DEBATE
SOBRE DROGAS NO BRASIL: MIOPIA OU CEGUEIRA?
O Brasil construiu sua
política de drogas no início do século 21, por meio de fóruns pelo País afora e
com a participação da sociedade civil, dos profissionais envolvidos e da
comunidade científica. Vale lembrar que os pressupostos filosóficos, éticos e científicos
que a embasam foram escritos e fundamentados nas leis brasileiras, nos
levantamentos existentes sobre o cenário à época e nas evidências científicas.
A equipe que coordenou os debates em todas as regiões do País coletou dados e
tornou realidade um sonho: elaborar um documento factível, que fundamentou a
política vigente, composto por vários capítulos. Sua premissa consensual
dispõe: o fenômeno das drogas é complexo e só será bem manejado para a
diminuição do impacto biológico e psicossocial se for entendido em todas as
suas dimensões.
Portanto, a política sobre
drogas no Brasil tem dez anos, mas o debate, infelizmente, continua o mesmo: a
saúde discute lei, a justiça discute internação, e a assistência social diz que
o problema é da saúde. Com esse desvio de competências, esquarteja-se o
fenômeno, o que vai nos levar a um quebra-cabeça impossível de montar. A
sociedade, por sua vez, fica cada vez mais excluída, sem acesso à informação, à
prevenção e, consequentemente, inapta a posicionar-se em relação a assunto de
tamanha relevância. Pior: repete-se o mantra de que a guerra às drogas
fracassou e defende-se que a descriminalização do porte para uso próprio é
direito humano de quem consome. Continuamos na contramão da história, uma parte
formada por cegos e outra, por míopes.
A interface com as drogas
na história da humanidade sempre existiu, segue cursando em ondas de consumo
determinadas pela cultura de cada país, pelos poderes, pelas guerras e pela
economia mundial. É cegueira acreditar que uma sociedade ou um Estado consegue
controlar o consumo de drogas entre adolescentes. Basta ver os exemplos da
bebida alcoólica e do tabaco. Drogas lícitas para adultos tornam-se porta de
entrada para o comportamento de uso de outras drogas na adolescência, como demonstram
estudos há anos.
As instituições da saúde,
da justiça, da educação e as organizações governamentais, as não governamentais
e as religiosas não podem esquecer que, quando se posicionam, influenciam a
percepção da sociedade. Isso ocorre de forma contundente, principalmente entre
os jovens de 15 a 25 anos, período do desenvolvimento humano em que se tem mais
saúde. Entretanto, no Brasil, é essa faixa etária que apresenta a maior taxa de
mortalidade, sendo parte expressiva dela relacionada ao consumo de bebida
alcoólica, droga liberada para uso próprio acima dos 18 anos no País.
No âmbito das drogas,
segundo dados recentemente divulgados pela Universidade Federal de São Paulo,
para cada dependente de drogas ilícitas, existem, em média, mais quatro pessoas
afetadas de forma devastadora, comprometendo, em inúmeras dimensões, uma
população de quase 30 milhões de brasileiros. O Conselho Internacional de
Controle de Narcóticos, entidade ligada à ONU, emitiu relatório informando que,
em apenas seis anos, entre 2005 e 2011, o consumo de cocaína em nosso País
avançou de 0,7% para 1,75% da população na faixa entre 12 e 65 anos. Isso
corresponde a uma adesão ao uso problemático e à dependência quatro vezes
superior à média mundial e 25% maior que a média da América do Sul. Sem falar
na interface das drogas com diferentes tipos de violência auto ou
heteroinfringida.
De um lado, esbarra-se na
enorme dificuldade, em todos os níveis de governo, de se adotar políticas
efetivas que foram debatidas por três anos pelo Brasil inteiro e estão
previstas na lei; de outro, a cegueira diante de um imenso lobby, muito bem
organizado, difundindo a ideia de que a melhor solução seria a completa
legalização de todas as drogas, começando pela descriminalização da maconha,
como ocorreu em alguns países. Primeiro se descrimina o uso, depois o
"pequeno tráfico". Em seguida, se legaliza a maconha para uso
"medicinal" e recreativo, para finalmente se legalizar todas as
drogas... Uma armadilha, principalmente para cegos!
Urge uma discussão mais
madura, mais honesta e que leve em conta a realidade nacional sobre como
melhorar a política de drogas vigente, debates que, muito além do indivíduo,
mirem a sociedade. Da mesma forma, é necessário um estudo aprofundado sobre a
ética coletiva a ser adotada por aqui. É indispensável se tomar uma decisão de
consenso, sem reinventar a roda, pois somente um conjunto dos atores pode
modificar o cenário.
O que a sociedade
brasileira quer? Continuar míope para determinadas questões e cega para
outras?! Não! O povo brasileiro quer as coisas no devido lugar. Chega de
mentiras, de cabresto da indústria das drogas lícitas ou ilícitas. Não queremos
ser um “tubo de ensaio” de nenhum governo, nem de nenhuma instituição isolada e
autoritária; queremos um estado de direito em que principalmente o direito das
crianças e dos adolescentes de NÃO usar drogas esteja assegurado.
Cinco
princípios de uma política sobre drogas, humana, integral, para todos:
1º - O direito humano é o
capítulo mais importante da política, pois os cidadãos, em especial as
crianças, têm o direito de viver num ambiente seguro, que desenvolva medidas de
redução da demanda e controle da oferta de drogas, tanto em sua família quanto
em sua comunidade.
2º - A redução do consumo
de drogas deve estar no núcleo dessa política, visto que a melhor forma de
reduzir os danos causados pelas drogas é reduzir o consumo.
3º - A prevenção é a parte
mais efetiva da política. Muitos esforços devem ser direcionados para aplicar
suas medidas.
4º - Uma boa política
assistencial deve reconhecer que a dependência é uma doença crônica que se
desenvolve no cérebro e que deve ser prevenida e tratada por meio de boas
práticas.
5º - O Brasil é o único
país do mundo que faz fronteira com todos os produtores de cocaína e, agora,
com mais produtores de maconha. Medidas ajustadas para o controle da oferta
devem ser ampliadas.
Ana Cecilia Petta Roselli
Marques
Fonte: CREMESP - Conselho
Regional de Medicina do Estado de São Paulo
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