Cada vez mais
mulheres são dependentes
No Caps AD da Regional I, dos 4 mil prontuários existentes, cerca de 500
são de mulheres usuárias de álcool
A dona de casa Maria Dolores (nome
fictício), 42 anos, ainda na infância, aos 12 anos de idade, foi apresentada ao
álcool. Desde então, foram anos ingerindo uma garrafa de cachaça por dia, ao
ponto de hoje apresentar problemas mentais em decorrência da bebida em excesso.
No caso de Maria Dolores, ela sofreu influência da própria família para cair no
vício, pois, desde criança, já convivia com pai e mãe dependentes do álcool.
A dona de casa tem três filhos, porém,
por ser alcoolista e sem conseguir realizar o papel de mãe, os dois filhos mais
novos se envolveram com drogas e, atualmente, um está na rua e o outro mora em
um abrigo. Ela conta somente com a ajuda de uma tia que paga o aluguel da casa
onde vive. "Comecei a beber por causa da vida que era dura pra mim. Diante
disso, eu perdi a minha casa, passei a morar na rua e perdi meus dois filhos. O
álcool é capaz de destruir a nossa vida e a daqueles que vivem próximos".
Quando se fala em dependência química,
a preocupação maior é com as drogas ilícitas, cocaína, maconha, crack, ecstasy,
entre tantas outras. No entanto, o grande inimigo está camuflado sob o manto do
socialmente aceitável: o álcool. E, na correria da contemporaneidade, o acúmulo
de tarefas faz com que as mulheres se tornem alvo fácil do alcoolismo.
Para se ter uma ideia, de acordo com
uma pesquisa realizada pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), através da
coordenadoria de Saúde Mental, em 2011, a fim de refletir o perfil dos usuários
atendidos na rede de Caps, dos 90 prontuários analisados, 17 eram mulheres
dependentes de álcool, o que corresponde a 19% do total. Esse número cai para
14% dos atendimentos de mulheres usuárias de crack pelo mesmo serviço.
Segundo a terapeuta ocupacional e
coordenadora do Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e Outras Drogas (Caps
AD) da Secretaria Executiva Regional I, Ticiane Neiza Sauders, em 2006, um ano
após o início do funcionamento da unidade, existiam apenas 205 prontuários
abertos e poucos pacientes eram do sexo feminino. Hoje, dos quatro mil
prontuários abertos, pelo menos 500 são de mulheres, o que mostra um aumento
bastante significativo.
Conforme ela, a maioria delas são
alcoolistas, ou seja, dependentes de álcool, sendo que grande parte dessas
mulheres têm entre 35 e 45 anos. As mais jovens, de acordo com coordenadora,
são usuárias de múltiplas drogas. Apesar do número de mulheres em busca de
ajuda ter aumentado, Ticiane Neiza ressalta que ainda existe uma subnotificação
a respeito da quantidade real de pessoas do sexo feminino envolvidas com
álcool, já que o preconceito e o estigma as afastam dos centros de tratamento.
Histórias
"Muitas chegam aqui contando que o viciado é o marido. Contam toda a história como se o protagonista fosse o esposo. E só depois de concretizado o vínculo confessam que a dependente química é ela", afirma Ticiane. Ainda conforme a terapeuta, o perfil dessas mulheres é diversificado. Existem umas que bebem por problemas na família, outras por dificuldades no trabalho, às vezes o marido é usuário de drogas, mas todas consomem a bebida com um único intuito: esconder-se dos problemas. "Muitas chegam em um estado crítico da doença e, por consequência disso, desenvolvem problemas mentais como psicose, transtorno bipolar, entre outros".
"Muitas chegam aqui contando que o viciado é o marido. Contam toda a história como se o protagonista fosse o esposo. E só depois de concretizado o vínculo confessam que a dependente química é ela", afirma Ticiane. Ainda conforme a terapeuta, o perfil dessas mulheres é diversificado. Existem umas que bebem por problemas na família, outras por dificuldades no trabalho, às vezes o marido é usuário de drogas, mas todas consomem a bebida com um único intuito: esconder-se dos problemas. "Muitas chegam em um estado crítico da doença e, por consequência disso, desenvolvem problemas mentais como psicose, transtorno bipolar, entre outros".
Segundo a coordenadora de Saúde Mental,
Álcool e Outras Drogas da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Rane Félix, para
amparar essas mulheres, o órgão dispõe apenas de quatro das 12 vagas para
tratamento de dependência química na Santa Casa de Misericórdia, seis Caps AD e
20 vagas na comunidade terapêutica Leão de Judá.
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Elas necessitam de tratamentos específicos
Nos últimos anos, vem acontecendo um grande aumento nos atendimentos às mulheres dependentes do álcool, nos grupos de autoajuda da Pastoral da Sobriedade, no Estado do Ceará. Em 2009, a grande parte das mulheres que procuravam os grupos de autoajuda eram por motivo da sua codependência (esposo ou filhos dependente do álcool ou outras drogas). Já nos dias de hoje, notamos uma grande procura por mulheres já acometidas da dependência.
