sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Crack não é bicho de 7 cabeças

 
 
                  

BARBARA GANCIA

    Crack não causa dependência física. Trata-se de uma cocaína turbinada. Não estamos falando de heroína
    Incrível como o Brasil está ficando a cara da Europa que eu conheci de meados para o finzinho dos anos 60. Exceção feita aos atentados à bomba perpetrados por nacionalistas e/ou radicais e à profusão de melancólicos existencialistas que perambulavam pelas ruas do alquebrado continente, o cenário em muito se assemelha. Até o Mini Cooper, a minissaia e a música pop romântica de dois acordes você vai reencontrar por aqui. Basta dar dez passos em qualquer direção a partir do cruzamento tapuia mais movimentado.
    São Paulo é pop, o Rio é da Olimpíada e é em Recife que o Capibaribe e o Beberibe se juntam pra formar o oceano Atlântico. Sobre Salvador, bem, não só é de todos os santos, mas a terra em que são Sebastião resolveu praticar arco e flecha depois de passar desta para melhor. Belém é a "provence" constituída na selva e o fracasso hoje só passa dois meridianos além da nossa fronteira.
    E, por falar em fronteira, conheço uns 25 portugueses que estão pensando em fixar residência no Brasil. Tá vendo por que não se pode chamar nem de puta nem de bandido quem dorme no seu sofá? Amanhã pode ser sua vez de pernoitar na casa de outrem, ora pois!
    Até esse medão das autoridades que a escória do mundo venha bater à porta lembra a Europa dos anos 60. Alô, ministro Cardozo! Deixa os haitianos entrarem, deixa! Com Manah adubando dá! Mire-se no império britânico que pilhou a Índia e depois fez dali um sanduíche de Paquistão com Bangladesh e acabou obrigado a receber em casa quem tinha seu passaporte. Hoje vive às turras com a segunda e a terceira gerações do que ele chama de "ragheads" (cabeças de trapo), uma turma que, comparativamente, deu um baile nos nativos britânicos em índices de escolaridade.
    Nestes dias, a revista "The Economist" publicou um artigo sobre o desespero dos abastados tapuias com o sumiço do serviço doméstico, e comparando a nossa situação com a Inglaterra do final dos 1800. Está certo, sou forçada a admitir que, neste caso específico de desigualdade, a fenda que nos separa do mundo civilizado é de mais de cem anos. Diz "The Economist" que no Brasil quem possui leasing de helicóptero raramente tem máquina de lavar prato. Bonito.
    E a abordagem da polícia na cracolândia pode trazer lembranças das periferias infestadas de heroína e de jovens desocupados vivendo em "squats" (invasões) da Europa dos anos 70. Sem novidades. O crack, que convivia com os dinossauros debaixo daquele viaduto em São Paulo, virou disputa política. Lembra da questão do aborto na eleição presidencial? Alguém ainda discute o tema com tamanho fervor?
    Crack é feio de ver, causa dor e faz estrago em quem usa, mas não é o fim do mundo como parece. Ele não causa dependência física, só dá uma fissura danada. Trata-se somente de uma cocaína turbinada, uma droguinha vagabunda, não estamos falando de heroína.
    É só tirar o dependente de perto dela, quebrar o ciclo vicioso para que ele recupere a chance de uma vida normal. É claro que, para muita gente, inclusive quem quer abocanhar verbas públicas e fingir que as utiliza em tratamentos longos, o crack vira um babado forte e uma fonte de poder.
    Precisamos ficar um pouco espertos e copiar mais os EUA e menos a Europa quando assunto é dependência. Por uma vez e "hélas". Na América o pessoal descobriu há ao menos 80 anos que a única saída para dependência de drogas e álcool é o programa de 12 passos do Alcoólicos Anônimos. E nós aqui dando porrada em noia...

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