quarta-feira, 28 de maio de 2014



VOCÊ TEM SEDE DE QUÊ?


Jairo Bouer - O Estado de S.Paulo

Na última semana em Genebra, durante a Assembleia Mundial da Saúde, o ministro da Saúde, Arthur Chioro, defendeu uma maior regulamentação das propagandas de cerveja aqui no Brasil. A informação é do correspondente do Estado Jamil Chade. Mas será que essa intenção tem chance de se concretizar, vencer as resistências no Congresso e da indústria de bebida e conseguir sair do campo das muitas promessas feitas em conferências internacionais?
A atual lei restringe apenas a publicidade de bebidas com teor alcoólico mais alto (destilados, vinho) nas primeiras horas da noite. Assim, as cervejas e as bebidas "ice", justamente duas das categorias que têm forte apelo junto ao público jovem, escapam da regulamentação e podem ser exibidas antes das 21 horas.
Dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) duas semanas atrás, já comentados nesta coluna no último domingo, mostram que ocorreram mais de 3,3 milhões de mortes no mundo em 2012 por causa do álcool (mais que as mortes por aids, violência e tuberculose juntas). Os números mostram que o consumo per capita de bebida no Brasil é um dos mais elevados do mundo, com quase 9 litros/ano entre os maiores de 15 anos. A média mundial é de pouco mais de 6 litros/ano. O relatório também mostrou que, enquanto na população adulta cerca de 7,5% fazem consumo abusivo esporadicamente, na população jovem esse índice alcança quase 12%.
Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) divulgada há duas semanas, durante o Seminário Internacional de Álcool e Violência, e publicada no Estado, mostra outro fenômeno preocupante: quase 90% das atléticas das universidades públicas e particulares de São Paulo têm algum tipo de parceria formal com a indústria de bebida para compra de cerveja por preço diferenciado, patrocínio a eventos e prêmios por desempenho nas vendas. O trabalho foi feito entre setembro de 2013 e maio de 2014.
A pesquisa mostrou ainda que metade dos universitários nunca pensou nos riscos do consumo de álcool. Já a outra metade experimentou situações de risco após exagerar na bebida, como dirigir, brigar ou fazer sexo sem proteção.
É claro que hoje existe um apelo muito forte da bebida no público jovem. Para eles, festa com bebida em abundância e barata é sinônimo de diversão garantida. "Beber até cair" ou "ficar bem bêbado" são motivações difíceis de serem quebradas nesse universo. Pior, quanto mais cedo se inicia esse padrão de abuso, maiores as chances de o jovem ou o adulto vir a enfrentar um problema de dependência.
Propostas? Que tal uma discussão mais estruturada na escola sobre consumo responsável de álcool feita desde o ensino fundamental, de forma sistemática, seriada e adaptada à fase de vida do aluno. Depois, como pensar em projetos de recepção aos calouros nas universidades que discutam o tema dos impactos e riscos do uso nocivo de bebida já na primeira semana de aula? Para completar, que tal programas de identificação e suporte para quem enfrenta problemas de consumo nocivo (em torno de 10% dos jovens que bebem)? Que tal ampliar o debate sobre regulamentação de propaganda de cerveja e outras bebidas de baixo teor alcoólico de forma efetiva na televisão, rádio e internet? E a maior fiscalização sobre estabelecimentos que vendem ou permitem que o jovem beba em suas dependências? Que tal reavaliar o papel da indústria de bebida em eventos universitários esportivos ou culturais?
Talvez, dessa forma, com medidas que tenham foco em educação, prevenção e regulamentação de publicidade, se consiga reduzir o apelo e o impacto que a bebida tem com o jovem. Funcionou com o cigarro, que teve seu consumo reduzido nas diversas camadas da população, até mesmo entre os adolescentes. Será que, apesar das peculiaridades sociais e culturais, não poderia funcionar com o álcool também?

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