CENSO NA CRACOLÂNDIA:
40% DOS USUÁRIOS NUNCA
PASSARAM POR MÉDICOS.
Levantamento inédito da
população da Cracolândia mostra que o número de dependentes sem acompanhamento
médico pode chegar a 283
Um censo inédito da
população da Cracolândia feito pelo programa estadual de combate ao crack, o
Recomeço, e obtido pelo jornal O Estado de S. Paulo revela que quase 40% dos
usuários nunca passaram por uma avaliação de saúde. Isso apesar de um terço
frequentar a região há mais de cinco anos e de Estado e Prefeitura terem ações
voltadas ao tratamento dessa população há pelo menos dez anos. O número de
dependentes sem acompanhamento médico pode chegar a 283, tendo em vista a média
das contagens de pessoas no fluxo obtida pelo estudo: 709.
“Estou no fluxo há 29
anos”, conta Adailton Ferreira de Souza, de 45 anos, possivelmente um dos
frequentadores mais antigos da Cracolândia da Luz. Ele passa o dia sobre um
cobertor na Alameda Cleveland, ao lado da mulher, Otaviana Moreira Campos, de
46, grávida de 5 meses. “Nunca fui ao hospital, nunca fiz exame, nada. O
pessoal até chama, mas eu não sinto dor no corpo, dor de cabeça, nunca
desmaiei, nunca tive tontura. Não preciso, estou bem de saúde”, diz ele. A
mulher afirma só entrar nos postos de atendimento da região para “pegar água”.
“Nunca fui para o médico nem precisei fazer pré-natal. E olhe que eu tenho dez
filhos”, afirma Otaviana.
Coordenado pelo
psiquiatra Marcelo Ribeiro e pela psicóloga Clarice Madruga, ambos do Centro de
Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), da Secretaria de Estado
da Saúde, o censo ouviu 107 pessoas entre e maio e junho do ano passado. O
resultado mostra também que 68% dos dependentes vivem nas ruas, 54% têm filhos
menores de idade, 69% estão à procura de ajuda e 31% já sofreram ao menos uma
overdose na vida.
“É a primeira vez que
se faz um levantamento sociodemográfico da Cracolândia. Saber o perfil das
pessoas que frequentam a área é essencial para operacionalizar melhor nossas
ações”, diz Ribeiro que é diretor do Cratod.
“A pesquisa mostra que
mais da metade (dos usuários), 56%, está disposta a largar o crack. É um índice
alto, que me surpreendeu. Temos de dar respostas a essas pessoas”, diz Clarice.
Para Ribeiro, a responsabilidade do poder público aumenta. “Com o censo,
passamos a saber de fato o que sempre imaginamos de forma empírica. O crack não
mata sozinho.”
Perfil. No universo dos
dependentes que formam a Cracolândia, 79 4% são homens, 16,8%, mulheres, e 3,7%
se declaram transexuais. A maioria não trabalha, passou a morar nas ruas em
função do vício, não terminou o ensino fundamental e tem origem no Estado – 42%
são da capital.
Para o secretário
estadual de Desenvolvimento Social, Floriano Pesaro, os dados levantados pela
pesquisa indicam que as políticas públicas falharam, apesar dos recursos
estaduais e municipais empregados nos últimos anos. E a pesquisa só reafirma a
necessidade de se aprimorar as abordagens de agentes sociais. “O novo programa
que estamos desenhando em parceria com a Prefeitura (Redenção) vai focar neste
aspecto. Vamos criar um padrão de abordagens. A meta será atingir 100% da
população, não apenas 60%, como é hoje. Os agentes terão de ser persistentes.
Os usuários precisam chegar aos serviços de saúde, que existem e funcionam.”
Por Estadão Conteúdo
Cracolândia (Davi
Ribeiro)
Nenhum comentário:
Postar um comentário