A causa e o
efeito.
Certo escritor, morto há 20 anos, passou a vida bebendo uísques nobres
em salões idem, na companhia de ministros de Estado, diplomatas, poetas
estrangeiros e belas mulheres. Todos o admiravam e, por muito tempo, seu
consumo alcoólico não interferiu no apreço que lhe dedicavam. Mas, um dia, a
coisa saiu do controle. Já perto do fim, estava reduzido à pinga e aos
botequins mais sórdidos de Ipanema, e mesmo estes o proibiam de frequentá-los
-porque sua decadência e agressividade afugentavam os outros clientes.
Quase o mesmo quanto à cocaína. Por um
tempo razoável, seus adeptos conseguem manter o consumo a níveis que não
interferem na sua criatividade, eficiência ou vida familiar. Mas tal consumo
pode crescer até tornar irritante ou secundário tudo que não seja a droga. A
médio prazo, o destino desse usuário é o gueto, a criminalidade ou a morte.
Com o crack, não há tempo para nada.
Desde o começo, dependência e vida "normal" se excluem. Na terceira
ou quarta pedra, o indivíduo já tem de abrir mão de família, emprego,
compromissos. Como a dependência precisa ser satisfeita em tempo integral, ele
não pode ficar longe do traficante. Daí a cracolândia -a calçada, o buraco na
parede, o cobertor, os ratos, as doenças crônicas, a imundície e a
promiscuidade para os quais seus prisioneiros se mudam.
Curiosamente, ainda há quem acredite
que a cracolândia é um produto da miséria, não da droga e que, se se resolvesse
o problema de moradia e saúde daqueles miseráveis, eles se "reinseririam
socialmente". Como se, no contingente da cracolândia, não houvesse
médicos, advogados, professores, comerciários -todos ex, claro-, jovens de
várias classes sociais e até suas mães, que foram lá para buscá-los e também
ficaram.
A miséria está por toda parte, mas as
cracolândias são localizadas. Por enquanto.
Ruy Castro
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