Descriminalizar
porte de drogas para reduzir
população
penitenciária é ineficaz
Por Mário Sérgio Sobrinho
Crises e momentos de tensão exigem formulação de respostas e
alternativas para enfrentar a situação aflitiva ou, pelo menos, minimizar os
seus efeitos.
O Brasil abriu o ano de 2017 com notícias de sérios
problemas em alguns estabelecimentos prisionais resultando mortes e violência
que impactaram a sociedade e instigaram debates. Essa situação de certo modo
fora prevista no texto do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias
(Infopen – 2014) ao apontar que em seis estados brasileiros havia mais de duas
pessoas presas por vaga disponível no regime fechado e indicar condições piores
nos estados da Bahia, Pernambuco e Amazonas.
Fiscalizar permanentemente os estabelecimentos prisionais e
a entrada de itens; oferecer trabalho, estudo, capacitação profissional,
atendimento de saúde e assistência judiciária além de reintegrar o preso ao
convívio familiar e social são, entre outras, providências e ações respaldadas
pela lei, geradoras de efeitos positivos para a população carcerária, mas não
amplamente cumpridas pelo sistema prisional apto em grande parte em segregar e
punir.
Entretanto, no cenário dessa crise anunciada do sistema
prisional brasileiro, ressurge a ideia de que descriminalizar o porte de drogas
para uso próprio reduziria a população carcerária. Qual seria o impacto dessa
medida ao número de pessoas presas no Brasil?
Portar qualquer quantidade de droga ilícita para uso próprio
é crime no Brasil. O infrator deve ser conduzido para registro do fato na
Polícia embora essa prática felizmente não permita prisão. Nesse caso, as
sanções previstas pela Lei 11.343/2006 são, exclusivamente, advertência sobre
os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de
comparecimento a programa ou curso.
Mesmo se o infrator for reincidente nessa conduta ou
descumprir a sanção aplicada não caberá prisão, porque a Lei de Drogas prevê
para o reincidente o aumento do prazo da duração da prestação de serviços ou do
curso educativo enquanto no caso de descumprimento ficará sujeito à admoestação
verbal ou pagamento de multa.
Essa análise mostra que descriminalizar o porte de drogas
para uso próprio não reduzirá a população carcerária brasileira. A comprovar
isso, o Infopen de 2014 apontou que no Brasil 28% das pessoas estão detidas por
tráfico de drogas, 25% por roubo, 13% por furto e 10% por homicídio, sem
qualquer registro de presos por porte de drogas.
Se essa providência não trará efeito de liberar vagas no
sistema prisional poderá gerar outros impactos para a sociedade e para o Estado
brasileiro? Acerca disso pouco se fala.
Para justificar essa mudança normalmente são comentadas
medidas relativas ao porte de drogas adotadas em outros países, a maior parte
deles muito diferentes do Brasil, seja pelo número de habitantes, extensão
territorial e de fronteiras, nível do desenvolvimento humano e educacional,
capacidade de cumprir e fazer cumprir as leis, percentual de pessoas que já
consomem drogas, disponibilidade da rede de atenção e serviços para usuários de
drogas e diversas outras características a indicar que certamente alguns
efeitos considerados positivos nesses países não seriam reproduzidos no Brasil.
Outro argumento empregado é a ideia pouco clara que a
descriminalização seguida da legalização de alguma droga ilícita retiraria
poder do narcotráfico com desprezo ao fato de que o que move o crime organizado
não é a obediência à lei, mas obtenção de lucro e de recursos para manter sua
estrutura e poder paralelos. Caso se imagine que o Brasil possa controlar a produção
e a distribuição dessas substâncias não cabe esperar que ele, as empresas ou as
pessoas credenciadas para comercializar drogas conseguirão evitar o consumo
entre os mais vulneráveis ou atender pronta e eficazmente aos casos de abuso
dessas substâncias ao indivíduo, às famílias, à economia e à sociedade.
A questão do abuso das drogas deve considerar as políticas
públicas permanentes e baseadas em evidências científicas no campo da
prevenção, do tratamento e da reinserção social. Ações de prevenção universalizadas,
que alcancem crianças, adolescentes, jovens e familiares. Medidas de atenção e
tratamento diversos ofertados por órgãos e serviços públicos apoiados pela
sociedade e seus organismos vivos preparados para enfrentar esse problema, como
os grupos de mútua ajuda vocacionados em apoiar a recuperação. Reinserção
social daquele que enfrentou o abuso do álcool ou das drogas e deve estudar,
trabalhar, enfim, viver sem rejeição ou preconceito.
Retornando ao sistema prisional, o Infopen não toca no percentual
dos presos envolvidos com o uso problemático de álcool e outras drogas já
apontado atingir 80% das pessoas recolhidas em presídio do Estado de São Paulo
porque conforme previsão nos artigos 26 e 47 da Lei de Drogas ao ser constatada
essa situação pelo juiz e confirmada por profissional de saúde com competência
específica há garantia da oferta de serviços de atenção à saúde, definidos pelo
sistema penitenciário.
Apesar do inegável aumento do número de pessoas presas por
tráfico de drogas, tanto ter sido indicado ser ele o crime praticado por um em
cada três presos no Brasil, não é apropriado considerar que a Lei de Drogas de
2006 seja exclusivamente responsável por esse aumento sem avaliar, pelo menos,
que o Brasil se mantém como principal rota do tráfico de cocaína da América
Latina e é considerado o maior mercado mundial do crack e o segundo maior de
cocaína, conforme o Instituto Nacional de Pesquisa de Políticas Públicas do
Álcool e Outras Drogas (Inpad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O que se verifica é a ineficácia de descriminalizar o porte
de drogas para uso próprio com o objetivo de reduzir a superlotação no sistema
prisional, enquanto eventual supressão desse controle exigirá do Estado, das
famílias e da sociedade, desprovidos de recursos e carentes de políticas
públicas no campo do álcool e outras drogas, maior esforço para enfrentar essa
situação.
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