Champanhe para crianças?
Cereser
trava disputa judicial sobre o Spunch
A Cereser começou a colocar nas prateleiras dos supermercados,
pelo quarto ano consecutivo, uma bebida para crianças que vem em garrafas
idênticas às de champanhe, revestida com personagens do imaginário infantil. O
produto, batizado de Spunch, faz espuma como a champanhe, mas não tem álcool.
Apesar de ser descrito pela empresa como um inocente suco gaseificado
"para a garotada brindar momentos especiais", está na mira da
Defensoria Pública do Estado de São Paulo desde 2011.
No dia 27 de dezembro daquele ano, o órgão recomendou à Cereser
a retirada do produto do mercado, por entender que ele apresenta para as
crianças o mundo das bebidas alcoólicas. Na ocasião, a empresa respondeu que o
Spunch já estava sendo retirado, pois se tratava de uma bebida com venda
sazonal para as festas de fim de ano.
Mas, no Natal de 2012, ele retornou às prateleiras. A
Defensoria, então, ajuizou uma ação civil pública para interromper a
comercialização do produto em fevereiro de 2013. Julio Grostein, defensor
responsável pela ação, diz que, no entendimento do órgão, a bebida, ainda que
não contenha álcool, está embalada como espumante, posicionada no supermercado
no setor de bebidas alcoólicas e, por ter personagens de historinhas em
quadrinho e de desenhos animado estampados no rótulo, é um convite ao consumo
futuro do álcool. "Essa ação está, em grande parte, baseada em laudo
psicológico que demonstra que essa bebida apressa o incentivo ao consumo do
álcool."
Nos últimos dois anos, personagens como Mickey, Minnie e os
"Carros", do filme da Disney, apareceram no rótulo. Era uma parceria
de licenciamento da Cereser com a Walt Disney Company Brasil. Agora, nas
versões encontradas pela reportagem no supermercado, estão Penélope Charmosa,
Super Homem e Batman.
Além da ação civil pública, a Defensoria entrou com uma liminar
pedindo que o produto fosse recolhido das prateleiras enquanto o processo está
em curso. A juíza Patrícia Prado negou o pedido. Entre outros argumentos, ela
alega ser "sabido que o consumo de alimentos e bebidas por crianças e
adolescentes deve ser sempre acompanhado, orientado pelos responsáveis, de modo
que caberá a eles a orientar as crianças sobre o consumo de produto em
questão". Ela também afirma, em decisão publicada em abril de 2013, que
"o próprio nome do produto - que faz alusão ao termo Disney, sabidamente
voltado ao público infantil - torna questionável a possibilidade de confusão
com bebidas destinadas apenas a adultos".
Em segunda instância, o Tribunal de Justiça também entendeu que
o produto não precisa ser retirado dos supermercados por enquanto.
"Somente seria cabível a imediata retirada do produto se comprovado o
desvio de comportamento das crianças em decorrência do acesso a produtos
similares aos destinados ao público adulto". Além disso, um despacho de
julho de 2012 afirma que o parecer psicológico que a Defensoria trouxe é
insuficiente para formar o convencimento "de que tal produto poderia
induzir ao consumo de bebidas proibidas para menores".
O caso não está encerrado. Agora começa a fase em que o defensor
deverá apresentar novos laudos com consequências nocivas da bebida e reforçar o
argumento de que ela também embute publicidade abusiva. A Cereser, por sua vez,
poderá reforçar os argumentos de que a bebida está de acordo com o Código de
Defesa do Consumidor. Para a empresa, "o produto é lícito e de forma
alguma ameaça a saúde e a integridade das crianças."
Nayara Fraga e Alexa Salomão - O Estado de S.Paulo
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