A droga invade a faculdade.
Quase 50% dos 18 mil universitários entrevistados no país admitem ter
usado entorpecentes.
No DF, a situação se repete, segundo professores e alunos. Com medo de
represálias, docentes se calam. A Secretaria de Justiça e Cidadania pretende
ensiná-los a lidar com o problema.
Saulo Araújo/Ariadne Sakkis
"Parece uma coisa distante do universo universitário, mas não é.
São recorrentes os casos de professores ameaçados por tentarem enfrentar
estudantes dependentes químicos" Rodrigo de Paula,presidente do Sindicato
dos Professores das Entidades de Ensino Particulares.
"Volta e meia, prendemos um
estudante universitário envolvido com quadrilhas especializadas em tráfico de
drogas. É triste para os pais, que ficam muito surpresos e decepcionados"
Luiz Alexandre Gratão, delegado-chefe da Cord
O flagelo das drogas não se restringe ao universo das escolas. Nas faculdades
públicas e privadas do Distrito Federal, o problema se repete. Em muitas delas,
combater o consumo é mais complicado do que nos centros educacionais. Por lidar
com um público adulto e que paga pelos estudos, a maioria dos professores tem
dificuldade para controlar a entrada de substâncias ilícitas em sala de aula.
A mais recente pesquisa feita pela Secretaria Nacional de Políticas sobre
Drogas (Senad) mostra que quase 50% dos 18 mil universitários entrevistados
admitiram ter usado algum tipo de entorpecente. O estudo não faz um recorte por
unidade da Federação, mas especialistas, professores e alunos ouvidos pelo
Correio confirmam a realidade na capital. Numa faculdade privada de Taguatinga,
a polícia teve de agir para acabar com o tráfico explícito na entrada da
instituição. O episódio ocorreu em janeiro. Na ocasião, dois homens, sendo um
estudante, foram presos acusados de vender maconha e cocaína.
O presidente do Sindicato dos Professores das Entidades de Ensino Particulares
(Sinproep), Rodrigo de Paula, confirma a rotina de medo. Segundo ele, é comum
alunos sob efeito de drogas ameaçarem servidores. Mas, por medo de represálias,
a maioria dos trabalhadores prefere não comunicar o episódio à polícia e ao
sindicato da categoria. “Parece uma coisa distante do universo universitário,
mas não é. São recorrentes os casos de professores ameaçados por tentarem
enfrentar estudantes dependentes químicos. O problema é que ficamos sabendo
desses episódios por meio do boca a boca, pois é natural que eles (professores)
fiquem com receio de fazer uma denúncia formal”, explica Rodrigo.
Na tentativa de mudar essa realidade, a entidade sindical, em parceria com a
Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus), abriu inscrições para um curso no
qual educadores aprenderão como lidar ao se deparar com alunos drogados. A
primeira turma deve ser formada em outubro. “Percebemos que muitos professores
não sabem o que fazer diante de um problema tão sério. Com uma abordagem
direcionada e correta, acreditamos que as soluções para esses conflitos possam
ser encontradas de forma mais tranquila”, frisou Rodrigo de Paula.
Festas badaladas
As universidades mais tradicionais e
caras de Brasília não estão livres das drogas. Cientes do alto poder aquisitivo
dos estudantes, traficantes seduzem jovens para festas badaladas promovidas em
mansões situadas em bairros nobres. Nesses eventos, predomina o consumo de
drogas sintéticas, como o ecstasy e o LSD. A cocaína escama de peixe, quase
100% pura, também é bastante procurada por estudantes universitários com bom
padrão financeiro.
No primeiro semestre deste ano, a Coordenação de Repressão às Drogas (Cord)
apreendeu 397 kg de cocaína. Desse total, aproximadamente 4kg eram do tipo
escama de peixe. O quilo desse pó chega a custar R$ 100 mil nos bairros nobres.
Nas cidades mais pobres, o preço cai para R$ 40 mil pela mesma quantidade.
Parte desse narcótico é consumido por aspirantes a médicos, engenheiros,
administradores, entre outros profissionais. “Volta e meia, prendemos um
estudante universitário envolvido com quadrilhas especializadas em tráfico de drogas.
É triste para os pais, que ficam muito surpresos e decepcionados quando
descobrem que seus filhos estão envolvidos com esses grupos”, afirma o
delegado-chefe da Cord, Luiz Alexandre Gratão.
Estudo interrompido
Foi justamente numa festa de fim de ano
promovida por estudantes do curso de publicidade que o jovem Luiz*, 26 anos,
entrou no submundo das drogas. Começou com a maconha, passou para a cocaína e,
por muito pouco, não chegou ao fundo do poço com o crack. “Teve um dia que
cheirei (cocaína) tanto que criei coragem para experimentar coisas novas.
Estava disposto a conhecer o crack e só não comprei uma pedra porque um amigo
meu que cheirava comigo impediu”, afirma.
O vício fez Luiz interromper uma promissora carreira. Os pais trancaram a
matrícula do rapaz no terceiro semestre e o internaram numa clínica de
reabilitação. Há seis meses, ele não usa nenhum tipo de substância ilícita, mas
ainda não se sente preparado para voltar a estudar e encontrar os amigos que
lhe ofereceram a primeira carreira de pó. “Acho melhor esperar mais um tempo.
Quero me desligar dessa turma, sair dessa faculdade e começar uma vida nova”,
vislumbra Luiz.
Para a titular da Promotoria de Educação, Márcia Pereira da Rocha, a prevenção
ao uso de drogas deveria ocorrer desde os primeiros anos da criança na escola,
com uma participação bem mais ativa do Estado e da família. “A escola, no
Brasil, é um palco da visualização da violência que ocorre na cidade. Não foi
ela (escola) que estimulou o uso e ela não é culpada pelo que está ocorrendo
dentro dela. Se não houver uma ação multidisciplinar para o enfrentamento desse
problema, não podemos esperar que apenas os professores tenham condições de
mudar esse cenário”, analisa a promotora.
Alunos da UnB detidos
Em novembro de 2008,
uma operação desencadeada pela Coordenação de Repressão às Drogas (Cord), da
Polícia Civil, terminou com a prisão de sete pessoas, entre elas dois
estudantes da Universidade de Brasília (UnB). Pedro Ivo Vianna e Rogério Fenner
Santos foram apontados como integrantes de uma quadrilha envolvida com o
tráfico de drogas interestadual. O grupo compraria os entorpecentes no Rio de
Janeiro e em Mato Grosso do Sul e revenderia no Distrito Federal, inclusive dentro
da UnB. Estima-se que o comércio movimentava pelo menos 10kg de haxixe por
semana, além de LSD e ecstasy. Pedro Ivo foi condenado a 15 anos de prisão. O
processo de Rogério ainda tramita no Superior Tribunal de Justiça.