Dom Odilo P. Scherer
- O Estado de S.Paulo
LEGALIZAR A
MACONHA?
A comercialização legal da maconha em certas áreas dos
Estados Unidos mereceu reportagens quase apologéticas. A legalização do uso
dessa droga no Uruguai animou as "marchas da maconha" e fez crescer a
esperança de quem pretende ver legalizado o seu uso também no Brasil. E como
não podia deixar de ser, o assunto agora entra invariavelmente nos debates da
campanha eleitoral. Bom mesmo que se discuta e se avaliem os argumentos a favor
e contra, sem se ater a uma questão de "pode-não pode".
A questão da legalização das drogas aparece geralmente
focada na afirmação da liberdade individual e no direito pessoal de decidir e
de fazer o que bem se entende. Mas não se deveriam esquecer o dano e o
sofrimento causados às outras pessoas e à sociedade como um todo. É justo
decidir para si o que vai prejudicar os outros? A proposta de liberação das
drogas vem de uma visão individualista da pessoa e da sociedade e leva ao abalo
de valores fundamentais para o convívio social. Quem já foi ao meio do
"quadrado" da cracolândia, onde as drogas são usadas livremente, não
deixa de ficar impressionado com o estado deplorável a que ficam reduzidos os
pobres usuários.
Vamos a alguns motivos contrários à legalização da droga no
Brasil. Segundo o levantamento nacional sobre o consumo de álcool e drogas
(Lenad), feito em 2013, existem no País cerca de 8 milhões de dependentes
químicos; para cada um desses doentes são afetados, em média, quatro
familiares. Portanto, somam 32 milhões os brasileiros atingidos, mais ou menos
gravemente, pelo uso de drogas; e as consequências são a vida desorganizada e
destroçada de muitos jovens, famílias angustiadas, diminuição da capacidade de
trabalho, doenças e alto custo econômico para a sociedade inteira.
Alguém argumentará que ninguém propõe a liberação pura e
simples do uso das drogas. É verdade, e menos mal! Mas é bem fundamentada a
convicção de que as drogas leves chamam pelas mais pesadas. O uso da Canabis
não se detém nela, mas é passo para o consumo de drogas mais pesadas e danosas.
Além disso, as drogas que causam maiores danos são
exatamente as legais. O cigarro faz milhões de doentes e mata mais do que
qualquer outra droga e o álcool, além de deixar doentes e de matar muitíssimas
pessoas, é uma das principais causas de violência contra pessoas, sobretudo
mulheres e crianças, vítimas diárias de seu consumo excessivo. Além do dano
humano e moral, o prejuízo econômico para as famílias e a sociedade é
incalculável. Como ficará isso se também o uso da maconha for legalizado?
A legalização diminuiria o consumo? É como alguns
argumentam. Mas os fatos fazem prever o contrário: qualquer droga legalizada
terá consumo maior. No Brasil há cerca de 3 milhões de usuários de maconha,
quase 80% deles começaram a usar ainda na adolescência. Se as leis forem
flexibilizadas, o setor social que mais aumentaria o consumo não seria o dos
adultos, mas o dos jovens e adolescentes. Isso já está acontecendo, mesmo sem a
legalização, pois o acesso à maconha é muito fácil, em razão da falta de
políticas eficazes para diminuir a oferta dessa droga.
A maconha é especialmente danosa para os adolescentes.
Estudos mostram que quando o seu uso começa nessa fase da vida geralmente
existe uma diminuição da memória, da capacidade de concentração e do rendimento
escolar; até o QI tem uma diminuição de sete pontos. Alguém ainda tem dúvidas
de que a maconha afeta a vida dos adolescentes e jovens? Dos que experimentam a
maconha, 1 em cada 6 fica dependente da droga. E 1 de cada 10 desenvolverá um
quadro psiquiátrico de psicose, que é uma desorganização grave do cérebro.
A legalização da maconha acabaria com o tráfico de drogas?
Também isso é sustentado por defensores de uma nova política de controle das
drogas. Mas essa posição não parece realista. De fato, somente 20% de todo o
dinheiro do tráfico de entorpecentes vem da maconha; portanto, o filão mais
rentável desse negócio ilícito permaneceria intacto. Também é previsível que a
venda legal da maconha levaria à oferta de qualidades cada vez mais potentes
dessa erva danada.
A maconha usada hoje é dez vezes mais potente do que a
consumida há duas décadas. O conteúdo de THC, o princípio ativo dessa droga,
era de 0,5%; hoje é de 5%. Existem novas formas de oferta do produto, cuja
concentração chega a mais de 25%, como o skank. Portanto, a venda legal da
maconha, mais ainda que o seu comércio proibido, estimularia a produção de
novas formas da droga, mais potentes e danosas.
A maconha poderia ser liberada para uso medicinal? O
professor Ronaldo Ramos Laranjeira, presidente da Associação Paulista para o
Desenvolvimento da Medicina, afirma que não existem evidências sobre o uso
terapêutico da maconha. Verdade é que um dos componentes da maconha, o
canabidiol, pode ser usado terapeuticamente. Tomar o canabidiol, obtido da
maconha, como medicamento é algo completamente diferente de fumar maconha.
Nenhuma organização médica no mundo recomenda fumar maconha como medicamento.
Confundir uma coisa com outra seria como vender veneno de cobra em vez de soro
antiofídico, ou como trocar gato por lebre...
Ser contra a legalização da maconha não significa defender a
prisão dos usuários. Vários países, e um bom exemplo é a Suécia, oferecem
tratamento para usuários e somente o tráfico é punido pela lei. No Brasil, o
deputado federal Osmar Terra, do Rio Grande do Sul, apresentou um projeto, que
já passou por todas as comissões e votações na Câmara dos Deputados e aguarda a
votação no Senado Federal, o qual prevê tratamento para usuários e prisão para
traficantes. Seria uma nova forma de enfrentar o problema das drogas. Também da
maconha.
DOM ODILO P. SCHERER
É CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO