O PODER DO MÉTODO
CIENTÍFICO.
Lygia da
Veiga Pereira - Blog As meninas Online
O método
científico consiste em observar algum fenômeno, levantar hipóteses para
explicar o mesmo, realizar experimentos para testar as hipóteses, e com base
nos resultados confirmar ou não as mesmas.
O método é tão poderoso que vai além da ciência: firmas de consultoria
prospectam novos funcionários entre Ph.D.’s de qualquer área, não por causa de
seu conhecimento específico, mas sim porque, por definição, os doutores
aprenderam a resolver problemas baseando-se em evidências. Parece óbvio, mas é impressionante o quanto
se é decidido ou concluído baseando-se em “impressões”, “sensações”,
“senso-comum”, ou “experiência própria”…
Todo esse
preâmbulo para eu falar de um estudo muito impressionante sobre as
consequências do uso contínuo de maconha no Q.I.. Por favor, usuários, não se irritem nem se
sintam pessoalmente agredidos pelo estudo – não há ideologia, é pura
ciência. A mesma ciência que nos mostrou
que fumar aumenta o risco de câncer de pulmão e de doença cardíaca, que alto
colesterol e pressão alta aumentam o risco de doença cardíaca e derrame, que
obesidade aumenta e exercício diminui o risco de doença cardíaca. Tudo muito óbvio para o homem contemporâneo,
mas no início dos anos 1950 nada disso era conhecido – fumávamos, bebíamos e
comíamos sem nos dar conta do que estávamos fazendo com nossa saúde.
Foi
acompanhando por décadas mais de 5 mil adultos na cidade de Framingham, nos
EUA, que chegamos a essas conclusões. Os
participantes do Estudo de Framingham
eram submetidos a entrevistas médicas detalhadas, exames físicos e
laboratoriais a cada 2 anos, gerando uma enorme quantidade de dados
epidemiológicos que permitiram identificarmos todos aqueles fatores de risco
para nossa saúde.
Ora, numa
época em que debatemos intensamente a legalização de novas drogas, o que tornaria
a maconha mais acessível a jovens, é fundamental sabermos no que estamos nos
metendo em termos da nossa saúde. E
apesar de eu ter amigos queridos, maravilhosos, felizes, bem sucedidos e
geniais consumidores assíduos de maconha, isso não prova que ela é inócua –
vamos às evidências científicas.
Existem
vários trabalhos associando o uso regular da maconha com um pior desempenho em
testes neuropsicológicos. Porém, em geral os estudos comparam um grupo de
usuários da droga com outro de não usuários. Mas como não sabemos qual era o
Q.I. do pessoal do primeiro grupo antes de começarem a fumar maconha, não
sabemos se estamos comparando grupos de pessoas semelhantes que diferem somente
no quesito uso de maconha, ou se originalmente um grupo era menos inteligente
do que o outro.
Para
resolver isso, cientistas da Nova Zelândia usaram uma estratégia equivalente à
do Estudo de Framingham, acompanhando 1.037 indivíduos desde o nascimento até
os 38 anos de idade – o Estudo de Dunedin.
Agora sim eles poderiam acompanhar a evolução do Q.I. de cada
participante ao longo de sua vida, e ver o que acontece com aqueles que usam
drogas versus os que não usam ao longo dos anos. O consumo de maconha (pelo menos 4 dias por
semana) foi determinado aos 18, 21, 26, 32 e 38 anos de idade, e os testes
neuropsicológicos foram feitos aos 13 anos, antes do uso de maconha, e aos 38
anos. Como os participantes tinham
Q.I.´s diferentes, o parâmetro medido foi a variação de Q.I. ao longo do período.
O estudo
mostrou que entre os 13 e os 38 anos, enquanto os “caretas” tiveram uma pequena
alta de Q.I., os consumidores tiveram declínio de Q.I., sendo que aqueles que
usaram maconha por mais tempo tiveram o maior declínio de Q.I.. O estudo é bem
rigoroso, e controla para outros fatores como escolaridade, consumo de álcool
ou outras drogas, e esquizofrenia, que possam influenciar nas diferenças de
Q.I. . Mesmo assim, o grupo consumidor assíduo tem um declínio de Q.I.,
enquanto o outro grupo não.
Mas esse déficit
de Q.I. é importante, tem algum impacto na vida do consumidor, ou é só uma
curiosidade matemática? Para avaliar isso, cada participante elegeu “pessoas
que os conheciam bem”, que responderam questionários sobre memória e atenção de
seus amigos. E de fato, segundo a
avaliação dos amigos, os que consumiam maconha tinham muito mais problemas de
memória e atenção, e quanto maior o consumo, maiores os problemas.
Outro
objetivo do estudo foi avaliar se esses efeitos da maconha eram mais acentuados
em adolescentes. O cérebro do
adolescente está em intensa atividade de desenvolvimento, e por isso pode ser
mais suscetível aos efeitos tóxicos das drogas. De fato, entre os consumidores
assíduos de maconha, aqueles que começaram na adolescência tiveram um maior
declínio em Q.I. do que os que começaram na vida adulta (8 pontos!)…
OK, estou
convencido, vou parar de fumar, tudo bem?
Se você começou na adolescência, tudo médio… O estudo mostrou que
aqueles que fumavam desde a adolescência ainda apresentavam declínio de Q.I.
mesmo tendo diminuído o consumo drasticamente (de 365 para 6 dias por ano) no
último ano.
Em
conclusão, o uso contínuo de maconha por 20 anos foi associado a um déficit
neuropsicológico, que aumenta com o aumento do consumo. Esse efeito está mais concentrado naqueles
que começam o uso na adolescência, e é notado por pessoas próximas. E talvez mais grave, o déficit de funções
cognitivas naqueles que começaram o uso da maconha na adolescência persiste por
pelo menos um ano após o cessar do consumo.
Q.I. é
parâmetro de felicidade? Não sei. O que cada um quer fazer com essas
informações, faz parte de seu livre arbítrio. Todos nós sabemos os efeitos
nocivos de tantas coisas que teimamos em consumir, e a decisão individual é uma
equação complexa de custos e benefícios muito particulares. Mas quando estamos
falando de políticas públicas, que vão afetar toda a sociedade, sim, é
fundamental nos valermos de evidências científicas para elaborar regras que
protejam a saúde da nossa população.
Como discuti em meu outro artigo (Mamãe, droga é bom?), política pública
é outra equação bem complexa, e esse efeito da maconha no cérebro dos jovens é
um de seus fatores, a meu ver com um peso importante.
Leia mais em: Persistent cannabis users show
neuropsychological decline from childhood to midlife. PNAS, 27 de Agosto, 2012.
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