estou limpo há 5 anos e 11 meses”, conta Marfim, 29 anos.
“Trabalhava em uma multinacional e depois que terminei o tratamento fui demitido. Atuar com os dependentes, após o treinamento específico, foi uma forma de voltar ao mercado e também ajudar os profissionais de saúde a traçar estratégias mais efetivas de recuperação. Por isso, o treinamento é tão importante.”
Segundo os médicos, os ex-dependentes fazem da vivência um “medicamento” importante para ampliar os índices de recuperação de viciados. As taxas que mensuram este renascimento ainda são modestas e não superam a casa dos 30%, de acordo com os levantamentos catalogados pelo Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psciotrópicas (Cebrid).
Por outro lado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) informou em seu último boletim que o consumo de drogas, especialmente a cocaína, é crescente no mundo todo. No Brasil, a Previdência Social também mapeou que as licenças trabalhistas para tratar a dependência, de profissionais de todas as áreas, está em ascensão.
O trabalho deles
A psiquiatra Ana Cecília Marques, conselheira da Associação Brasileira de Estudos sobre Drogas e Álcool (Abead), explica que a relevância da atuação dos ex-dependentes é expressada já no início do tratamento dos novatos.
“A motivação dos dependentes é instável nos primeiros meses. Tal recurso pode ser aplicado para ajudar a manejar uma doença tão complexa.”
A complexidade do tratamento, explica o coordenador Juliano Marfim, é que não existe um “tratamento universal” para o problema das drogas.
“Este é o grande desafio da capacitação dos ex-dependentes. O que mostramos nas aulas e nos estágios monitorados é que o que funcionou para eles pode não ter o mesmo efeito
Fundo do poço
Mauro confirma que uma das grandes dificuldades é constatar que a fórmula que o tirou da “vida miserável”, muitas vezes não se aplica aos jovens, tão parecidos com ele, que chegam à clínica.
“Às vezes dá raiva, sensação de impotência. Porque um cara cheio de potencial não segura, com todas as forças, a corda que você oferece a ele. Mas talvez ele precise de outra forma de resgate. É um trabalho longo e nos ajudamos os psiquiatras e os psicólogos nisso”.
Nestes sete meses em que virou terapeuta, ele diz que ainda se surpreende sobre como “o fundo do poço pode ser terreno fértil para nascer exemplos bons”.
“Eu estudei nos melhores colégios, tinha casa na praia, roupa de marca. Ganhei meu primeiro carro zero aos 18 anos e troquei por dois quilos de cocaína duas semanas depois. Deixei o conforto da minha casa para morar em um barraco na favela só para ficar mais próximo das drogas. Quem apostaria fichas em mim?”, questiona.
“Até eu duvidava. Mas estou aí. Mostrando que a vida não precisa acabar na dependência.”
A favela da zona sul paulistana onde Mauro morou e presenciou a morte de seus dois heróis ainda é frequentada por ele.
“Volto sempre lá com meu filho, que está com 8 anos, para conversar com as crianças e com os adolescentes. Gosto do que sou agora. E quero mostrar que não é preciso se espelhar no homem que eu já fui.”
Fonte: IG
Nenhum comentário:
Postar um comentário