As meninas no tráfico
Elas
se afundam na criminalidade e acabam exploradas na venda de drogas e na
prostituição ainda na infância. Garotas representam 5% do total de jovens
flagrados nessa atividade
Correio
Brasiliense
» LILIAN TAHAN
» ALMIRO MARCOS
O
caminho das mulheres de pedra passa inevitavelmente pelo submundo do crime. O
consumo do crack arrebenta as usuárias e se torna um problema social porque é
combustível para a violência. Na fissura pela manutenção do próprio vício, elas
se envolvem em furtos, roubos, tráfico e prostituição. Muitas vezes, passam a
figurar também nas estatísticas de homicídios. E, o pior, mergulham cada vez
mais cedo na criminalidade.
Levantamento
realizado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)nos
últimos três anos mostra que a presença de adolescentes envolvidos em tráfico
de drogas não para de aumentar. Há dois anos, 317 jovens foram flagrados
vendendo entorpecentes, o que gerou a abertura de processos na Justiça. No ano
passado, o número saltou para 795. A proporção de meninas nesse universo é de
cerca de 5%, segundo o promotor Renato Barão Varalda, da Promotoria de Justiça
da Defesa da Infância e da Juventude. Os dados foram reunidos nas varas da
Infância e da Juventude de Brasília e de Samambaia.
Os
exemplos desse ambiente de criminalidade entre crianças e adolescentes se
espalham pelas ruas da capital. Na noite da última quinta-feira, carros faziam
fila para percorrer uma via mal iluminada na QNN 3, Conjunto M, em Ceilândia
Norte. O motivo do trânsito lento circulava entre os veículos: pelo menos duas
adolescentes com menos de 15 anos carregavam pacotinhos. Despreocupadas,
rapidamente elas se aproximavam da janela do veículo, entregavam a encomenda e
pegavam o dinheiro. Na esquina, um homem recebia as notas e repassava mais
material para abastecer os viciados em busca da pedra.
Normalmente,
as meninas servem de avião (responsável pelo repasse de pequenas quantidades de
droga) em troca da própria substância. Os traficantes usam as adolescentes
nessa atividade e, em geral, envolvem-se sexualmente com elas. O promotor
Renato Varalda confirma a realidade. “A maioria das meninas que pratica o ato
infracional relacionado com drogas está envolvida emocionalmente. Se está
usando, é porque o namorado consome. Se está traficando, é por influência do
companheiro”, diz.
Atendimentos
Os casos que param nas estatísticas judiciais muitas vezes são acompanhados de
perto pelas instituições e entidades ligadas à questão das drogas entre
crianças e adolescentes no DF. O órgão oficial que faz essa assistência é o
Centro de Pesquisa, Capacitação e Atenção ao Adolescente e Família
(Adolescentro). É responsável por fazer o acolhimento e avaliar as necessidades
de usuários, oferecendo terapias e fazendo acompanhamento clínico, psiquiátrico
e psicológico.
A
maior parte das cem entradas mensais tem relação com a maconha. O crack é
minoria (5% a 6%), mas causa preocupação. “Quando chega aqui um usuário de
crack é porque a situação já é complicada. Afinal, os seus efeitos no
adolescente são mais rápidos e drásticos”, explica a gerente do Adolescentro, a
psicóloga Michele Falcão.
As
meninas representam um terço dos atendimentos da unidade e, no caso das usuárias
da pedra, a reincidência é alta, ficando acima dos 50%. Elas são mais frágeis
do que os meninos e dificilmente conseguem deixar o vício. “Mas isso não quer
dizer que elas são irrecuperáveis. A taxa de recaída é grande, mas a
abstinência total também é um processo. É muito importante o envolvimento da
família. Além disso, é preciso trabalhar em conjunto com a escola, a sociedade
e o Estado. O crack é um problema muito complexo”, avalia.
O
Adolescentro registrou um recorde no atendimento de menores de 18 anos na
unidade: uma menina de 9 viciada em crack. Ela deu entrada há seis meses e
ainda está em acompanhamento. “É uma idade frágil e ela corre sérios riscos.
Precisa ser acompanhada de perto por uma equipe multidisciplinar. É muito
preocupante a relação de crianças tão novas com uma droga tão perigosa como o
crack”, explica Michele.
Debate
para internação
A internação compulsória é tratada por alguns especialistas no enfrentamento do
crack como uma medida necessária para conter o uso da droga. Mas a medida
demandaria a existência de clínicas de recuperação mantidas pelo governo. O
assunto começou a ser debatido no Congresso Nacional. A Câmara dos Deputados
tem hoje quatro proposições em andamento relacionadas com a internação imediata
para tratamento de viciados. Todas deram entrada entre o ano passado e o início
de 2012, justamente quando o consumo do crack cresceu no país.
Um
dos projetos, de setembro de 2011 e de autoria da deputada Liliam Sá (PR-RJ),
tem relação direta com crianças e adolescentes dependentes químicos e em
situação de rua. Os demais tratam sobre usuários de maneira geral,
independentemente da idade e do gênero. Ainda não há data definida para que
nenhum deles chegue à votação final.
Na
Câmara Legislativa do DF, ainda não há projetos que abordem a medida
compulsória. Desde 1991, os deputados distritais apresentaram 140 normas sobre
drogas, sete sobre dependência química e 18 sobre entorpecentes. Quatro
propostas são específicas quanto ao crack, inclusive a que criou, no início do
ano passado, a Frente Parlamentar de Combate ao Crack e à Dependência Química.
No
recorte de gênero, tramita na Câmara um projeto de resolução que cria a
Procuradoria Especial da Mulher no âmbito do Poder Legislativo. É possível que
a proposta vá à votação nesta semana, por conta da proximidade com o Dia
Internacional da Mulher. Após a publicação das primeiras matérias da série
Mulheres de Pedra, desde o último domingo, que mostra o drama de usuárias de
crack, a presidência da Câmara decidiu incluir o tema entre as atribuições da
Procuradoria.
A
internação compulsória de dependentes químicos só se dá em situações
excepcionais no Brasil. O Ministério da Saúde usa como base a Lei nº 10.216, de
6 de abril de 2001, segundo a qual a internação de pessoas com transtorno
mental só pode ocorrer quando houver risco iminente de morte para o paciente,
por indicação médica ou por decisão judicial. “A internação compulsória é o
último dos caminhos do tratamento. Só é usada quando não há mais saída”,
explica a gerente do Centro de Pesquisa, Capacitação e Atenção ao Adolescente e
Família do Distrito Federal (Adolescentro), a psicóloga Michele Falcão.
O
exílio do crack
Sara* precisou mudar de país para fugir do crack, do namorado traficante e da
morte. De tanto inalar a droga — em geral, os usuários fumam —, a jovem, hoje
aos 22 anos, perdeu toda a cartilagem do nariz. “Eu não queria estragar os meus
dentes, então cheirava a pedra. Entrava rasgando”, conta. Ela começou a usar
drogas aos 12 anos, por curiosidade e para se integrar com os amigos mais
velhos. Dona de uma personalidade forte, dizia à mãe que o uso do crack era uma
opção. Mas precisou fugir da Colômbia para tentar se livrar da droga. A família
veio para o Brasil para internar a menina em uma clínica e afastá-la de um relacionamento
problemático. Há cinco anos, a jovem começou o tratamento. Teve duas recaídas,
mas agora tenta se recuperar ajudando outros moças como ela a descobrir a
beleza da vida sem as drogas.
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