Este é o raciocínio.
Folha de S. Paulo - RUY CASTRO
A morte do ator Philip Seymour Hoffman, em
Nova York, por uma overdose de heroína e de outras substâncias, sacudiu as
pessoas que lutam contra a dependência química e tentam se manter sóbrias.
Hoffman estava há 23 anos sem beber ou se drogar, e se orgulhava disso. Mas foi
encontrado morto ao lado de 50 papelotes de heroína e remédios de uso
"controlado" e com uma seringa espetada no braço. Por quê?
Tinha 46 anos, era famoso, disputado
e cheio de prêmios em teatro e cinema, inclusive um Oscar de melhor ator. Sabia
que devia sua carreira à sobriedade --a que chegou aos 23 anos, depois de uma
juventude em que usou tudo que lhe passava pela frente. Por que, então, recaiu?
Alguns atribuirão isso a forças internas, inconscientes, que deviam assolá-lo
por algum motivo intangível e etéreo. Já os dependentes --como eu-- têm outra
explicação.
Grande parte das recaídas acontece
por excesso de confiança. É o que leva um dependente a se considerar
ex-dependente apenas porque está há anos afastado da bebida ou da droga. Ou a
acreditar que, com tantos anos de abstinência, pode voltar a consumi-la, sob
controle, "só quando quiser". Mas não existe o ex-dependente. Existe
o dependente que se abstém do produto, assim como o diabético que se abstém de
açúcar. O menor vacilo leva fatalmente à recaída.
Se isso é consolo, a morte de Philip
Hoffman será sempre um alerta contra as tentações que rondam o dia a dia dos
dependentes. Se alguém como ele pode recair --este é o raciocínio--, preciso me
cuidar.
Também sóbrio há 26 anos, faço uma
contabilidade própria. Nesse período, troquei a morte certa pela recuperação da
saúde, do trabalho, do reconhecimento profissional, do amor das filhas, enfim,
da vida. E o que isso me custou e ainda custa? Baratinho. Um simples gole que
deixo de tomar.
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