quinta-feira, 30 de agosto de 2012



Combate ao crack: missão de quem não desiste.


Pedem internação involuntária. Saibam que 11% dos casos são assim. Depois da crise, porém, o poder público nada pode fazer se há desistência do tratamento
Em julho de 2009, dias 23 e 24, a Folha registrava que "80% dos moradores de rua (...) recusaram tratamento", segundo os repórteres que acompanharam dois dias de trabalho dos agentes de saúde da Prefeitura abordando 332 pessoas, no início da Ação Integrada Centro Legal.
Em agosto deste ano, dias 2 e 3, em reportagem e editorial, a Folha destacou que "70% (dos usuários de crack) nunca receberam oferta de tratamento", segundo pesquisa da Unifesp que entrevistou 151 usuários de crack na região central.
O que mudou? Temos os registros das 4.218 internações feitas nesses três anos, 2.487 delas específicas para dependência, resultado das mais de 215 mil abordagens dos agentes.
Tudo foi colocado à disposição da mídia em diversos momentos. Especialistas e pesquisadores, com base em 151 entrevistas, apontam as falhas desses três anos de trabalho. Em editorial, a Folha cobra uma resposta mais eficaz que inclua a internação involuntária ("Cumpra-se a lei", no dia 3 de agosto). Saibam que 11% das internações referidas foram involuntárias, na forma da lei.
Parece que se baseiam nos tratamentos feitos na vida privada, onde quem pode pagar aciona um "serviço de remoção de emergência", interna seu "ente querido" e, quando ele, depois da crise, quiser sair, a família o mantém internado.
Se a família pode fazer isso, e há controvérsias, o poder público não pode. Fora da crise, prevalece a vontade do indivíduo.
Daí resulta que 52% das 2.149 altas nesse período foram por desistência do tratamento. Poderíamos engordar as estatísticas com os 906 casos de desistência antes das primeiras 24 horas, o que não caracteriza internação.
Talvez nossos especialistas devessem olhar para a saída do sistema púbico e não para a entrada.
Em Portugal, por exemplo, o dependente é obrigado a aderir a um dos tratamentos oferecidos pelo Estado e sofre restrições, como proibição de frequentar certas áreas, em caso de reincidência.
Claro que existem falhas, mas, na cidade de São Paulo, não é verdade que os dependentes estejam abandonados à própria sorte. Temos a maior e mais diversificada estrutura de atendimento do país, com 135 equipamentos e investimentos próprios de R$ 200 milhões ao ano, porém ela tem seus limites. É limitada pela ampla e irrestrita oferta de crack e outras drogas que aqui chegam livremente, pela legislação e pela prática federal de mascarar sua omissão com programas pontuais, que não financia integralmente e se reduzem a marcas midiáticas.
A Aids está sendo vencida porque há um consenso técnico-científico sobre seu enfrentamento, dependendo apenas da decisão política de fazer ou não fazer. No combate às drogas, não há nem mesmo um consenso social. Queremos de fato combater o uso de drogas?
Chega a ser deprimente que esse pequeno e absolutamente degradado contingente de moradores em situação de rua crônicos, majoritariamente dependentes de tabaco, álcool e outras drogas, seja escandalosamente usado como estandarte num debate estéril, embora retumbante.
Felizmente, enquanto isso, centenas de profissionais de saúde, absolutamente comprometidos no dia a dia com ações voltadas a essa população duplamente vulnerável, continuam trabalhando, como vêm fazendo nesses três anos. São imprescindíveis, pois não desistem. Seu trabalho não é retumbante nem estéril.
JANUARIO MONTONE, 57, é secretário nunicipal de Saúde de São Paulo. Foi diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).



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