O grande clichê.
RIO DE JANEIRO - Um usuário de álcool, maconha, cocaína ou qualquer droga que: 1) Já tenha suspeitado de que seu uso da substância começa a sair de controle; 2) Sentiu-se angustiado pela possibilidade de seu estoque acabar naquela noite ou nas próximas horas; 3) Tentou parar de usar e não conseguiu; ou 4) Tiver sentido os mal-estares típicos da síndrome de abstinência --enfim, se um usuário admitir que já passou por apenas uma dessas situações, já pode ser considerado dependente.Um levantamento promovido pela USP e pelo Inpad (Instituto Nacional para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas), ouvindo 4.067 pessoas em 149 cidades de todos os Estados, concluiu que há 1,3 milhão de brasileiros dependentes de maconha, sendo adolescentes mais da metade destes. É um número muito alto para uma droga que, como martela o tremendo lobby a seu favor, "não vicia", não tem "problema algum" e faz "menos mal que o cigarro comum".
A dependência significa o fim do uso recreativo do produto --sendo este o período em que o usuário ainda pode optar por usá-lo ou não naquele momento e, se optar pelo não-uso, não sentirá alterações físicas ou emocionais consideráveis. Ou seja, em que a razão ainda prevalece sobre a fissura.
Na dependência, a situação se inverte, e o indivíduo não é mais senhor de decidir pelo uso ou não. Ele tem de usar, e agora --caso contrário, o organismo lhe cobrará caro, na forma de, no caso da maconha, ansiedade, irritação, insônia, dores abdominais, desconforto físico geral e outros sintomas que só serão aliviados com o uso do produto.
O número de usuários "recreativos" é dez vezes maior que o de dependentes, e nem todos são ou ficarão dependentes, claro. Mas é sempre o grande clichê: todo dependente, um dia, já se julgou superior à substância e, pior ainda, superior a si mesmo.
Ruy Castro, escritor e jornalista
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