terça-feira, 7 de fevereiro de 2012


Preço da maconha no Rio contraria economia e não sobe



Lei da oferta e da procura não vigora no mercado de drogas da zona sul do Rio, apesar de polícia ter tomado as últimas duas favelas sem UPP da área
Raphael Gomide, iG Rio de Janeiro
A ocupação das favelas da Rocinha e do Vidigal pela polícia, em novembro de 2011, não afetou o preço da maconha comprada no "asfalto" da zona sul. Era dessas duas comunidades que vinha a maior parte da droga comprada por consumidores de classe média da área nobre do Rio.
Rocinha e Vidigal, até então dominadas pelo tráfico, remanesciam até novembro como as duas únicas comunidades sob controle do crime desde o início do programa das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). O Vidigal recebeu uma UPP este mês; a da Rocinha está prevista para março.
Curiosamente, porém, o mercado parece ignorar e contrariar uma dos mais conhecidos conceitos da economia, a lei da oferta e da procura. Com menos oferta disponível e de fácil acesso e a mesma demanda, seria natural imaginar que o preço da droga dispararia. Não foi o que ocorreu, como o iG apurou, com usuários frequentes, policiais e especialistas no tema.
"Não teve diferença, nenhuma alteração de preço. Não houve aumento nem impacto da ocupação da Rocinha", afirmou um consumidor habitual de maconha, que pediu para não ser identificado.
O "peso" de 25 gramas de erva prensada, medida padrão da venda de maconha, sai, em média, por R$ 150 - em alguns lugares, varia de R$ 100, R$ 130 a até R$ 200, dependendo da qualidade. Também é vendida a droga em tabletes de 50 gramas.
Diferentemente do morro, onde a maconha é vendida em quantidades pequenas para consumo imediato – em sacos plásticos a R$ 1, R$ 2, R$ 5, R$ 10 e R$ 15 –, na "pista" os compradores optam por adquirir quantidades maiores, que garantem mais tempo de consumo e diminuem as ocasiões e riscos de uma "dura" da polícia.
"Delivery" de droga é prioridade da Polícia Civil
O comércio ilegal no "asfalto" tem diversas modalidades, mas a predominante é a do "delivery", em que o comprador encomenda a droga ao vendedor por telefone e é combinado o ponto de encontro para a entrega. Pontos de aglomeração de gente, como o Baixo Gávea e a Lapa, por exemplo, também muitas vezes funcionam para aqueles que não tem o contato de traficantes "delivery".
Para a delegada da Polícia Civil Valéria de Aragão Sádio, que assumiu recentemente a chefia da DCOD (Delegacia de Combate às Drogas), esse tipo de tráfico "é uma prioridade". "É muito importante (combater). Com as UPPs, o tráfico tende a ir para o asfalto. Vamos precisar atuar mais na área de inteligência. Vou bater em cima disso e de drogas sintéticas", disse Valéria, que conta com uma equipe de 58 policiais.
Na opinião de um usuário entrevistado, se a polícia de fato priorizar o vendedor do "asfalto", isso se refletirá em um aumento no preço. Ele contou ter um amigo que continua a comprar a droga diretamente na Rocinha, mesmo dois meses após a ocupação. "Ainda há o tráfico local, obviamente discreto. O preço é um terço do que se paga na rua. Quem não conhecia antes (da ocupação) talvez não encontre a droga lá, mas quem já era antigo comprador já tem os caminhos, não perde o fio da meada."
A maior parte dos fornecedores da "pista" compra a droga em favelas, de acordo com um experiente investigador que atuou em inúmeras operações de repressão a traficantes do "asfalto".
Esses criminosos são, em geral, homens de classe média, entre 20 e 40 anos, moram sozinhos e tem carro ou moto, usados para o transporte do seu produto ilegal. Em sua tese de mestrado na UFRJ, "Fazendo o doze na pista: um estudo do mercado ilegal de drogas na classe média", a pesquisadora Carolina Grillo conta que esses vendedores atuam desarmados e baseados em suas relações pessoais.
Frequentemente começam na atividade ilegal porque tem "contexto" – contato – com um traficante e veem a oportunidade de lucrar com o intermédio para conhecidos.
Sem o controle territorial de favela e a proteção das armas, porém, esses traficantes são mais vulneráveis às investidas policiais. "Se grampear o telefone dele, está 'morto'. Tem de dar essa sorte. Tem cara que envereda por isso e entrega 'bagulho' o dia inteiro", contou o inspetor. Segundo ele, muitas vezes quem delata o telefone do comerciante é o pai de algum cliente, inconformado com o vício do filho.
Maconha do asfalto é de melhor qualidade
Na opinião de um policial civil, as UPPs dificultaram o negócio da droga nas favelas, uma vez que a presença da PM nas comunidades obriga os traficantes a agir de forma muito mais discreta, para evitar o flagrante.
Antes, os criminosos não se preocupavam em se esconder e circulavam livremente com armas e drogas. As "bocas de fumo" ficavam em lugares visíveis e de fácil acesso, como espécie de lojas, justamente para atrair os consumidores eventuais.
Como a Secretaria de Segurança admite, as UPPs não acabaram com a venda de drogas, mas eliminaram o tráfico ostensivamente armado.
Evidentemente, porém, as apreensões de drogas na Rocinha – ao menos 138kg de maconha, 196kg de cocaína, e 60kg de pasta base – e de armas – 176, sendo 73 fuzis – e a presença ostensiva e permanente da PM nessas áreas desencoraja criminosos a agir, reduzindo assim substancialmente a droga nos morros.
Para Carolina Grillo, o consumidor de varejo nas favelas, em quantidade menor, não é o mesmo dos traficantes de classe média.
Em sua opinião, "os clientes dissuadidos de ir à favela (pela presença de UPPs) tenderiam a recrutar mais 'aviões' para subir até a boca por eles, como mototáxis, guardadores de carro, prostitutas, ou migrar para os chamados 'esticas' de boca de fumo, em bares do asfalto, e pontos mais ou menos identificáveis que funcionam na 'pista'".

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