quarta-feira, 21 de maio de 2014


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O PODER DO MÉTODO CIENTÍFICO.

Lygia da Veiga Pereira - Blog As meninas Online

O método científico consiste em observar algum fenômeno, levantar hipóteses para explicar o mesmo, realizar experimentos para testar as hipóteses, e com base nos resultados confirmar ou não as mesmas.  O método é tão poderoso que vai além da ciência: firmas de consultoria prospectam novos funcionários entre Ph.D.’s de qualquer área, não por causa de seu conhecimento específico, mas sim porque, por definição, os doutores aprenderam a resolver problemas baseando-se em evidências.  Parece óbvio, mas é impressionante o quanto se é decidido ou concluído baseando-se em “impressões”, “sensações”, “senso-comum”, ou “experiência própria”…

Todo esse preâmbulo para eu falar de um estudo muito impressionante sobre as consequências do uso contínuo de maconha no Q.I..  Por favor, usuários, não se irritem nem se sintam pessoalmente agredidos pelo estudo – não há ideologia, é pura ciência.  A mesma ciência que nos mostrou que fumar aumenta o risco de câncer de pulmão e de doença cardíaca, que alto colesterol e pressão alta aumentam o risco de doença cardíaca e derrame, que obesidade aumenta e exercício diminui o risco de doença cardíaca.  Tudo muito óbvio para o homem contemporâneo, mas no início dos anos 1950 nada disso era conhecido – fumávamos, bebíamos e comíamos sem nos dar conta do que estávamos fazendo com nossa saúde.

Foi acompanhando por décadas mais de 5 mil adultos na cidade de Framingham, nos EUA, que chegamos a essas conclusões.  Os participantes do Estudo de Framingham  eram submetidos a entrevistas médicas detalhadas, exames físicos e laboratoriais a cada 2 anos, gerando uma enorme quantidade de dados epidemiológicos que permitiram identificarmos todos aqueles fatores de risco para nossa saúde.

Ora, numa época em que debatemos intensamente a legalização de novas drogas, o que tornaria a maconha mais acessível a jovens, é fundamental sabermos no que estamos nos metendo em termos da nossa saúde.  E apesar de eu ter amigos queridos, maravilhosos, felizes, bem sucedidos e geniais consumidores assíduos de maconha, isso não prova que ela é inócua – vamos às evidências científicas.

Existem vários trabalhos associando o uso regular da maconha com um pior desempenho em testes neuropsicológicos. Porém, em geral os estudos comparam um grupo de usuários da droga com outro de não usuários. Mas como não sabemos qual era o Q.I. do pessoal do primeiro grupo antes de começarem a fumar maconha, não sabemos se estamos comparando grupos de pessoas semelhantes que diferem somente no quesito uso de maconha, ou se originalmente um grupo era menos inteligente do que o outro.

Para resolver isso, cientistas da Nova Zelândia usaram uma estratégia equivalente à do Estudo de Framingham, acompanhando 1.037 indivíduos desde o nascimento até os 38 anos de idade – o Estudo de Dunedin.  Agora sim eles poderiam acompanhar a evolução do Q.I. de cada participante ao longo de sua vida, e ver o que acontece com aqueles que usam drogas versus os que não usam ao longo dos anos.  O consumo de maconha (pelo menos 4 dias por semana) foi determinado aos 18, 21, 26, 32 e 38 anos de idade, e os testes neuropsicológicos foram feitos aos 13 anos, antes do uso de maconha, e aos 38 anos.  Como os participantes tinham Q.I.´s diferentes, o parâmetro medido foi a variação de Q.I. ao longo do período.

O estudo mostrou que entre os 13 e os 38 anos, enquanto os “caretas” tiveram uma pequena alta de Q.I., os consumidores tiveram declínio de Q.I., sendo que aqueles que usaram maconha por mais tempo tiveram o maior declínio de Q.I.. O estudo é bem rigoroso, e controla para outros fatores como escolaridade, consumo de álcool ou outras drogas, e esquizofrenia, que possam influenciar nas diferenças de Q.I. . Mesmo assim, o grupo consumidor assíduo tem um declínio de Q.I., enquanto o outro grupo não.

Mas esse déficit de Q.I. é importante, tem algum impacto na vida do consumidor, ou é só uma curiosidade matemática? Para avaliar isso, cada participante elegeu “pessoas que os conheciam bem”, que responderam questionários sobre memória e atenção de seus amigos.  E de fato, segundo a avaliação dos amigos, os que consumiam maconha tinham muito mais problemas de memória e atenção, e quanto maior o consumo, maiores os problemas.

Outro objetivo do estudo foi avaliar se esses efeitos da maconha eram mais acentuados em adolescentes.  O cérebro do adolescente está em intensa atividade de desenvolvimento, e por isso pode ser mais suscetível aos efeitos tóxicos das drogas. De fato, entre os consumidores assíduos de maconha, aqueles que começaram na adolescência tiveram um maior declínio em Q.I. do que os que começaram na vida adulta (8 pontos!)…

OK, estou convencido, vou parar de fumar, tudo bem?  Se você começou na adolescência, tudo médio… O estudo mostrou que aqueles que fumavam desde a adolescência ainda apresentavam declínio de Q.I. mesmo tendo diminuído o consumo drasticamente (de 365 para 6 dias por ano) no último ano.

Em conclusão, o uso contínuo de maconha por 20 anos foi associado a um déficit neuropsicológico, que aumenta com o aumento do consumo.  Esse efeito está mais concentrado naqueles que começam o uso na adolescência, e é notado por pessoas próximas.  E talvez mais grave, o déficit de funções cognitivas naqueles que começaram o uso da maconha na adolescência persiste por pelo menos um ano após o cessar do consumo.

Q.I. é parâmetro de felicidade? Não sei. O que cada um quer fazer com essas informações, faz parte de seu livre arbítrio. Todos nós sabemos os efeitos nocivos de tantas coisas que teimamos em consumir, e a decisão individual é uma equação complexa de custos e benefícios muito particulares. Mas quando estamos falando de políticas públicas, que vão afetar toda a sociedade, sim, é fundamental nos valermos de evidências científicas para elaborar regras que protejam a saúde da nossa população.  Como discuti em meu outro artigo (Mamãe, droga é bom?), política pública é outra equação bem complexa, e esse efeito da maconha no cérebro dos jovens é um de seus fatores, a meu ver com um peso importante.

Leia mais em: Persistent cannabis users show neuropsychological decline from childhood to midlife. PNAS, 27 de Agosto, 2012.

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