quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Legalizar a maconha?

Dom Odilo P. Scherer - O Estado de S.Paulo

LEGALIZAR A MACONHA?

A comercialização legal da maconha em certas áreas dos Estados Unidos mereceu reportagens quase apologéticas. A legalização do uso dessa droga no Uruguai animou as "marchas da maconha" e fez crescer a esperança de quem pretende ver legalizado o seu uso também no Brasil. E como não podia deixar de ser, o assunto agora entra invariavelmente nos debates da campanha eleitoral. Bom mesmo que se discuta e se avaliem os argumentos a favor e contra, sem se ater a uma questão de "pode-não pode".
A questão da legalização das drogas aparece geralmente focada na afirmação da liberdade individual e no direito pessoal de decidir e de fazer o que bem se entende. Mas não se deveriam esquecer o dano e o sofrimento causados às outras pessoas e à sociedade como um todo. É justo decidir para si o que vai prejudicar os outros? A proposta de liberação das drogas vem de uma visão individualista da pessoa e da sociedade e leva ao abalo de valores fundamentais para o convívio social. Quem já foi ao meio do "quadrado" da cracolândia, onde as drogas são usadas livremente, não deixa de ficar impressionado com o estado deplorável a que ficam reduzidos os pobres usuários.
Vamos a alguns motivos contrários à legalização da droga no Brasil. Segundo o levantamento nacional sobre o consumo de álcool e drogas (Lenad), feito em 2013, existem no País cerca de 8 milhões de dependentes químicos; para cada um desses doentes são afetados, em média, quatro familiares. Portanto, somam 32 milhões os brasileiros atingidos, mais ou menos gravemente, pelo uso de drogas; e as consequências são a vida desorganizada e destroçada de muitos jovens, famílias angustiadas, diminuição da capacidade de trabalho, doenças e alto custo econômico para a sociedade inteira.
Alguém argumentará que ninguém propõe a liberação pura e simples do uso das drogas. É verdade, e menos mal! Mas é bem fundamentada a convicção de que as drogas leves chamam pelas mais pesadas. O uso da Canabis não se detém nela, mas é passo para o consumo de drogas mais pesadas e danosas.
Além disso, as drogas que causam maiores danos são exatamente as legais. O cigarro faz milhões de doentes e mata mais do que qualquer outra droga e o álcool, além de deixar doentes e de matar muitíssimas pessoas, é uma das principais causas de violência contra pessoas, sobretudo mulheres e crianças, vítimas diárias de seu consumo excessivo. Além do dano humano e moral, o prejuízo econômico para as famílias e a sociedade é incalculável. Como ficará isso se também o uso da maconha for legalizado?
A legalização diminuiria o consumo? É como alguns argumentam. Mas os fatos fazem prever o contrário: qualquer droga legalizada terá consumo maior. No Brasil há cerca de 3 milhões de usuários de maconha, quase 80% deles começaram a usar ainda na adolescência. Se as leis forem flexibilizadas, o setor social que mais aumentaria o consumo não seria o dos adultos, mas o dos jovens e adolescentes. Isso já está acontecendo, mesmo sem a legalização, pois o acesso à maconha é muito fácil, em razão da falta de políticas eficazes para diminuir a oferta dessa droga.
A maconha é especialmente danosa para os adolescentes. Estudos mostram que quando o seu uso começa nessa fase da vida geralmente existe uma diminuição da memória, da capacidade de concentração e do rendimento escolar; até o QI tem uma diminuição de sete pontos. Alguém ainda tem dúvidas de que a maconha afeta a vida dos adolescentes e jovens? Dos que experimentam a maconha, 1 em cada 6 fica dependente da droga. E 1 de cada 10 desenvolverá um quadro psiquiátrico de psicose, que é uma desorganização grave do cérebro.
A legalização da maconha acabaria com o tráfico de drogas? Também isso é sustentado por defensores de uma nova política de controle das drogas. Mas essa posição não parece realista. De fato, somente 20% de todo o dinheiro do tráfico de entorpecentes vem da maconha; portanto, o filão mais rentável desse negócio ilícito permaneceria intacto. Também é previsível que a venda legal da maconha levaria à oferta de qualidades cada vez mais potentes dessa erva danada.
A maconha usada hoje é dez vezes mais potente do que a consumida há duas décadas. O conteúdo de THC, o princípio ativo dessa droga, era de 0,5%; hoje é de 5%. Existem novas formas de oferta do produto, cuja concentração chega a mais de 25%, como o skank. Portanto, a venda legal da maconha, mais ainda que o seu comércio proibido, estimularia a produção de novas formas da droga, mais potentes e danosas.
A maconha poderia ser liberada para uso medicinal? O professor Ronaldo Ramos Laranjeira, presidente da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, afirma que não existem evidências sobre o uso terapêutico da maconha. Verdade é que um dos componentes da maconha, o canabidiol, pode ser usado terapeuticamente. Tomar o canabidiol, obtido da maconha, como medicamento é algo completamente diferente de fumar maconha. Nenhuma organização médica no mundo recomenda fumar maconha como medicamento. Confundir uma coisa com outra seria como vender veneno de cobra em vez de soro antiofídico, ou como trocar gato por lebre...
Ser contra a legalização da maconha não significa defender a prisão dos usuários. Vários países, e um bom exemplo é a Suécia, oferecem tratamento para usuários e somente o tráfico é punido pela lei. No Brasil, o deputado federal Osmar Terra, do Rio Grande do Sul, apresentou um projeto, que já passou por todas as comissões e votações na Câmara dos Deputados e aguarda a votação no Senado Federal, o qual prevê tratamento para usuários e prisão para traficantes. Seria uma nova forma de enfrentar o problema das drogas. Também da maconha.

