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dos suspeitos de tráfico moram na rua.
Levantamento sobre a origem de 136 prisões na região da
cracolândia indica que 41 pessoas não tinham residência fixa
Falta de endereço dificulta obtenção do benefício de a pessoa responder ao
processo na Justiça em liberdade
Folha de S. Paulo – Cotidiano - ROGÉRIO PAGNAN
DE SÃO PAULO
Marcos
José de Oliveira Lima, 31, foi preso sob suspeita de tráfico de drogas na
região conhecida como cracolândia. Estava com 2,3 gramas de crack e R$
61.
Mesmo
sendo réu primário e estando com pouca droga, é quase certo que não vai
conseguir responder ao seu processo em liberdade por não ter um documento
exigido pela maioria dos magistrados para esse tipo de concessão: comprovante
de residência.
Lima
é morador de rua.
Assim
como ele, outras 40 pessoas presas por equipes do Denarc (departamento de
narcóticos) na operação na cracolândia se declararam moradores de rua.
Isso
significa que, praticamente, um a cada três presos não tem comprovante de
residência e deve permanecer preso durante todo o processo. Os números do
Denarc são das 136 prisões feitas até a última quinta-feira, das 196 prisões
realizadas até então.
Para
o delegado Wagner Giudice, diretor do Denarc, o perfil do dependente em crack é
problemático porque muitos traficam para sustentar o vício. "Eles
abandonam o vínculo familiar e vão morar na rua por conta da droga. Para
subsistir, acabam traficando. Acabam vivendo do microtráfico."
Para
o delegado, não há dúvidas sobre o crime atribuído a Lima. "Ele é um
vendedor de droga de fato. A gente filma, acompanha. Não é que ele vende uma
vez só. Ele vende continuamente", disse.
DEVER
LEGAL
A Polícia Militar não informou quantos dos seus presos eram moradores de rua.
Segundo o comandante Álvaro Camilo, a PM precisa cumprir o dever legal de
prender, independentemente da condição social. "Quando ele está
traficando, ele está prejudicando outras pessoas. Pode ser pouco, ou muito,
está prejudicando alguém."
Para
a defensora pública Virginia Catelan, o número de moradores de rua presos na
cracolândia e a falta de endereço fixo dificulta em muito a obtenção de
benefícios com os magistrados. Mesmo não tendo previsão legal, esse tipo de
exigência é quase unânime na Justiça.
À noite, traficantes e usuários de drogas persistem na cracolândia
AFONSO BENITES
DE SÃO PAULO
Um
mês atrás era comum ouvir quatro frases gritadas na cracolândia: "Quem tem
cinco pra rachar? Quem me vende um real? Eu tenho bloco! Ó a loira na
reta!"
No
fim de semana passado, contrariando a expectativa da Polícia Militar e do
governo paulista, essas frases ainda eram ditas por traficantes e usuários que
insistem em ficar na cracolândia do centro de São Paulo.
Antes
de mais nada, é necessário traduzir cada frase dita pelo grupo. As gírias
significam respectivamente: "Quem tem R$ 5 para dividir a compra de uma
pedra de crack comigo, que custa R$ 10? Quem deixa eu dar um trago em seu
cachimbo por R$ 1? Eu tenho pedra de crack para vender! Olha o carro da polícia
se aproximando!".
Na
noite de sábado e na madrugada de ontem, a Folha acompanhou a movimentação de
policiais, dependentes químicos e traficantes nas principais ruas da
cracolândia. Por cerca de seis horas, presenciou diversas vezes a venda de
crack e o consumo por pessoas de várias idades, inclusive idosos e
jovens.
Diferentemente
do que ocorreu no início da operação policial, não houve violência por parte
dos PMs.
Dessa vez, não usaram bombas de efeitos moral e balas de borracha, conforme
constatado pela Folha no dia 7 de janeiro. O uso desses artefatos foi proibido
pelo governo paulista. A polícia dispersou usuários ligando sirenes e os
afastando com carros subindo em calçadas.
O
jogo era de empurra-empurra. Enquanto a polícia seguia por uma rua, a turba ia
para outra. "Temos de fumar andando", disse um viciado.
Colaboraram APU GOMES e FELIX LIMA
Em dia de sol, famílias começam a voltar para as ruas da região
RAPHAEL MARCHIORI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A
analista Cleide de Aguiar, 56, mora há sete anos em frente à praça Princesa
Isabel (centro de SP) e a menos de cinco minutos do trabalho.
Tinha
tudo para ser uma paulistana a menos a usar carro. Com medo dos dependentes de
crack, sempre preferiu o veículo à caminhada.
Situação
semelhante vivia Maria da Conceição, 41. Ela criou dois filhos e agora um neto
em um prédio da rua Helvétia. Devido à precariedade do entorno, dizia-se
obrigada a pegar ônibus para se divertir no parque Buenos Aires (avenida
Angélica).
PRAÇA,
À NOITE
Exemplos de quem não saía na cracolândia não faltam. Mas isso começa a mudar na
região que tem mais de 400 mil moradores. "Agora, até a noite vou à praça
com meu marido. Está cheio de crianças", diz Cleide.
Não
muito longe dali, na rua dos Andradas, já é possível encontrar até quem não
mora na região, mas já se sente seguro para se sentar à mesa do bar e ouvir um
samba.
"Quando
saí de casa, não me imaginava ouvindo samba na cracolândia", diverte-se
Acácia Coialo, 52, que vive em Santos (litoral de SP) e veio à capital paulista
visitar a Pinacoteca do Estado.
Para
alguns moradores, porém, essa sensação de segurança pode ser passageira.
"Realmente mais pessoas transitam por aqui. Mas tenho receio de que essa
operação seja só para 'inglês ver' e político aparecer na mídia", diz
Carivaldino Soares, 74.
Até sexta-feira, a operação na cracolândia havia realizado 245
prisões e 194 internações -números superiores à média mensal dos últimos dois
anos.
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