A crônica de um menor viciado em crack.
Lauro Neto RIO -
O adolescente X., de 14 anos, é viciado em crack desde os 10. Há 11 dias, ele
foi recolhido por agentes da prefeitura numa cracolândia na favela do Jacarezinho
e, há uma semana, está na Casa Ser Adolescente, uma unidade de abrigo
compulsório da prefeitura para crianças e adolescentes dependentes químicos, em
Campo Grande. Não é a sua primeira vez sob a tutela do município. Em quatro
anos, X. passou 66 vezes pela Central de Recepção Carioca, responsável pela
triagem dos menores acolhidos nas ruas.
O garoto é mais
um no exército de menores de idade dependentes de crack no Rio. No próximo dia
31 de março, completa um ano que a prefeitura começou operações de recolhimento
específicas para cracolândias. A partir daí, foram 3.579 acolhimentos. Desses,
544 foram de crianças e adolescentes, que, desde maio, são mantidos nos abrigos
mesmo contra sua vontade, e só podem ser liberados pela Justiça.
Mas muitos fogem
dos abrigos. Segundo o secretário municipal de Assistência Social, Rodrigo
Bethlem, há, no máximo, 150 menores viciados em crack nas ruas e em
atendimento. Boa parte, reincidente. Muitos foram abrigados ao menos três vezes
desde 31 de março. Ano passado, X. foi acolhido e voltou às ruas três vezes. No
último dia 7, ao ser abordado por agentes da Secretaria Municipal de
Assistência Social, no Jacarezinho, ele até cumprimentou a equipe.
Já conheço todo
mundo. Passei por todos os abrigos que existem conta ele, rindo. Fugi de um que
ficava em Barra Mansa e voltei andando. Ano passado, pulei o muro do Ser
Criança, peguei o trem e fui direto para o Jacarezinho.
‘Nossos abrigos
não são presídios’, diz secretário
Desde que a
prefeitura implementou o acolhimento compulsório, há dez meses, os menores só
podem deixar o abrigo com aval da Vara da Infância e da Juventude. A medida
gerou controvérsia. Para algumas entidades de direitos humanos, trata-se de uma
agressão ao direito de ir e vir. Além disso, a Ordem de Advogados do Brasil
(OAB) critica a estrutura do município para atender a essas pessoas. Mas o
secretário Bethlem diz que é a única forma de combater o problema sem
"enxugar gelo".
Não há outra
solução para salvar a vida de um garoto que passou 66 vezes pela nossa rede e
continua na rua usando crack. Nossos abrigos não são presídios. Não tem polícia
ou grade eletrificada. Mas acabou esse negócio de portas abertas, de entrar e
sair a hora que quer. O grau de evasão está muito inferior.
Ao chegar à
Central Carioca, logo após ser tirado do Jacarezinho, X. foi tomar um banho. O
garoto, que usa pingente no pescoço com a palavra "rebeldes" presente
da namorada, também viciada em crack, conta que já roubou várias vezes, para
manter o vício.
Já perdi a conta
de quantas pessoas roubei para comprar a droga. Até um celular da minha mãe eu
levei.
A mãe de X.,
segundo ele, mora no Morro dos Macacos, em Vila Isabel. A equipe do GLOBO
tentou falar com ela, mas a prefeitura não conseguiu localizá-la. O próprio
adolescente não a vê desde dezembro, quando foi liberado, temporariamente, para
passar o Natal com ela e os cinco irmãos. X. conta que um outro irmão morreu na
guerra do tráfico. O pai, diz ele, também está morto.
Ainda na Central
Carioca, o dilema da diretora, Evelyn Serra, era decidir para onde encaminhar o
menino, que já havia passado pelo acolhimento compulsório e por centros de
atenção psicossocial:
Ele tem um
histórico de drogadição muito grande, já foi reintegrado à família e fica nesse
ciclo: casa, rua, abrigo.
Segundo a
prefeitura, os 20 menores abrigados na Casa Ser Adolescente têm assistência
psicológica e pedagógica, com aulas de desenho, espanhol e de educação física.
Junto dos colegas e observado pelos funcionários do local, X., que só estudou
até a 2 série, garante que quer se recuperar.
Não sei o que dá
na minha cabeça quando fujo. Mas agora quero sair pela porta da frente, de
cabeça erguida. Só volto para casa quando estiver gordinho, como minha mãe me
viu. Meu sonho é entrar para a Aeronáutica.
Diretora da Ser
Adolescente, Maria Cruz estima que só 15% dos jovens que passam por lá se
recuperam, mas diz que a evasão diminuiu. O histórico de X. mostra que 47 de
suas passagens pela rede de acolhimento foram em 2009. Dez delas aconteceram em
2010. Desde 2011, quando começou o acolhimento compulsório, foram quatro. Mas a
advogada Margarida Pressburger, presidente da Comissão de Direitos Humanos da
OAB-RJ, critica a forma como é feito o acolhimento no município.
Eu estive na Casa
Viva, na Rua Alice, em Laranjeiras, e notei uma grande falta de estrutura
médica e psicológica, tanto em termos de equipamento quanto de profissionais.
Desse jeito, a prefeitura não está recuperando ninguém. Está apenas tirando das
ruas, para a população não ver, e mantendo em cárcere.
A luta para
deixar a droga no passado
Em dezembro, o
governo federal anunciou um programa de enfrentamento ao crack com recursos de
R$ 4 bilhões. Semana passada, a prefeitura de Recife e o governo pernambucano
formalizaram sua adesão, e receberão R$ 85 milhões até 2014. Segundo o
Ministério da Justiça, o estado e a cidade do Rio só não foram incluídos ainda
por problemas de agenda das autoridades, já que a cerimônia de adesão envolve
três ministros (Saúde, Justiça e Desenvolvimento Social), além do governador e
do prefeito.
O objetivo do
programa é permitir que viciados possam deixar para trás a droga. A carioca
Bruna, de 18 anos, orgulha-se ao dizer que parou com o crack. Filha de uma
família desestruturada, ela experimentou a droga aos 16. Em maio de 2011, foi
encaminhada pela prefeitura para o centro de tratamento Bezerra de Menezes, em
Guaratiba. Uma das primeiras adolescentes a ser mantida compulsoriamente num
abrigo, Bruna ficou cinco meses no local, até fazer 18 anos. Hoje, casada com
um ajudante de cozinha e grávida, está livre do crack há dez meses. Ela sonha
ser educadora.
Antes, eu não
aceitava que estava viciada, conta Bruna. O abrigamento me ajudou muito, mas a
realidade é aqui fora. Sempre que bate a fraqueza, ligo para o pessoal da
Bezerra de Menezes. Noutro dia, vi parentes fumando crack e não tive vontade.
Eu venci, e tenho esperança de que eles vão conseguir um dia.
Contudo, para o
coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas do
Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Marcelo Santos Cruz, o acolhimento
obrigatório é uma medida de eficácia questionável.
Essa prática é
uma resposta imediatista, que tem o resultado de diminuir a visibilidade do
problema. Mas os efeitos desta política a médio e longo prazo são desconhecidos
critica Cruz, que desenvolve uma pesquisa com 80 usuários de crack no Rio.
Afastar os sujeitos das drogas e de outras situações de risco é uma coisa. Eles
se tratarem é outra. É importante que a pessoa esteja motivada a parar de usar
drogas.
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