DOM ODILO P. SCHERER É CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Especialistas sugerem mudanças no combate ao crack


ESPECIALISTAS SUGEREM MUDANÇAS NO COMBATE AO CRACK.

Zero Hora - por Marcelo Gonzatto

Médicos pedem mais tempo de internação e ampliação da rede de apoio aos usuários.

Especialistas sugerem mudanças no combate ao crack Léo Cardoso/Agencia RBS

Solon está em seu quinto tratamento para a dependência química desde 2010 Foto: Léo Cardoso / Agencia RBS
Médicos ligados à luta contra o crack afirmam que os elevados índices de recaída e reinternação apontados por uma pesquisa gaúcha — quase 90% dos jovens voltam a fumar a pedra três meses após receber alta — reforçam a necessidade de aprimorar o método de tratamento no país.
Segundo especialistas, o sistema público ainda oferece poucos leitos, períodos curtos de internação e não consegue acompanhar o usuário após a alta para prevenir ou reverter eventuais recaídas. Um dos principais problemas, para o psiquiatra e ex-diretor do Hospital Psiquiátrico São Pedro Luiz Carlos Illafont Coronel são as "altas precoces" dos dependentes — geralmente, o período de internação autorizado pelo SUS é inferior a um mês.
— Na Inglaterra, se preveem internações de 30 a 90 dias para depressão grave, o que poderia servir como um parâmetro. Mas o ideal é que o prazo dependesse apenas da condição do paciente. O que se faz hoje é absurdo — afirma o psiquiatra.
Coronel afirma que, segundo levantamentos realizados no país, ao redor de um terço das mortes de usuários de crack são motivadas por altas antecipadas — por razões de saúde ou causas indiretas como envolvimento com a criminalidade ou traficantes. Outra dificuldade é a falta de leitos psiquiátricos — que já chegaram perto de 200 mil no país e hoje estão em 32 mil. Segundo um relatório elaborado por sete entidades médicas, o Estado perdeu 36,7% dos leitos de psiquiatria entre 1993 e 2013.
Em consequência, dependentes como o trabalhador autônomo Solon Santos da Silva Filho, 37 anos, recorrem a sucessivas internações e lidam com uma frequente falta de vagas. Ele está em seu quinto tratamento desde 2010: já passou por três internações em clínicas pelo SUS e está na segunda temporada em uma comunidade terapêutica — a Acolher, de Gravataí. Nas clínicas, conseguiu ficar no máximo um mês, o que considera "muito pouco". Também precisou superar obstáculos para garantir leito:
— Na minha segunda internação, tive de recorrer a uma ordem judicial para conseguir vaga. Mesmo assim, não adiantou e recaí. Agora, já estou há oito meses e 10 dias na comunidade terapêutica — conta.
O presidente da Associação de Psiquiatria do Estado e conselheiro da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), Carlos Salgado, afirma que é necessário investir em ações como medicina comunitária, que permita acompanhar o dependente fora do hospital, aumentar a oferta de leitos psiquiátricos e aprimorar o treinamento dos profissionais de saúde para lidar melhor com a epidemia da droga.