quarta-feira, 7 de março de 2012


As meninas no tráfico
Elas se afundam na criminalidade e acabam exploradas na venda de drogas e na prostituição ainda na infância. Garotas representam 5% do total de jovens flagrados nessa atividade
Correio Brasiliense
» LILIAN TAHAN
» ALMIRO MARCOS

O caminho das mulheres de pedra passa inevitavelmente pelo submundo do crime. O consumo do crack arrebenta as usuárias e se torna um problema social porque é combustível para a violência. Na fissura pela manutenção do próprio vício, elas se envolvem em furtos, roubos, tráfico e prostituição. Muitas vezes, passam a figurar também nas estatísticas de homicídios. E, o pior, mergulham cada vez mais cedo na criminalidade.
Levantamento realizado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)nos últimos três anos mostra que a presença de adolescentes envolvidos em tráfico de drogas não para de aumentar. Há dois anos, 317 jovens foram flagrados vendendo entorpecentes, o que gerou a abertura de processos na Justiça. No ano passado, o número saltou para 795. A proporção de meninas nesse universo é de cerca de 5%, segundo o promotor Renato Barão Varalda, da Promotoria de Justiça da Defesa da Infância e da Juventude. Os dados foram reunidos nas varas da Infância e da Juventude de Brasília e de Samambaia.
Os exemplos desse ambiente de criminalidade entre crianças e adolescentes se espalham pelas ruas da capital. Na noite da última quinta-feira, carros faziam fila para percorrer uma via mal iluminada na QNN 3, Conjunto M, em Ceilândia Norte. O motivo do trânsito lento circulava entre os veículos: pelo menos duas adolescentes com menos de 15 anos carregavam pacotinhos. Despreocupadas, rapidamente elas se aproximavam da janela do veículo, entregavam a encomenda e pegavam o dinheiro. Na esquina, um homem recebia as notas e repassava mais material para abastecer os viciados em busca da pedra.
Normalmente, as meninas servem de avião (responsável pelo repasse de pequenas quantidades de droga) em troca da própria substância. Os traficantes usam as adolescentes nessa atividade e, em geral, envolvem-se sexualmente com elas. O promotor Renato Varalda confirma a realidade. “A maioria das meninas que pratica o ato infracional relacionado com drogas está envolvida emocionalmente. Se está usando, é porque o namorado consome. Se está traficando, é por influência do companheiro”, diz.
Atendimentos
Os casos que param nas estatísticas judiciais muitas vezes são acompanhados de perto pelas instituições e entidades ligadas à questão das drogas entre crianças e adolescentes no DF. O órgão oficial que faz essa assistência é o Centro de Pesquisa, Capacitação e Atenção ao Adolescente e Família (Adolescentro). É responsável por fazer o acolhimento e avaliar as necessidades de usuários, oferecendo terapias e fazendo acompanhamento clínico, psiquiátrico e psicológico.

A maior parte das cem entradas mensais tem relação com a maconha. O crack é minoria (5% a 6%), mas causa preocupação. “Quando chega aqui um usuário de crack é porque a situação já é complicada. Afinal, os seus efeitos no adolescente são mais rápidos e drásticos”, explica a gerente do Adolescentro, a psicóloga Michele Falcão.
As meninas representam um terço dos atendimentos da unidade e, no caso das usuárias da pedra, a reincidência é alta, ficando acima dos 50%. Elas são mais frágeis do que os meninos e dificilmente conseguem deixar o vício. “Mas isso não quer dizer que elas são irrecuperáveis. A taxa de recaída é grande, mas a abstinência total também é um processo. É muito importante o envolvimento da família. Além disso, é preciso trabalhar em conjunto com a escola, a sociedade e o Estado. O crack é um problema muito complexo”, avalia.
O Adolescentro registrou um recorde no atendimento de menores de 18 anos na unidade: uma menina de 9 viciada em crack. Ela deu entrada há seis meses e ainda está em acompanhamento. “É uma idade frágil e ela corre sérios riscos. Precisa ser acompanhada de perto por uma equipe multidisciplinar. É muito preocupante a relação de crianças tão novas com uma droga tão perigosa como o crack”, explica Michele.
Debate para internação
A internação compulsória é tratada por alguns especialistas no enfrentamento do crack como uma medida necessária para conter o uso da droga. Mas a medida demandaria a existência de clínicas de recuperação mantidas pelo governo. O assunto começou a ser debatido no Congresso Nacional. A Câmara dos Deputados tem hoje quatro proposições em andamento relacionadas com a internação imediata para tratamento de viciados. Todas deram entrada entre o ano passado e o início de 2012, justamente quando o consumo do crack cresceu no país.

Um dos projetos, de setembro de 2011 e de autoria da deputada Liliam Sá (PR-RJ), tem relação direta com crianças e adolescentes dependentes químicos e em situação de rua. Os demais tratam sobre usuários de maneira geral, independentemente da idade e do gênero. Ainda não há data definida para que nenhum deles chegue à votação final.
Na Câmara Legislativa do DF, ainda não há projetos que abordem a medida compulsória. Desde 1991, os deputados distritais apresentaram 140 normas sobre drogas, sete sobre dependência química e 18 sobre entorpecentes. Quatro propostas são específicas quanto ao crack, inclusive a que criou, no início do ano passado, a Frente Parlamentar de Combate ao Crack e à Dependência Química.
No recorte de gênero, tramita na Câmara um projeto de resolução que cria a Procuradoria Especial da Mulher no âmbito do Poder Legislativo. É possível que a proposta vá à votação nesta semana, por conta da proximidade com o Dia Internacional da Mulher. Após a publicação das primeiras matérias da série Mulheres de Pedra, desde o último domingo, que mostra o drama de usuárias de crack, a presidência da Câmara decidiu incluir o tema entre as atribuições da Procuradoria.
A internação compulsória de dependentes químicos só se dá em situações excepcionais no Brasil. O Ministério da Saúde usa como base a Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, segundo a qual a internação de pessoas com transtorno mental só pode ocorrer quando houver risco iminente de morte para o paciente, por indicação médica ou por decisão judicial. “A internação compulsória é o último dos caminhos do tratamento. Só é usada quando não há mais saída”, explica a gerente do Centro de Pesquisa, Capacitação e Atenção ao Adolescente e Família do Distrito Federal (Adolescentro), a psicóloga Michele Falcão.
O exílio do crack
Sara* precisou mudar de país para fugir do crack, do namorado traficante e da morte. De tanto inalar a droga — em geral, os usuários fumam —, a jovem, hoje aos 22 anos, perdeu toda a cartilagem do nariz. “Eu não queria estragar os meus dentes, então cheirava a pedra. Entrava rasgando”, conta. Ela começou a usar drogas aos 12 anos, por curiosidade e para se integrar com os amigos mais velhos. Dona de uma personalidade forte, dizia à mãe que o uso do crack era uma opção. Mas precisou fugir da Colômbia para tentar se livrar da droga. A família veio para o Brasil para internar a menina em uma clínica e afastá-la de um relacionamento problemático. Há cinco anos, a jovem começou o tratamento. Teve duas recaídas, mas agora tenta se recuperar ajudando outros moças como ela a descobrir a beleza da vida sem as drogas.

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