Alguma droga
tem de ser feita na Cracolândia
Artigo
escrito na revista Época São Paulo, de fevereiro
Precisa
fazer alguma coisa, repete o paulistano sempre que se depara com o aglomerado
de miseráveis na Cracolândia. A região começou a ser tomada no início dos anos
1990, quando usuários de drogas se refugiaram ali para escapar de grupos de
extermínio que atuavam na periferia. O que nenhum de nós sabe bem é o quê,
afinal, tem de ser feito para resolver um problema que só vem aumentando e
expondo a fragilidade do serviço público e da própria sociedade.
Por
coincidência ou não, o clamor do paulistano aumentou de volume à medida que o
tráfego de carros passou a ser bloqueado pelo tráfico. Nossa neurose do
trânsito parece ter servido de estopim para autorizar o ataque aos “noias”,
atropelando as regras internacionais de enfrentamento ao crack. Ou teria sido
nossa fissura imobiliária em construir um novo bairro, já batizado de Nova Luz?
Sem respostas, nos dividimos entre aplausos e vaias à operação da Polícia Militar
que, como se estivesse diante de um lixão de pessoas a céu aberto, tenta limpar
a área com balas de borracha.
A
operação Centro Legal foi deflagrada às pressas pela PM, com uma sequência de
trapalhadas em desarticulação com as áreas social e de saúde e que esbarra na
falta de infraestrutura para atender os emigrados da droga. Fatores que o
secretário de Segurança Pública do Estado, Antonio Ferreira Pinto, prefere
chamar de “desencontro”. A propósito, não se espante com o fato de o porta-voz
do combate ao crack ser da segurança, e não da saúde. Os interessados em cuidar
da doença parecem ter sido coagidos a aceitar a invasão policial. O secretário
municipal de Saúde, Januário Montone, discorda da minha percepção, mas admite
que, agora, será preciso resgatar a confiança dos usuários.
O
vínculo entre equipes de saúde e dependentes vinha sendo construído ao longo
dos últimos dois anos, período no qual 4.350 viciados foram encaminhados a
serviços de atendimento e cerca de 2 mil, internados o número é duas vezes maior,
na média mensal, do que o de drogados que buscaram ajuda em janeiro, sob a
operação policial. Nem mesmo as internações podem ser comemoradas. No Brasil,
seis em cada 10 dependentes tratados voltam à droga, diz pesquisa da Unifesp.
Senti essa frustração ao conviver com um rapaz de 24 anos que, sem nunca ter
ido à Cracolândia, pediu socorro ao ser ameaçado de morte. Recebeu o apoio
necessário, viveu seis meses numa clínica particular, seguiu à risca o
tratamento baseado nos 12 passos dos Narcóticos Anônimos, teve orientação
psicológica, médica e espiritual, retornou à família e, mesmo assim, não
resistiu à tentação da reincidência.
São
Paulo precisa, sim, fazer alguma coisa. E teria outras opções que não con-
vocar suas tropas para espantar os “zumbis”. Poderia ser inteligente e aceitar
a colaboração oferecida, em 2009, pelo centro de acolhimento de San Patrignano,
em Rimini (Itália), que mantém 1,6 mil jovens e recupera sete em cada 10
atendidos. Poderia ser audaciosa e reproduzir a experiência de Frankfurt
(Alemanha), que, desde 1994, mantém narcossalas: espaços onde o consumo é
controlado e onde são oferecidas assistência médica e psicológica permanentes,
internação voluntária e política de empregos. Em 10 anos, a cidade derrubou à
metade o número de viciados. Mas São Paulo prefere ser reacionária e investir
em uma política que, em lugar de construir a Nova Luz, corre o risco de criar
novas cracolândias. Torçamos para que isso não aconteça.
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