Liberou
geral.
RIO DE JANEIRO - O
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o juiz do STF Luís Roberto Barroso e
outros eminentes palpiteiros na questão das drogas devem ter sabido da tragédia
do menino João Victor, 13 anos, morto à porta de uma lanchonete em São Paulo. A
perícia concluiu que a causa foi um ataque cardíaco provocado pelo consumo de
cheirinho da loló —uma droga inalante à base de clorofórmio (daí a corruptela
loló), éter e, agora, para fazer volume, solventes como gasolina, inseticida,
detergentes, desinfetantes.
Todos esses produtos são
legais e estão à venda no comércio. Nenhum foi concebido para ser usado como
droga, mas sua inalação pelo nariz ou boca provoca uma suave e quase
instantânea —sete a dez segundos— sedação. O efeito se dissipa em minutos,
obrigando o usuário a nova aplicação. Em um ou dois meses de uso regular, a
dependência é inevitável, exceto se interrompida pela morte súbita, comum no
universo da loló. O preço em conta —tubinho de 25 ml a R$ 5, no traficante da
esquina –responde pela popularidade da loló, hoje atrás apenas da maconha entre
os adolescentes.
Às vezes tento imaginar a
reação de um traficante à possível descriminalização ou legalização da maconha
no Brasil, pregada pelos ilustres. Não alterará em nada a sua situação, exceto
talvez para melhor.
Primeiro, porque ele
continuará a vender seu produto, anunciado como "da lata" ou de
alguma região premiada, para contrastar com a erva careta, à venda, quem sabe,
na padaria. Segundo, porque ele continuará com seu catálogo –loló, cocaína,
crack, ecstasy, ácido e, em breve, heroína— para oferecer aos garotos.
Barroso e FHC deveriam
comparecer, nem que atrás de grandes bigodes, a uma festa rave no Rio ou em São
Paulo. Descobririam que, na prática, não há mais o que legalizar. Liberou
geral.
Ruy Castro - É escritor e
jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre
Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas, quartas,
sextas e sábados.
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