Escândalos, paixões e correrias
Estavam os habitantes da Cracolândia de São Paulo (que odeio chamar de
“nóias”, uma palavra que tem acento pejorativo de gíria vulgar) postos em
sossego em seu torpor de zumbis, quando chegou uma tropa da PM e os colocou
pra correr.
Escândalos,paixões e correrias,como alardeava uma velha canção de João
Bosco e Aldir Blanc, popular nos anos 70.
Imediatamente colocou-se em pauta não uma discussão racional sobre o
destino das desafortunadas criaturas e as consequências da ocupação do espaço
público, mas exatamente a primeira rodada antecipada do campeonato eleitoral
municipal, que irá se desenvolver em outubro deste ano em São Paulo.
Eles estão lá há 15 anos, e fora um sobressalto ou outro, parece que
ninguém se preocupava muito com eles- com exceção, é claro, daqueles que eram
obrigados por contingências pessoais a dividir e disputar o espaço com eles
ou aqueles que, por razões profissionais tentavam, em silêncio e
anonimamente, salvar os viciados de si mesmos.
Com a ação policial ,aconteceu aquilo que costuma acontecer quando a
TV acende seus holofotes em direção a uma torcida de futebol, que passa da
apatia total ao entusiasmo enlouquecido assim que a luz os ilumina e a câmera
começa a registrar sua súbita e descontrolada euforia.
A luz acordou pelotões de políticos, jornalistas, especialistas,
direito-humanistas, promotores, juristas, padres, pastores, sacerdotes,
urbanistas, ativistas de toda espécie, cada qual com sua receita pronta para
resolver o problema.
O Ministério Público, que até então jazia em santa indiferença diante
da ação dos traficantes da Cracolândia, anunciou que vai investigar a ação da
polícia, pois a considera precipitada, uma vez que foi deflagrada um mês
antes da inauguração de um centro de apoio que está sendo construído pela
prefeitura perto do local.
Sem esse centro de apoio, a ação policial de dispersar os viciados e
dificultar a vida dos traficantes, não faria sentido.
Talvez não fizesse de fato se a ação fosse apenas policial.O MP
ignora, ou prefere fingir que ignora, que a Prefeitura tem 1.200 leitos
psiquiátricos disponíveis para tratamento e que 150 agentes comunitários da
Secretaria Municipal de Saúde trabalham, alternadamente, todos os dias da
semana, inclusive aos feriados, junto aos dependentes químicos da região.
Uma entrevista do coordenador de Políticas sobre Drogas da Secretaria
de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, Luiz Alberto Chaves de
Oliveira, dizendo que a privaçao de drogas causa ao viciado “dor e
sofrimento” , e que isso o levaria a pedir ajuda, foi usada para batizar
pejorativamente a açao da polícia de Operaçao Dor e Sofrimento.Um nome que
caiu do céu.
Os humanistas profissionais correram a gritar contra a ação
“higienista” , e estão pouco se lixando se a procura dos dependentes por
ajuda dobrou desde o desencadeamento da operação.
Eles não estão interessados na sorte dos zumbis da Cracolândia. Estão
mais interessados em fazer praça de sua sociologia progressista e em
industrializar seus bons sentimentos.
Uma chaga aberta e sangrando rende mais demagogia e demagogia rende
mais votos.
Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da
Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência
Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”.
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