Ruy Castro
Houve quem achasse precipitada a ação da polícia e do governo de
São Paulo ao invadir e desbaratar, mesmo temporariamente, a cracolândia. E
imprudente, ao espalhar os usuários de crack por áreas da cidade até então a
salvo do convívio com aquelas pessoas. Argumentam também que as ações de
segurança e saúde pública devem ser feitas em conjunto e não adianta desgraçar
ainda mais a vida dos infelizes sem uma alternativa de tratamento.
Todos os argumentos são válidos, inclusive este, mas há fatores a
considerar. Enquanto ilhados naquela região de São Paulo, os usuários
sentiam-se seguros dentro da sua miséria. Suas únicas relações eram entre si e
com quem comerciavam para conseguir dinheiro ou droga. Era uma cadeia produtiva
fechada, que poderia durar pelo resto da (curta) vida de cada um, e não os
induzia a considerar a hipótese de lutar pela recuperação.Ou a sequer considerar seu dia-a-dia na cracolândia, composto de síndrome de abstinência, mendicância, extorsão, indescritível imundície, animais peçonhentos, feridas expostas, assalto sexual permanente, estupro, gravidez, aborto, fome, doença e dor -tudo isso compensado pelos breves momentos de alívio produzidos pela droga. Não existe prazer na cracolândia, só alívio.
Expulsos
de seu habitat, ainda que por algumas horas, esses dependentes têm uma chance
de exercer a última centelha de razão que lhes resta.
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