Maconha:
a diferença entre o remédio e o veneno.
A maconha possui mais de
500 elementos. Dentre eles, dois, o canabidiol e o THC têm efeitos terapêuticos
e, na medida certa, podem beneficiar a saúde
Cannabis: Pesquisadores
encontram possível ligação genética entre uso da droga e esquizofrenia
(Reuters/VEJA/VEJA)
Você consumiria um produto
com mais de 500 substâncias, muitas delas nocivas, para usufruir dos benefícios
à saúde proporcionados por uma ou duas presentes em sua composição?
Provavelmente não, afinal, faz sentido tratar um problema de saúde e ganhar
tantos outros?
Mas, e se fosse possível
extrair essas substâncias e sintetizá-las para fins medicinais? Você teria
dúvidas? De novo, provavelmente não, afinal, esse consumo, de uma hora para
outra, se tornou mais seguro.
Usei este exemplo para
ilustrar, usando apenas a lógica, a questão de drogas como a maconha. Sempre
afirmo que existe uma enorme diferença entre o ato de fumar a droga e o uso
terapêutico de uma substância presente em sua composição. Realmente, a Cannabis
sativa, planta que dá origem à maconha, possui mais de 500 elementos. Dentre
eles podemos destacar dois – o canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol, o
conhecido THC.
CBD
e THC.
Como inclusive já apontei
aqui na coluna, várias pesquisas demonstraram os efeitos nocivos provocados ao
nosso corpo pelo THC, uma substância que, apesar ter aspectos terapêuticos em
pacientes com glaucoma, no tratamento de espasticidade e náuseas ocasionadas
por quimioterapia, é viciante, afeta os sistemas nervoso central e vascular, e
chega a dobrar o risco de desenvolvimento de doenças psíquicas, como
esquizofrenia e até psicose.
Do outro lado, na mesma
planta está presente uma substância que combate os efeitos do THC, o
canabidiol. Ele atua justamente na diminuição de efeitos psicóticos, de
ansiedade, dentre outros, provocados pelo THC. Tanto que os medicamentos
aprovados até o momento para comercialização contendo THC, como para tratamento
de esclerose múltipla, também têm em sua composição o canabidiol.
Diversas pesquisas
realizadas a partir dos anos 1970 conseguiram demonstrar os efeitos positivos
do CBD, como anticonvulsivo inclusive, sendo que, no Brasil (um país com
pesquisadores pioneiros na área como Elisaldo Carlini, Antonio Waldo Zuardi e
José Alexandre de Souza Crippa), os estudos continuam a ser realizados, na
tentativa de provar sua eficácia no tratamento de doenças como esquizofrenia, epilepsia,
Parkinson, Alzheimer e até autismo. Dados obtidos até então indicam que a
substância não tem efeito alucinógeno, nem provoca dependência, ao contrário do
tetrahidrocanabinol.
Inclusive, a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já incluiu, em 2016, derivados de
canabidiol na lista de substâncias psicotrópicas vendidas no Brasil, em
medicamentos tarja preta, com a necessidade de receitas específicas. A Anvisa
autoriza também, mediante certas condições, a importação de CBD para casos de epilepsia
refratária, que apresentem resistência a medicamentos convencionais.
A maconha possui sim
elementos com efeito medicinal. Porém, fumar a droga, pura e simplesmente,
provoca mais um efeito alucinógeno e prejudicial do que terapêutico.
Pense no caso de
medicamentos para a pressão ou para tratamento doenças cardíacas, elaborados a
partir de substâncias provenientes de venenos de cobras (sim, eles existem). O
veneno é receitado? Lógico que não, apenas um remédio criado a partir de
substâncias presentes nele. E anestésicos que têm elementos extraídos do ópio?
Se seguirmos o raciocínio dos que defendem a legalização da maconha para uso
medicinal, teríamos então que legalizar também esta droga para consumo. Não faz
sentido. Nenhum outro produto é usado in natura – existe uma ordem que precisa
ser respeitada, para a segurança da população. O produto tem que ser
sintetizado, passar por testes, enfim, até ser aprovado como um medicamento
seguro.
Nesse contexto, é muito
importante analisar também questões financeiras, de mercado, que influenciam
decisões políticas. O canabidiol é um composto não patenteável, assim, o
interesse de grandes empresas em realizar pesquisas que demonstrem seus efeitos
é menor do que em outras situações, já que, após ser aprovado para produção e
comercialização não será possível ter sua patente exclusiva. Resumindo – será
um produto com grande concorrência no mercado. Inclusive, por isso que a
maioria das pesquisas na área hoje é realizada em centros acadêmicos.
O
exemplo americano.
Porém, grandes investidores
(com base no que acontece nos Estados Unidos principalmente) vêem a simples
legalização da maconha como uma rápida e incrível oportunidade de lucro,
bilionário por sinal. Por quê? O mercado americano nos fornece essa explicação,
vendendo desde a droga para fumo até doces de maconha, que possuem grande
apelo, inclusive para crianças.
Não à toa, ocorreu um forte
investimento em lobby em estados e no congresso americano, visando a
legalização da droga para comercialização, se aproveitando até de uma visão
ingênua de parte da opinião pública, que ainda acredita na história de que o
famoso “baseado” é leve, não faz mal. Tanto que o uso da “maconha medicinal” em
diversos locais nos Estados Unidos não foi aprovado por médicos e sim por meio
de plebiscito.
O que colaborou para a
criação dessa imagem, e que poucos sabem, é o fato da concentração de THC na
maconha ter sido de 0,5%, em média, na década de 1960, por exemplo. Com o tempo
e modificação da droga, esses níveis foram subindo, podendo chegar a até 30%
hoje. Na prática, estamos falando de outra droga, modificada, muito mais
potente e perigosa, presente até em produtos comestíveis. Tendo em vista os
altos riscos sociais e em termos de saúde pública que a medida apresenta, os
Estados Unidos se mostram não como um exemplo a ser seguido, e sim evitado.
Com todo esse contexto em
mente, pense bem nessa questão. O que é melhor para a saúde da população: a
simples liberação do consumo de uma droga, que provoca dependência e diversos
outros males, ou a pesquisa e extração de substâncias com poder terapêutico,
para serem disponibilizadas como medicamentos? A medicina nos mostra que
resposta é mais simples do que parece.
Nenhum comentário:
Postar um comentário