Bass diz que alcoolismo não deve ser tratado como ‘braço quebrado’.
Americano propõe um acompanhamento pessoal para recuperar as pessoas viciadas em álcool e outras drogas
‘Precisamos trocar a
cultura do vício pela da recuperação’.
Fabiana Cambricoli - O Estado de S. Paulo
Por mais de 20 anos, o americano Ben Bass viveu o drama do
alcoolismo. Em 1987, iniciou sua recuperação e seu ativismo pelos direitos dos
dependentes químicos. Hoje, é diretor executivo da Recovery Alliance de El
Paso, do Texas (EUA), que propõe um modelo de acompanhamento pessoal na
recuperação do usuário. No Brasil para um seminário sobre alcoolismo, Bass
afirmou ao Estado que não é possível vencer a luta contra as drogas sem tratar
a dependência como uma doença crônica e sem acabar com o estigma em torno dos
usuários.
Como é o trabalho de vocês?
Somos uma organização totalmente composta por pessoas que
estão em recuperação do vício. Nossa ideia é lutar contra o estigma e a
discriminação das pessoas em recuperação. Fazemos um serviço de recuperação
individualizado, de igual para igual, em que pessoas que estão em recuperação
ajudam as outras.
Como funciona esse processo de acompanhamento?
Se você vem e procura ajuda, nós te designamos uma espécie
de padrinho. Ele é orientado a te ligar pelo menos uma vez por semana no
primeiro ano de recuperação. Temos, acima dele, um supervisor que vai checar se
ele está fazendo os contatos.
Vocês já conseguiram medir resultados desse programa?
Em 2008, nossa organização propôs um programa para o governo
federal no qual combinaríamos cuidados médicos e esse acompanhamento de igual
para igual. Em três anos, atendemos 387 moradores de rua viciados em álcool ou
outras drogas e que tinham algum outro distúrbio mental. Conseguimos acompanhar
340 dessas pessoas, das quais 70% seguiam abstêmias após seis meses.
Como fazer as pessoas buscarem tratamento para o vício?
Vejo algumas semelhanças entre o relacionamento familiar de
El Paso, que tem uma grande comunidade hispânica, e o Brasil. Em El Paso, vemos
muitas mães negarem que seus filhos são viciados. Para as famílias, eu diria
para se cuidarem. O alcoolismo é uma doença da família. Por isso incentivamos a
todos que estão em recuperação bem-sucedida mostrarem seus rostos e vozes e
provar que a recuperação é real. Estou em recuperação há 26 anos. Conheço
juízes federais nos Estados Unidos e pessoas muito bem-sucedidas que estão em
recuperação.
Muitos no Brasil acham que a solução para a dependência
química está na internação...
Posso te dizer por que isso está errado? Desde 1954, a
Associação Médica Americana reconhece o alcoolismo como uma doença crônica,
como a diabete, por exemplo, que deve ser tratada com intervenções clínicas e
mudanças em seu estilo de vida, de hábitos. Durante muito tempo, tratamos o
alcoolismo como um braço quebrado, mas não é assim, e é por isso que o
Alcoólicos Anônimos é tão bem-sucedido, porque dá uma nova cultura para as
pessoas em recuperação. Os médicos são muito bons no que fazem. Mas, quando
esse tratamento acaba, é preciso que seja feito um acompanhamento bom o
suficiente para substituir a cultura do vício pela cultura da recuperação.
O que o Brasil pode fazer para mudar essa percepção?
Exige organização, exige esforço, não acontece sozinho.
Precisamos de pessoas mostrando a real face da recuperação. Queremos
representar a recuperação com esses rostos bem-sucedidos e não com uma foto da
Cracolândia. A questão da vergonha mata as pessoas.
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