Elas necessitam de tratamentos específicos
Nos últimos anos, vem acontecendo um grande aumento nos atendimentos às mulheres dependentes do álcool, nos grupos de autoajuda da Pastoral da Sobriedade, no Estado do Ceará. Em 2009, a grande parte das mulheres que procuravam os grupos de autoajuda eram por motivo da sua codependência (esposo ou filhos dependente do álcool ou outras drogas). Já nos dias de hoje, notamos uma grande procura por mulheres já acometidas da dependência.
As mulheres, apesar de serem mais
suscetíveis aos efeitos do álcool, não são mais vulneráveis ao desenvolvimento
da dependência. O risco é igual e depende da maneira como cada um se relaciona
com a bebida. A necessidade de haver tratamentos especiais para mulheres
alcoolistas se dá, principalmente, por causa do forte estigma sofrido pelas
mulheres. O estigma do qual falamos cumpre um papel importante.
Como a maior parte dos tratamentos
oferecidos é mista em relação ao gênero e a prevalência de homens é bem maior,
as mulheres não encontram espaço apropriado nesses serviços, sendo vítimas de
preconceitos dos próprios pares, encontrando dificuldades para endereçar suas
questões pessoais. Por isso, é imperioso levar em conta a necessidade de criar
tratamentos específicos para as mulheres que construam um espaço próprio que
atenda suas particularidades e as protejam de estigma.
Só um governo eficiente, ético, não
comprometido somente com interesses de grandes empresas, poderá diminuir essa
tão grave epidemia de alcoolismo no Brasil. Já que não pudemos evitar a crise
do setor hospitalar, que, pelo menos, possamos colaborar com ideias para conter
o avanço do alcoolismo. Para o controle é preciso a proibição da propaganda de
bebidas alcoólicas, pelo menos assegurar o cumprimento da Lei Seca, proibição
da venda de álcool a menores e punição severa ao comerciante infrator. Só
assim, haverá uma acentuada redução do uso abusivo do álcool não só no publico
feminino mais em geral.
Rogério Melo
Coordenador da Pastoral da Sobriedade/Ceará
Coordenador da Pastoral da Sobriedade/Ceará
´O álcool funciona como uma saída para
os problemas´
A sobrecarga de trabalho, além do papel tradicional que antigamente era de apenas cuidar da casa e dos filhos, a necessidade de estar sempre magra e saudável, a responsabilidade de ser um exemplo de mãe e ao mesmo tempo uma boa amante faz da mulher moderna um misto de emoções, diz o psiquiatra e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fábio Gomes de Matos. Diante disso, segundo ele, as pessoas do sexo feminino se inserem no universo do prazer imediato e encontram no álcool uma "saída" momentânea para os principais problemas.
A sobrecarga de trabalho, além do papel tradicional que antigamente era de apenas cuidar da casa e dos filhos, a necessidade de estar sempre magra e saudável, a responsabilidade de ser um exemplo de mãe e ao mesmo tempo uma boa amante faz da mulher moderna um misto de emoções, diz o psiquiatra e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fábio Gomes de Matos. Diante disso, segundo ele, as pessoas do sexo feminino se inserem no universo do prazer imediato e encontram no álcool uma "saída" momentânea para os principais problemas.
"A dependência do álcool começa
como se fosse uma diversão, uma espécie de inibidor cerebral. Acho que, para
reverter essa situação, seria fundamental desmistificar a história de que a
ingestão do álcool gera prazer e mostrar que causa a doença", ressalta o
psiquiatra. De acordo com ele, é essa ilusão que acarreta as doenças mentais,
aumento das doenças químicas e uma redução significativa na expectativa de vida
das mulheres, que chega a ser entre 10 a 15 anos a menos do que aquelas que não
ingerem bebida alcoólica.
Fábio Gomes de Matos destaca que dados
epidemiológicos mostram que, na década de 1960, a realidade era de cinco
dependentes de álcool do sexo masculino para uma do sexo feminino. Hoje,
conforme ele, esse dado é de três homens para uma mulher. "Atualmente, há
um crescimento visível da quantidade de mulheres alcoolistas e, diante disso, o
número de doenças como a depressão cresce, principalmente, entre mulheres de 30
e 40 anos. O álcool acaba com a vida da pessoa antes de matá-la
fisicamente", destaca.
Para a terapeuta ocupacional Ticiane
Neiza Saunders, muitas mulheres só procuram tratamento quando já estão muito
doentes. Mas ressalta que, antes de tudo, para que tenham uma boa recuperação,
é fundamental o apoio da família e boa vontade. "No começo, elas acham que
beber é legal e que tudo não passa de uma brincadeira, porém só vão notar que
estão doentes quando o estágio está avançado. Com o apoio da família é visível
a evolução do tratamento dessa mulheres", finaliza.
KARLA CAMILA
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