Chorão,
Graziela e a codependência.
Folha de São Paulo - Equilíbrio e Saúde - Cláudia
Collucci
Só o desespero gerado pela perda inesperada
de um ente querido explica a reação de familiares de Chorão de atribuir a culpa
pela sua morte à ex-mulher, a estilista Graziela Gonçalves. Não há culpados
nessa história, apenas vítimas da dependência química. Quantos Chorões e
Grazielas não vivem hoje o mesmo drama?
Quantas mulheres que amam ou amaram um
dependente químico já não enfrentaram a mesma acusação absurda? Como o grupo
Narcóticos Anônimos bem coloca, não há nada a fazer se o dependente químico não
se conscientizar de que está doente, de que não tem controle sobre a compulsão
e de que precisa de ajuda para se livrar dela. O terceiro mandamento do NA é
claro sobre isso: "Um adicto que não queira parar de usar não vai parar de
usar. Pode ser analisado, aconselhado, pode se rezar por ele, pode ser
ameaçado, surrado ou trancado, mas não irá parar até que queira parar".
Por outro lado, é importante enfatizar que ir
além dos próprios limites para tentar "salvar" alguém não é nada
saudável. Quem compartilha a vida com um dependente químico, alcoólatra ou
vítima de outra compulsão pode acabar, sem perceber, desenvolvendo um
transtorno emocional chamado de codependência. Segundo o psiquiatra Geraldo
José Ballone, criador do site PsiqWeb, codependentes são familiares,
normalmente pais, filhos ou cônjuges, que vivem obsessivamente em função da
pessoa problemática."Tentam ajudá-la o tempo todo, esquecendo de cuida da
própria vida."
Normalmente são pessoas que têm baixa
autoestima, intenso sentimento de culpa e não conseguem se desvencilhar da
pessoa dependente. Quantas pessoas não conhecemos com esse perfil? Suportam
todo tipo de comportamento compulsivo do outro, como se assumissem uma espécie
de "carma", como se esse fosse o seu destino. Existe uma expressão na
psicologia e na psiquiatria que representa bem a maneira como o codependente
adere à pessoa problemática: atadura emocional. Acontece quando uma pessoa
se"atrela "emocionalmente a coisas negativas ou patológicas de alguém
que a rodeia. Por causa dessas amarras emocionais, o codependente passa a ser
quase um outro dependente (da pessoa problemática). Ele quer ser o
"salvador" da outra pessoa. Mas o problema do codependente é muito
mais dele próprio do que da pessoa problemática.
Todo amor que não produz paz, mas sim
angústia ou culpa, pode estar contaminado de codependência. É um amor patológico,
obsessivo e bastante destrutivo. Atualmente, há grupos de ajuda para familiares
de dependentes (químicos e alcoólicos) que se propõem a tratar a codependência,
orientando os familiares a adotarem comportamentos mais saudáveis. Os
profissionais acreditam que o primeiro passo para a mudança é tomar consciência
e aceitar o problema.
O tratamento pode envolver psicoterapia,
terapia familiar, uso de medicamentos e grupos de autoajuda, como o Alanom e
Codependentes Anônimos (nos mesmos moldes dos Alcoólicos Anônimos). A polêmica
em torno da morte de Chorão é um bom momento para a sociedade refletir sobre
essa questão, que geralmente fica ofuscada pelo enorme peso da dependência
química. Devemos pensar nisso antes de sair por aí atribuindo culpas a pessoas
que, muitas vezes, estão tão frágeis e doentes quanto o próprio dependente
químico.
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