OS CUPINS DA DEMOCRACIA.
A ação dos
cupins é lenta, persistente, eficaz e de difícil enfrentamento, sem que se
saiba ao certo quando ela alcança um estágio de letalidade, a despeito de
algumas evidências.
A democracia
brasileira, a “plantinha tenra” no dizer de Octavio Mangabeira (1886-1960),
está sujeita a “cupins” que podem minar a festejada estabilidade institucional,
condição indispensável à construção do desenvolvimento. O mais letal desses
cupins é a violência disseminada contra as pessoas e contra a propriedade.
A violência
pode ser admitida, ainda assim sujeita a regramentos, em situações extremas,
como a guerra, a insurgência contra a ruptura do estado democrático de direito
ou a ação legítima do Estado justamente para deter a própria violência.
O acelerado
processo migratório interno para as médias e grandes cidades, a partir dos anos
1960, produziu grandes bolsões de pobreza no entorno das maiores cidades,
correspondendo a verdadeiras zonas de exclusão social, sem lei e sem Estado.
Assim, as
cidades brasileiras, relativamente seguras no passado, foram, nas últimas
décadas, se convertendo em territórios do crime, desde os de baixo poder
ofensivo, como as pichações, até a banalização dos assaltos, os sequestros, os
arrastões, as explosões de caixas eletrônicos, as agressões de fundo homofóbico
ou racista, etc.
Os ricos
tentam se proteger com seguranças armados, carros blindados e condomínios que
mais parecem fortalezas. Já os pobres, porque indefesos, se tornam, não raro,
reféns da marginalidade.
A tudo isso,
se soma a violência contra a propriedade. Movimentos políticos, que se
autoqualificam como sociais, na busca bem-sucedida por financiamento público,
sentem-se investidos no direito de invadir propriedades privadas e edifícios
públicos.
As
desocupações, determinadas pela Justiça, não geram qualquer ônus para os
invasores. A destruição de pastagens, silos, laboratórios, etc. serviu como
prenúncio da funesta ação dos black blocs.
Esses
fenômenos, em tese isolados, compõem a matriz da violência no Brasil, que
admite várias causas, como a incapacidade de o Estado lidar com o fenômeno da
urbanização maciça e acelerada, a ineficácia no enfrentamento da violência e a
condescendência perniciosa com as transgressões à lei. Se a primeira dessas
causas pode ser cuidada com políticas públicas, as outras têm soluções
complexas, difíceis e controversas.
A
ineficácia, no enfrentamento da violência, começa pelas disfunções de um
aparelho policial sem motivação, vulnerável à corrupção, despreparado e sujeito
a inadmissíveis greves. Prossegue com um Judiciário moroso e excessivamente
formalista, do que resulta uma clara sensação de impunidade. Culmina com a
prisão em masmorras ofensivas à dignidade humana, verdadeiras escolas do crime.
A tolerância
é a generosidade civilizatória. Tem, entretanto, limites (est modus in rebus,
já dizia Horácio). Quando ela se torna excessiva se converte em condescendência
perniciosa.
É admirável
a preocupação com os jovens. A atenção ao menor infrator, contudo, é
deplorável, limitando-se apenas a um discurso politicamente correto. As casas
de reeducação são apenas sucursais das masmorras. A consequência disso é o
crescente envolvimento de menores em práticas criminosas.
As pretensões
de liberalizar as ditas drogas “leves” decorrem de teses ingênuas. Será que
ficaria mais fácil enfrentar os traficantes se sua atividade ficasse restrita
às drogas “pesadas”? Os que hoje traficam drogas “leves” iriam se inscrever em
um programa de reinserção profissional?
Não há uma
política pública voltada para os adictos, tanto quanto inexiste para a saúde
mental. Algumas iniciativas, nessa área, são impressionantemente caricatas.
As
manifestações públicas são o oxigênio da democracia, mas não podem ser
abusivas. Não devem tolher o direito de ir e vir dos demais cidadãos. De igual
forma, são inadmissíveis o vandalismo e as agressões a terceiros.
Urge cuidar
da violência em suas diferentes vertentes, porque ela afinal é a negação da
liberdade.
Everardo
Macielé ex-secretário da Receita Federal.
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